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domingo, 2 de janeiro de 2011

Contos da Era Dourada

Longa metragem composto por seis episódios, este filme da Romênia foi escrito pelo mesmo diretor do ótimo "4 meses, 3 semanas e 2 dias", Cristian Mungiu. Enquanto este último tinha uma trama pesada (as negociações de duas mulheres com um salafrário para fazer um aborto ilegal), estes contos são leves, tendendo para a comédia irônica.

Assim como "4 meses, 3 semanas e 2 dias", os curtas se passam durante a ditadura de Nicolau Ceausescu, que governou a Romênia comunista de 1965 até 1989, quando foi derrubado e morto por uma revolta armada. Os episódios foram todos escritos por Mungiu e dirigidos por Hanö Hofer, Rasvan Marculescu, Constantin Popescu, Iona Uricaru e o próprio Cristian Mungiu. As tramas são uma série de "lendas urbanas" sobre como o povo romeno lidava com os problemas gerados pela burocracia do governo comunista.

Em "Vendedores de Ar", um rapaz e uma moça (Diana Cavaliotti e Radu Iacoban) se fazem passar por funcionários do "Ministério da Química" e aplicam golpes em idosos que ficam sozinhos em seus apartamentos. Eles dizem que vieram buscar uma amostra da água (ou do próprio ar) do apartamento porque houve reclamações sobre a má qualidade destes. O objetivo dos dois, na verdade, é recolher garrafas de vidro vazias e vendê-las. Segundo o episódio, no final do governo comunista era possível até comprar um carro velho vendendo garrafas.

O episódio "Chofer de Galinhas" trata de um motorista de caminhão, Grigore (Vlad Ivanov) que está com problemas no casamento. Quase todos os dias ele tem que transportar galinhas até uma cidade portuária, mas ele sempre para em um restaurante gerenciado por uma bela mulher solitária. Os dois começam um esquema de vender os ovos postos pelas galinhas para o povo da vizinhança. Como em todos os episódios, a presença da polícia do Estado se faz sentir, e Grigore acaba descobrindo, da pior forma, quem lhe é realmente fiel.

"Visita Oficial" é o episódio mais engraçado do longa. O povo de uma comuna está agitado por causa de uma visita dos membros do Partido no dia seguinte. Todos estão pintando faixas vermelhas com frases patrióticas, tapando buracos nas ruas ou trazendo os animais do campo para serem expostos na estrada. Um modesto parque de diversões também está instalado na comuna para uma festa local, e um dos aparelhos do parque vai ter papel importante na trama, além de arrancar da platéia as únicas gargalhadas de todo filme.

A burocracia do Partido Comunista é mostrada de forma mais evidente em "O Fotógrafo Oficial". Durante a visita de um "representante do capitalismo" à Romênia, os fotógrafos do jornal oficial são obrigados a seguir diretrizes que dizem que Nicoláu Ceausescu tem sempre que parecer mais alto que os outros na foto. Em uma época em que o Photoshop ainda não existia, retoques tinham que ser feitos, à mão, através de truques óticos. Um problema ideológico acontece quanto, em uma foto, o ditador romeno parece mais baixo que um político francês, que está usando um chapéu. O que fazer? Tirar o chapéu do francês ou colocar um em Ceausescu? Para que a foto seja adulterada e os jornais sejam impressos a tempo, o Partido até atrasa o horário dos trens. Só que um detalhe esquecido na foto adulterada pode custar o emprego (e a liberdade) do fotógrafo oficial do jornal.

"O Ativista" é o episódio tecnicamente mais bem feito, mas é dos menos inspirados. Fugindo do estilo "câmera na mão" e documental dos outros episódios, este tem movimentos de câmera bem feitos e trilha sonora mais evidente. A trama conta a história de um ativista que vai para uma pequena aldeia para cumprir a promessa do Partido de erradicar com o analfabetismo. A intenção pode ser boa, mas ele vai enfrentar barreiras culturais e um pastor que se recusa a ir à escola.

No episódio "O Policial Ganancioso", um porco vivo é contrabandeado para dentro do apartamento do personagem título, que tem que imaginar um meio de matá-lo para o Natal. Como matar um porco, em um apartamento, sem atrair a atenção de toda a vizinhança? É o filho do policial que tem a idéia de usar o gás da cozinha para matar a "fera".

Os episódios são interessantes pricipalmente por mostrar uma cultura que, assim como a brasileira, está acostumada a dar seus "jeitinhos" para sobreviver. Há uma leveza intencional nas histórias que acaba sendo o ponto fraco do longa como um todo. A ingenuidade por vezes soa forçada e os episódios carecem de um final mais impactante. Com 155 minutos de duração, é também bastante longo. Mas alguns episódios são realmente interessantes, ao mostrar a solidão do motorista de caminhão, a burocracia na visita oficial, a censura aos fotógrafos do jornal e a história bizarra do porco de Natal. "Contos da Era Dourada" está em cartaz no Topázio Cinemas.


sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Casamento Silencioso

Eis um daqueles filmes raros, inteligentes, bonitos, instigantes, bem feitos. "Casamento Silencioso" é uma produção da Romênia, com direção de Horatiu Malaele, que também assina o roteiro em parceria com Adrian Lustig.

Em 1953, um pequeno vilarejo romeno acompanha com misto de apreensão e diversão o relacionamento apaixonado de Iancu (Alexandro Potocean) e Mara (Meda Andreea Victor). Os dois fazem amor nos campos de milho, na floresta, no celeiro, em todos os lugares, e seus pais gostariam que eles se casassem de uma vez. No horizonte, tanques soviéticos podem ser vistos fazendo manobras e, na floresta, uma estranha moça lança uma maldição sobre o casal. Quando os dois finalmente decidem se casar, uma grande festa é preparada, com muita comida e bebida. Só que, no dia da festa, oficiais soviéticos aparecem para ordenar que tudo seja parado. Joseph Stalin, que comandou a União Soviética de 1922 até 1953, havia morrido e um luto oficial de sete dias foi decretado. A festa de casamento estava proibida, sob pena de morte. O que se segue é das cenas mais hilariantes do filme, quando todo o vilarejo resolve se reunir à noite para celebrar o casamento da única forma possível, ou seja, silenciosamente. O diretor leva a sequência ao nível do absurdo, com brindes feitos com copos embrulhados em panos e uma banda que, animadamente, apenas finge tocar.

A sequência do "casamento silencioso" do título é ótima, mas todo o filme é permeado de situações que variam entre o absurdo e o sublime. Quando o Partido Comunista exige que um filme seja exibido no vilarejo, a luz elétrica tem que ser improvisada com um dínamo de bicicleta, operada pelo "inventor maluco" da cidade. Enquanto o filme de propaganda comunista é exibido na tela, toda a platéia do vilarejo solta gargalhadas com outro espetáculo involuntário: o prefeito da cidade, simpatizante dos soviéticos, se atrapalha com um grupo de comandados que, em câmera rápida, parecem interpretar uma cena cômica de um filme mudo. O clima de pastelão muda para a entrada poética de um grupo de circo na cidade, à noite, com as tochas dos malabaristas iluminando a todos. Pode-se sentir a presença do italiano Federico Fellini em momentos como este. O romeno Horatiu Malaele mostra grande habilidade para criar situações que passam pela comédia, pelo romance, pelo drama e até mesmo pelo sobrenatural. De forma poética e metafórica, "Casamento Silencioso" mostra como a Romênia, por anos, foi silenciada pelo regime comunista. Belo filme.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias

Estamos na Romênia, perto do final do comunismo, nos anos 1980. Otilia e Gabriela são companheira de quarto em uma república de estudantes. Ela está estudando na politécnica, e espera que, ao se formar, não seja enviada pelo governo para algum canto remoto do país. Otilia (Anamaria Marinca, a grande força do filme) é claramente quem faz acontecer as coisas. A câmera do diretor Cristian Mungiu a acompanha enquanto anda pelos corredores do prédio fazendo vários coisas, como procurar por um maço de cigarro contrabandeado de alguns árabes, dar uma olhada na mercadoria ilegal (perfumes, maquiagem, anticoncepcionais) vendidas por outra colega, ou procurando leite em pó para alimentar alguns gatinhos. Gabriela, ou "Gabita" (Laura Vasiliu), é insegura e está se sentindo mal por causa de alguma coisa. Ela dá um maço de dinheiro a Otilia e pede que ela faça uma tarefa para ela. Otilia parte em um ônibus para o centro da cidade e vai encontrar o namorado, que também lhe empresta dinheiro e lhe cobra uma visita à mãe dele naquela noite. É aniversário dela. Otilia lhe pergunta onde pode encontrar um maço de cigarros, e ele lhe passa um endereço no mercado negro. Estes são os primeiros minutos de "4 meses, 3 semanas e 2 dias", e não nos preparam para o suspense que, pouco a pouco, vai se instalar no filme. O que podemos notar é que a Romênia é um país pobre, burocrático e cheio de modos "alternativos" de se conseguir alguma coisa.

O suspense vai aos poucos se instalando a partir de uma característica técnica: o diretor alterna planos curtos, que geralmente representam cenas de transição mostrando Otilia em movimento, pegando ônibus ou andando pelas ruas, com longos planos ininterruptos de diálogo, geralmente entre duas pessoas. Isso força o espectador a ter que acompanhar em tempo real os percalços que Otilia passa para conseguir alguma coisa, geralmente tendo que subornar alguém. Ela vai à um hotel e reserva um quarto para três noites. Depois vai se encontrar com um homem que, desconfiado, lhe faz um monte de perguntas. Finalmente, os dois se encontram com Gabriela no quarto do hotel e ficamos sabendo do que se trata o filme. Gabriela está grávida, e o homem (ironicamente chamado de Sr. Bebe) está ali para realizar um aborto clandestino. Interpretado por Vlad Ivanov, o homem aos poucos descreve friamente o que vai acontecer, e como irá realizar o aborto. Novamente os planos sem cortes criam uma tensão palpável, enquanto percebemos a gravidade da situação e, pior, percebemos o que o Sr. Bebe vai exigir em troca como pagamento. No cinema, neste momento, alguns espectadores se levantaram e deixaram a sala.

Frio e sem música, o filme é muito bem feito em criar tensão sem necessidade de apelar para cenas fortes. A situação é pesada o suficiente para deixar o espectador em suspense e o ritmo lento só faz a imaginação criar o pior. Anamaria Marinca faz um ótimo trabalho ao interpretar Otilia, uma moça decidida que, ao querer ajudar uma colega de quarto, passa por situações inimagináveis. Há um ótimo plano contínuo que a foca sentada à mesa de jantar no aniversário da mãe do namorado. Enquanto todos os convidados batem papo percebemos na feições dela a preocupação com a amiga que deixou no quarto de hotel. Ela também imagina o que aconteceria se ela estivesse na mesma situação, e desabafa suas preocupações com o namorado. O cena final é aberta, mas alguns detalhes sugerem problemas para o Sr. Bebe.

Um filme seco, sobre um assunto polêmico. Pode ser usado, imagino, tanto por pessoas contra o aborto quanto pelas que são a favor. Visto em 35mm na CPFL Cultura, em Campinas.