quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Homens, Mulheres e Filhos

Em 14 de fevereiro de 1990 a sonda espacial Voyager, nos limites do Sistema Solar, virou sua câmera para trás e tirou uma foto da Terra. Na imagem, nosso planeta aparece como um ponto azul na imensidão do Espaço, o que inspirou o astrônomo e escritor Carl Sagan a escrever um livro chamado "Pequeno Ponto Azul" (Pale Blue Dot). O objetivo de Sagan era mostrar como somos pequenos diante da imensidão do Universo e como nossas brigas por credos, raças e dinheiro são insignificantes. O que não significa que nós não tenhamos importância; pelo contrário, Sagan sempre enfatizou que nós somos feitos da mesma matéria de que são feitas as estrelas.

E aqui estamos nós, em pleno século XXI, cercados por tecnologia por todos os lados e capazes de nos comunicar (e nos fotografar) com o apertar de um botão. E, talvez, nunca estivemos tão solitários. É o que "Homens, Mulheres e Filhos", o novo filme de Jason Reitman, tenta nos dizer. Imagine "Beleza Americana" (Sam Mendes, 1999) na era da internet e dos smartphones. O filme de Reitman tem o mesmo olhar cínico sobre a sociedade branca, rica e entediada americana que a obra de Mendes. Há também ecos de "Pecados Íntimos" (Little Children), filme de 2006 em que o diretor Todd Field mostra como os adultos também podem agir como crianças mimadas. "Homens, Mulheres e Filhos" empresta de "Pecados Íntimos" o recurso de ter um narrador externo que, como um locutor de um documentário científico, conta a história para o espectador (na voz da atriz britânica Emma Thompson).

Reitman faz uso de "segundas telas" dentro da moldura do cinema para que o espectador possa visualizar o que os personagens estão digitando em seus smartphones ou vendo na tela de computadores. Há uma cena, por exemplo, em que enquanto acompanhamos o diálogo entre três adolescentes, também vemos o que duas delas estão falando, via mensagem de texto, entre si. (Leia mais abaixo. Obs: o trailer conta quase todo o filme)


Adam Sandler (em um papel "não Adam Sandler") é Don, o marido frustrado de Helen (Rosemarie DeWitt). Eles não fazem sexo há meses e ele só consegue consolo em sites de pornografia. Um dia o computador dele está com problemas, ele entra no quarto do filho e descobre que o rapaz de 15 anos já está vendo coisas muito mais pesadas do que ele online. Helen também se sente solitária e procura alternativas em um site que promove encontros sexuais entre pessoas casadas.

Em outra trama, o adolescente Tim (Ansel Elgort, de "A culpa é das estrelas") era o astro do time de futebol americano da escola, mas um dia ele decidiu parar porque "não via mais sentido em nada". A mãe trocou a família por um namorado novo na Califórnia, deixando Tim e o pai, Kent (Dean Morris, de "Breaking Bad" e "Under the Dome") sozinhos. O filho acompanha a nova vida da mãe pelo Facebook.

Falando em mães, há uma super protetora, vivida por Jennifer Garner, que vasculha o celular da filha todos os dias, conhece todas as senhas da garota e tem um sistema de GPS que mostra onde ela está o tempo todo. Por outro lado, há outra mãe que, na tentativa de promover a filha, posta fotos sensuais da garota em poses provocantes em um website e tenta, a todo custo, colocá-la em um programa de TV.

As tramas são entrecortadas por imagens da sonda Voyager vagando pelo espaço, bem distante, alheia a todos os dramas. As palavras inspiradoras de Carl Sagan chegam à nova geração de forma distorcida. Enquanto o ex jogador de futebol americano acha que nada vale apena (afinal, somos apenas poeria cósmica), garotas como a modelo se acham o centro do Universo (e quebram a cara quando descobrem a realidade).

O filme está bem longe do tom leve e divertido usado anteriormente por Jason Reitman em filmes como "Juno" e "Amor sem escalas". "Homens, Mulheres e Filhos" é atual e bastante realista, deixando um gosto amargo na boca.

Ps: enquanto escrevia este texto, mantinha uma conversa no Whatsapp e, de vez em quando, checava o Facebook. Pois é.


João Solimeo

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