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domingo, 1 de setembro de 2013

Frances Ha

Frances (Greta Gerwig) é uma mulher de 27 anos que divide um apartamento em Nova York com a melhor amiga, Sophie (Mickey Summer). As duas se conhecem desde a época da faculdade e, segundo Frances, são "a mesma pessoa com cabelos diferentes". Fumam e bebem juntas, frequentam os mesmos lugares, brincam na rua como duas crianças. Um dia o namorado de Frances pede para ela vir morar com ele. Ela diz que não pode, pois mora com Sophie. O caso é que, ao contrário dos desejos de Frances, o tempo passa, as pessoas crescem e assumem responsabilidades, e talvez os planos de Sophie não sejam exatamente como Frances gostaria que eles fossem.

"Frances Ha" é escrito e dirigido por Noah Baumbach e por Greta Gerwig, e parece um filme francês dos anos 1960 que alguém achou enterrado em uma cápsula do tempo. Filmado digitalmente (com uma Canon 5D, uma câmera fotográfica) em maravilhoso preto-e-branco (direção de fotografia de Sam Levy) e contento várias trilhas sonoras de Georges Deleure (que colaborou frequentemente com François Truffaut), o filme só faltava ser falado em francês para a ilusão de se tratar de um exemplar perdido da nouvelle vague se completar. É tão francês que a personagem principal, claro, se chama "Frances". Greta Gerwig está soberba; não há um momento sequer em que ela não seja natural como uma aspirante a bailarina que perdeu o bonde da própria vida (mas não se deu conta disso ainda). É um filme sobre uma amizade que se mistura com amor (mais sobre isso em breve), sobre ilusões, sobre arte e sobre a realidade, que teima em aparecer de vez em quando para jogar um banho de água fria nos sonhos de Frances.

Noah Baumbach é colaborador frequente de Wes Anderson (diretor de "Moonrise Kingdom", "Os Excêntricos Tenenbauns", "O Fantástico Sr. Raposo", etc) e diretor de um filme que admiro muito, "A Lula e Baleia", com Jeff Daniels e Jesse Einsenberg. A colaboração com Greta Gerwig trouxe a "Frances Ha" um ponto de vista extremamente feminino. A influência francesa está presente em cada plano. Quando Sophie muda de apartamento, deixando Frances sem ter como pagar o aluguel, ela vai morar com dois artistas, o mulherengo Lev (Adam Driver) e Benji (Michael Zegen), em uma situação que lembra muito, claro, "Uma Mulher para Dois" (1962), de Truffaut. Há também uma sequência em que Frances, em um impulso, usa um cartão de crédito para passar um final de semana em Paris, e uma amiga lhe diz que conhece um rapaz muito parecido com Jean-Pierre Léaud, ator símbolo da nouvelle vague. O ar francês continua firme mesmo quando o ritmo contagiante de "Modern Love", de David Bowie, se torna a trilha sonora principal do filme.

E há a "amizade" entre Frances e Sophie. Apesar de uma frase no início dizer que elas são como "um velho casal de lésbicas que não faz sexo", e elas serem chamadas de heterossexuais por todo o filme, a atração de Frances por Sophie beira a obsessão. Ela fala sobre a amiga o tempo todo, com quem estiver próximo e disposto (ou não) a ouvir. As duas são vistas na mesma cama em diversas cenas (em uma delas, Frances tira a calcinha antes de se deitar). Sophie tem um namorado, que depois se torna seu noivo, mas Frances está sempre sozinha (a não ser pelo "namorado" com quem ela briga, no início do filme, por causa de Sophie) mesmo quando está morando em um apartamento com dois homens ativos sexualmente. Por mais "gracinha" que o filme seja, em sua exaltação à amizade, fica a sensação incômoda de que se está assistindo a um casal homossexual que não quer assumir o relacionamento e ser feliz. Mas é um filme gostoso de se ver, com interpretações sinceras e ótimo nível técnico. Em cartaz no Topázio Cinemas, em Campinas.

Câmera Escura


domingo, 6 de maio de 2012

O Porto

"O Porto" é uma pequena obra-prima. Dirigido pelo finlandês Aki Kaurismäki, o filme brinca com clichês, subverte gêneros e é de uma aparente simplicidade que engana. Na cidade francesa de Le Havre, Marcel Marx (André Wilms) é um velho engraxate que, apesar de pobre, leva uma vida regrada. Após passar o dia à procura de clientes (sempre de olho no que os transeuntes estão calçando, a maioria tênis) ele volta para casa à noite, onde sua esposa Arletty (Kati Outinen) o aguarda com o jantar. Os dois têm aquele tipo de casamento que dura décadas, e um observador incauto imaginaria que são infelizes. Uma noite Marcel chega em casa e a esposa está tendo uma crise. No hospital ela implora ao médico que não conte ao marido que não há esperanças. "Ele é como uma criança", diz ela.

Marcel também não é o que parece. A figura ranzinza esconde uma alma boa que se revela com a doença da esposa e com um fato inusitado; uma família de imigrantes ilegais africanos é encontrada dentro de um conteiner no porto (em uma bela cena orquestrada por Kaurismäki), e um garoto chamado Idrissa (Blondin Miguel) consegue escapar da polícia. Ele é encontrado por Marcel, que o coloca sob sua proteção. O filme vê com olhar carinhoso a vizinhança em que Marcel mora, com o vendedor de frutas e verduras, a padeira, a dona de um bar. No início do filme, todos fugiam de Marcel pois ele não tem dinheiro para pagá-los. Com a mulher dele no hospital e o aparecimento do imigrante, todos passam a ajudá-lo com abrigo e comida, ou para despistar a polícia. O lendário ator francês Jean-Pierre Léaud, que trabalhou com Truffaut e Jean-Luc Goddard, faz uma aparição especial como um vizinho que tenta informar a polícia do paradeiro do garoto. Destaque também para a figura do Comissário de Polícia, o policial Monet (Jean-Pierre Darroussin). Enquanto a mídia, em uma ironia do roteiro, faz ligações entre o imigrante africano e a rede terrorista Al-Qaeda e o prefeito pressiona a polícia para encontrar o garoto, o policial Monet mantém os olhos abertos e vigia Marcel de perto, mas tem planos próprios sobre o que fazer com o garoto.

"O Porto" é uma comédia inteligente e comedida. A trama aparentemente simples carrega várias pistas da situação caótica em que se encontra a Europa, com problemas políticos e econômicos. A imigração ilegal tem sido tema de vários filmes ultimamente, mas neste ela é tratada de uma forma ao mesmo tempo direta (todos se unem para tentar enviar o garoto a Londres, seu destino original) e carinhosa. Interessante também a história de amor entre Marcel e a esposa Arletty. Sim, eles são de outra época, em que o marido trabalhava fora e a mulher ficava em casa, mas com que sensibilidade o diretor/roteirista mostra a relação dos dois. A cena final é pura poesia. "O Porto" ganhou o prêmio da crítica no Festival de Cannes, em 2011. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.

sábado, 11 de junho de 2011

Potiche: Esposa Troféu

É um privilégio estar em um cinema e ver, nos créditos, os nomes de Catherine Deneuve e Gérard Depardieu. Ícones do cinema francês, já estrelaram oito filmes juntos, sendo que o primeiro foi "O Último Metrô" (1980), de François Truffaut. Os dois estão em "Potiche: Esposa Troféu", do talentoso diretor François Ozon (de "O Refúgio"). O filme faz parte do Festival Varilux de Cinema Francês, em cartaz no Topázio Cinemas, em Campinas.

Deneuve é Suzanne Pujol, fiel dona de casa e esposa exemplar de Robert Pujol (Fabrice Luchini), um homem machista que a trata da mesma forma que os 300 empregados da empresa de guarda-chuvas que comanda: mal. Robert é daqueles homens "à moda antiga" que acha que ser um bom marido é manter a esposa em uma casa grande e cheia de eletrodomésticos, enquanto frequenta o prostíbulo na cidade e tem um caso com a secretária. Suzanne também é um retrato do seu tempo, a esposa que cozinha, lava, passa e faz vista grossa às infidelidades do marido (e, secretamente, não é tão fiel assim). Eles têm dois filhos; Joelle (Judith Godrèche) é a queridinha do papai e tão reacionária quanto ele. Ela desfila com um cigarro na mão e um penteado ao estilo de Farrah Fawcett, de "As Panteras", dizendo que vai se divorciar do marido que está sempre viajando. Já Laurent (Jérémie Renier) se interessa por arte e diz que não gosta de política, embora tenha tendências para a esquerda.

Uma greve na fábrica de guarda-chuvas provoca um ataque de fúria em Robert Pujol que, se recusando a negociar com os empregados, é sequestrado e preso no escritório. Cabe a Suzanne pedir ajuda ao comunista Maurice Babin (Gérard Depardieu), e quando os dois se encontram fica claro que alguma coisa aconteceu no passado deles. Em flashbacks coloridos e teatrais, Ozon mostra como os dois tiveram um caso tórrido em uma tarde, há muitos anos. Os diálogos são muito engraçados; o roteiro, do próprio Ozon, é baseado na peça de Pierre Barillet e Jean-Pierre Gredy e, além de bem humorado, é uma sátira ao modo de vida e às mudanças sociais e políticas que sacudiram o mundo nas décadas finais do século XX. Com Robert liberto e enviado em uma viagem de recuperação de três meses, Suzanne Pujol toma o comando da empresa e, negociando com os empregados, recupera as finanças, emprega os filhos e dá vida nova ao negócio de guarda-chuvas. Ao mesmo tempo, Suzanne deixa de ser uma "esposa troféu" e se descobre como mulher.

Aos 67 anos, Catherine Deneuve continua bela e ótima atriz. Observe com que elegância ela cruza a tela e como suas expressões revelam, sutilmente, as nuances de sua personagem. Depardieu, igualmente, continua um tremendo ator e todas as suas cenas com Deneuve valem o filme. Há uma ótima sequencia em que os dois vão a uma boate típica dos anos 70, com bolas de espelho girando e luzes coloridas no chão, e fazem um número de dança que é ao mesmo tempo engraçado e nostálgico. O filme explora com humor as mudanças de papel entre os sexos, com as mulheres saindo de casa e começando a trabalhar. Há uma cena que mostra depoimentos reais da época, na televisão, de homens e mulheres falando sobre o trabalho feminino. O trabalho de recriação de época é muito bom, principalmente o figurino e a fotografia, que emula os filmes dos anos 70. Em algum lugar, sem dúvida, Truffaut deve estar sorrindo. Visto como cortesia no Topázio Cinemas de Campinas.




domingo, 24 de outubro de 2010

Godard, Truffaut e a Nouvelle Vague

Festival de Cannes, 1959. François Truffaut, crítico da mítica revista "Cahiers du Cinemá", que havia sido barrado pelo festival no ano anterior por seus textos polêmicos, é aclamado pela platéia. Seu primeiro longa-metragem, e obra prima, "Os Incompreendidos", acaba de ser exibido. Um garoto de 14 anos, Jean-Pierre Léaud, é levantado nos braços da multidão.

Em Paris, outro crítico da revista, Jean-Luc Godard, está inquieto. Ele gostaria de estar no festival. Graças à ajuda de Truffaut e de Claude Chabrol, que lhe servem de fiadores, ele consegue financiamento para seu primeiro filme, "Acossados", um filme "policial" com Jean-Paul Belmondo.

Truffaut e Godard. Godard e Truffaut. Dois cinéfilos de carteirinha, críticos de cinema e criadores do movimento conhecido como a "nova onda", a Nouvelle Vague. Seguidores do maior crítico de cinema da história, André Bazin, Truffaut e Godard vieram de origens diferentes. Truffaut era pobre, humilde. Aos 16 anos, criou um cineclube. Aproveitava quando a família ia ao teatro para fugir e ir ao cinema escondido. Foi preso e um reformatório por roubar dinheiro para pagar as dívidas do cineclube. Godard era de família rica. Morou na Suíça, andava em carros importados americanos. Estava sempre de óculos escuros e atitude esnobe. Os dois se tornaram amigos e colaboradores. Até que a política os separou irremediavelmente e nunca mais se viram.

Esta é a história contada no documentário "Godard, Truffaut e a Nouvelle Vague", que o Topázio Cinemas está exibindo em sua "Semana do Cinema Francês" (o filme será exibido novamente dia 27 de outubro, às 19h10). Dirigido por Emmanuel Laurent, o documentário mostra a vida, obra e amizade destes dois gigantes do cinema através de imagens de arquivo, entrevistas, centenas de fotos e, claro, cenas de seus filmes. Truffaut sempre foi o mais humano dos dois, o mais esperançoso com relação à vida e as pessoas. Era o cineasta das mulheres e das crianças. Sua maior criação foi o personagem Antoine Doinel, alter-ego que iniciou sua vida cinematográfica em "Os Incompreendidos". Interpretado por Jean-Pierre Léaud, Doinel reapareceu em mais três filmes, mas a imagem final de "Os Incompreendidos", quando o jovem Doinel foge do reformatório, corre até a praia e se volta para a câmera, é inesquecível.

Léaud se tornou uma espécie de irmão mais novo de Truffaut. Em uma cena do documentário, o garoto diz que sua vida mudou totalmente depois do filme, e que agora só queria ir ao cinema para ver "bons filmes".

Já Godard era mais seco do que Truffaut, e gostava de brincar com a linguagem cinematográfica. "Acossados" tinha a trama de um filme policial tradicional, mas Godard o filmou e editou de forma completamente nova. Os cortes da montagem não seguem o tradicional esquema plano/contra plano; a continuidade não é sempre respeitada, assim como o eixo da câmera, quase sempre "quebrado". Godard continuaria fazendo experimentos com a forma do cinema por toda a carreira.

Em 1968, três semanas antes do famoso "maio de 68", os cineastas da Nouvelle Vague, liderados por Truffaut e Godard, marcharam por Paris para protestar contra a demissão de Henri Langlois da Cinemateca Francesa. O local era o "templo" dos cinéfilos parisienses, que queriam manter Langlois na curadoria dos filmes. (Este protesto foi recriado por Bernardo Bertolucci em "Os Sonhadores", de 2003). No ano seguinte, também Truffaut e Godard conseguiram cancelar o Festival de Cannes, como uma forma de protesto por todos os problemas que estavam ocorrendo no mundo.

Depois disso, no entanto, as carreiras dos dois amigos mudou drasticamente. Godard se tornou completamente político, um ativista que queria fazer do cinema uma forma de protesto. Truffaut era um cineasta que amava o cinema em sua forma mais pura. A amizade dos dois foi definitivamente rompida quando Godard enviou uma carta cheia de "veneno" para Truffaut quando do lançamento do ótimo "A Noite Americana", a homenagem que Truffaut fez ao cinema em 1973. Godard chamou Truffaut de "mentiroso". Este retrucou em uma carta de 20 páginas em que acusava Godard de se aproveitar das classes pobres (das quais Godard nunca fez parte) para se promover.

O documentário termina com uma cena ótima, o teste de Jean-Pierre Léaud para o papel de Antoine Doinel em "Os Incompreendidos". A entrevista é muito parecida com uma cena do próprio filme, quando Doinel é entrevistado pelo psiquiatra do reformatório. Truffaut morreu precocemente, aos 52 anos, em 1984, e deixa saudades. Seu amor pelo cinema era enorme, expresso em mais de 25 filmes. Godard continua vivo e ativo, produzindo dezenas de filmes de "arte" com mensagens políticas.