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sábado, 27 de setembro de 2014

Era uma vez em Nova York

A cena final de "Era uma vez em Nova York" ("The Immigrant") é de uma beleza inquestionável; uma junção das ótimas interpretações de Joaquin Phoenix e Marion Cotillard (de "Ferrugem e Osso"), da direção de James Gray e da fotografia (em gloriosa película) de Darius Khondji .

Mas chegar até ela não é fácil, nem para os personagens nem para o público. Esqueça os lances cômicos de Chaplin (que fez um filme com este tema há quase um século); esqueça a nostalgia cinematográfica de Sérgio Leone em "Era uma vez na América" (1984) ou mesmo de Coppola em "O Poderoso Chefão Parte 2" (1974). Gray faz a imigrante polonesa Ewa (Cotillard) passar pelo inferno em um filme que está longe de ser perfeito, mas é marcante.

Em 1921, Ewa é uma imigrante polonesa que está em Ellis Island, Nova York. Era nesta ilha que, à sombra da Estátua da Liberdade, o destino de centenas de imigrantes do mundo todo era decidido todos os dias. Ewa e a irmã Magda deveriam ser recebidos pelos tios, mas eles não apareceram para buscá-las. Magda está com tuberculose e é levada a um hospital de imigrantes, e Ewa é colocada na fila para deportação. A sorte dela parece mudar quando Bruno (Phoenix), um homem bem vestido e educado, fica comovido pela história de Ewa e consegue liberá-la da imigração e levá-la para Nova York. (leia mais abaixo)


Aos poucos, porém, Ewa descobre que os interesses de Bruno não são altruístas. Ele se revela uma mistura de artista, empresário e cafetão que explora um grupo de garotas que apresentam um show chamado "As maravilhas do mundo" em um pulgueiro da cidade. As moças, além de mostrarem o corpo no show, eventualmente acabam se prostituindo. A relação entre Bruno e Ewa é complicada. Ela acredita que Bruno vai conseguir libertar a irmã de Ellis Island; já Bruno está obcecado por Ewa. E então surge Orlando (Jeremy Renner), um mágico que teve um problema com Bruno no passado. Ele bate os olhos em Ewa e, claro, também se apaixona.

Tudo isto é contado por James Gray (de "Amantes" e "Os Donos da Noite", também com Joaquin Phoenix) de forma lenta e, infelizmente, não muito clara. O filme tem diversos falsos começos e reviravoltas que não levam a lugar algum. Há um vai e vem desnecessário para Ellis Island e algumas coincidências um tanto teatrais, como personagens que aparecem justamente no pior momento possível. Há uma cena de assassinato em que a polícia tenta achar o culpado só por uma cena; no resto do filme, o assunto parece esquecido. E o que motiva Ewa? A não ser pela obsessão de libertar e irmã e por uma bela cena passada no confessionário da igreja, ela se mantém inerte e apática.

Tudo culmina, como já dissemos, em uma cena final muito boa, uma espécie de catarse em que as emoções finalmente são expostas e o destino dos personagens é traçado.

O plano final é uma obra prima. Só não espere uma viagem agradável até ele. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.

Câmera Escura

domingo, 6 de maio de 2012

O Porto

"O Porto" é uma pequena obra-prima. Dirigido pelo finlandês Aki Kaurismäki, o filme brinca com clichês, subverte gêneros e é de uma aparente simplicidade que engana. Na cidade francesa de Le Havre, Marcel Marx (André Wilms) é um velho engraxate que, apesar de pobre, leva uma vida regrada. Após passar o dia à procura de clientes (sempre de olho no que os transeuntes estão calçando, a maioria tênis) ele volta para casa à noite, onde sua esposa Arletty (Kati Outinen) o aguarda com o jantar. Os dois têm aquele tipo de casamento que dura décadas, e um observador incauto imaginaria que são infelizes. Uma noite Marcel chega em casa e a esposa está tendo uma crise. No hospital ela implora ao médico que não conte ao marido que não há esperanças. "Ele é como uma criança", diz ela.

Marcel também não é o que parece. A figura ranzinza esconde uma alma boa que se revela com a doença da esposa e com um fato inusitado; uma família de imigrantes ilegais africanos é encontrada dentro de um conteiner no porto (em uma bela cena orquestrada por Kaurismäki), e um garoto chamado Idrissa (Blondin Miguel) consegue escapar da polícia. Ele é encontrado por Marcel, que o coloca sob sua proteção. O filme vê com olhar carinhoso a vizinhança em que Marcel mora, com o vendedor de frutas e verduras, a padeira, a dona de um bar. No início do filme, todos fugiam de Marcel pois ele não tem dinheiro para pagá-los. Com a mulher dele no hospital e o aparecimento do imigrante, todos passam a ajudá-lo com abrigo e comida, ou para despistar a polícia. O lendário ator francês Jean-Pierre Léaud, que trabalhou com Truffaut e Jean-Luc Goddard, faz uma aparição especial como um vizinho que tenta informar a polícia do paradeiro do garoto. Destaque também para a figura do Comissário de Polícia, o policial Monet (Jean-Pierre Darroussin). Enquanto a mídia, em uma ironia do roteiro, faz ligações entre o imigrante africano e a rede terrorista Al-Qaeda e o prefeito pressiona a polícia para encontrar o garoto, o policial Monet mantém os olhos abertos e vigia Marcel de perto, mas tem planos próprios sobre o que fazer com o garoto.

"O Porto" é uma comédia inteligente e comedida. A trama aparentemente simples carrega várias pistas da situação caótica em que se encontra a Europa, com problemas políticos e econômicos. A imigração ilegal tem sido tema de vários filmes ultimamente, mas neste ela é tratada de uma forma ao mesmo tempo direta (todos se unem para tentar enviar o garoto a Londres, seu destino original) e carinhosa. Interessante também a história de amor entre Marcel e a esposa Arletty. Sim, eles são de outra época, em que o marido trabalhava fora e a mulher ficava em casa, mas com que sensibilidade o diretor/roteirista mostra a relação dos dois. A cena final é pura poesia. "O Porto" ganhou o prêmio da crítica no Festival de Cannes, em 2011. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.

domingo, 26 de abril de 2009

O visitante

Curioso este momento de transição pelo qual passamos. Os oito anos de governo Bush deixaram um gosto amargo na política internacional dos EUA, única potência do mundo e mais xenofóbico e assustador do que nunca. A chegada de Barack Obama à Casa Branca vem carregada de esperança para o futuro, mas ainda há muita desconfiança entre os países do mundo e o fantasma do 11 de setembro ainda permanece na memória recente das pessoas. Com Bush ou sem, o fato é que há uma enorme desigualdade social no Brasil e no mundo, o que força cada vez mais as pessoas a fugirem de seus países em busca de uma vida melhor em outro lugar. E Nova York ainda mantém o posto não oficial de capital do mundo, com a Estátua da Liberdade dando boas vindas aos imigrantes famintos, desde que eles consigam fugir da imigração americana. É neste cenário que se passa "O Visitante", produção sensível escrita e dirigida por Thomas McCarthy.

Walter Vale (Richard Jenkins, perfeito) é um professor universitário cuja vida está estagnada. Ele repete a mesma aula há anos sem muito interesse tanto de sua parte quanto de seus alunos. Tenta sem sucesso, nem muito esforço, aprender a tocar piano, tendo trocado várias vezes de professor. Viúvo de uma pianista, ele agora passa seus dias sozinho, dando poucas aulas e reservando tempo para escrever um livro. Sua vida muda ao ter que ir para Nova York falar em um congresso. Ao chegar ao apartamento que tem na cidade, mas que não visitava há anos, ele encontra um casal de imigrantes morando lá. Tarek (Haas Sleiman) é um percussionista da Síria, e sua mulher Zainab (Danai Gurira) é do Senegal e vende bijuterias. Os dois foram enganados por um homem que se dizia dono do apartamento e já estavam morando lá há dois meses. Inicialmente Walter os manda embora, mas muda de idéia e acaba deixando que eles permaneçam ali até encontrarem outro lugar. Uma improvável amizade se estabelece entre Walter e Tarek, que têm um amor em comum, a música. Richard Jenkins, que concorreu ao Oscar de melhor ator por este filme, é minimalista ao fazer de Walter Vale um senhor aparentemente sem nenhum atrativo. Aos poucos, porém, percebemos que ele não é má pessoa. Apenas passou muito tempo sozinho e sem desafios. O encontro com o jovem casal de imigrantes desperta nele as memórias da própria esposa e a vontade de fazer algo diferente da vida. Aos poucos Walter começa a ter aulas de tambor com Tarek e há cenas muito engraçadas dos dois batucando.

Acontece, no entando, de Tarek ser preso injustamente pela polícia de Nova York. Como está no país ilegalmente, ele é enviado a um presídio da imigração no Queens, bairro afastado de Nova York. Walter está tão envolvido com o percussionista que passa a visitá-lo na prisão e tenta encontrar uma saída para o problema. Ele também tem que lidar com a mãe de Tarek, Mouna (Hian Abbass, do belo "Lemon Tree"), que vem de Michigan procurar pelo filho. Aos poucos Walter descobre como é difícil a vida para um imigrante ilegal nos Estados Unidos quando este é preso pela imigração. Tarek pode ser enviado para qualquer parte do país ou mesmo deportado sem aviso prévio, e os oficiais da imigração não estão dispostos a dar muitas informações.

O filme poderia cair em um drama fácil ou em um protesto político superficial, mas mantém o foco no lado humano dos personagens. Walter, ao se envolver com os imigrantes, percebe como sua vida tem sido vazia, e a presença feminina de Mouna também desperta sentimentos há muito esquecidos. A trama me lembrou do filme que Peter Weir fez em 1990, "Green Card, Passaporte para o Amor", em que Gerard Depardieu simulava um casamento com Andie MacDowell para tentar ficar nos Estados Unidos. As duas produções tem a música como um dos focos principais (o personagem de Depardieu também era músico) e em ambos aparece um músico de rua que toca percussão em uma lata. "O visitante", porém, é um filme mais sério e mais realista sobre as condições de vida nos Estados Unidos. Digamos que "Green Card" seja uma fantasia dos tempos anteriores ao 11 de setembro, enquanto que "O Visitante" mostre como o mundo mudou, infelizmente para pior, nesse período.