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quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Garota Exemplar (com SPOILERS)

escrevi sobre este filme aqui no blog, mas após rever o longa de David Fincher resolvi falar mais a respeito. Ao contrário do outro texto, em que tentei ser o mais vago possível, este é um texto voltado a quem já assistiu ao filme. Esta crítica contém spoilers, considere-se avisado.

É possível tecer várias teorias válidas a respeito de "Garota Exemplar". Vou tentar expor algumas ideias que me ocorreram durante as duas vezes que me deixei levar por este filme singular.

Uma imagem me chamou a atenção nesta segunda visita. No terço final do filme, quando Amy volta para casa após ter matado o personagem de Neil Patrick Harris, ela é interrogada pelo FBI e pela polícia. Ela é colocada em xeque pela policial Boney (Kim Dickens), mas consegue se safar. É então que a vemos no banco de trás de um carro, sendo levada para casa. Ela está surpresa com a quantidade de repórteres e curiosos que estão esperando por ela, e podemos ver uma expressão de alegria quase infantil em seu rosto. Após passar pelo inferno (mesmo que um inferno causado por ela mesma), ela retorna para casa como uma espécie de heroína. E, fato importante, as pessoas estão vibrando por ela e não por "Amazing Amy", a personagem de ficção que os pais haviam criado (e feito uma fortuna com ela) em uma série de livros infantis. Eu me pergunto se Amy não fez tudo aquilo apenas para conseguir finalmente superar seu alter-ego literário.


É importante voltar a uma cena no início do filme em que Amy e o futuro marido, Nick, estão em uma recepção para celebrar o casamento fictício da personagem. Amy descreve como os pais haviam transformado a garota fictícia em uma versão perfeita da filha; se a Amy real era ruim em esportes, "Amazing Amy" era uma atleta, e assim por diante. Apesar de filha única, Amy teve que competir a vida toda com uma "irmã" exemplar. O que também nos leva à relação entre Nick e a irmã gêmea dele, Margo (Carrie Coon). Reparem com que desprezo Amy diz ao FBI, na cena descrita acima, que Nick guardava na garagem da irmã as coisas que ele comprou com o cartão de crédito. "Eles são muito próximos", ela sussurra.


Amy quer ser alguém. Ela quer ser uma escritora de verdade, não uma mera colunista de uma revista feminina. Ao mesmo tempo, ela se ressente da família amorosa do marido (que saiu de Nova York para cuidar da mãe doente) e, ao descobrir que ele a está traindo com uma aluna, quer se vingar dele. Mas não creio que vingança seja o único desejo dela. Ela não quer uma simples vingança. Ela quer planejar a história perfeita, o "livro" perfeito. Perceba com que paixão literária ela mergulha na escrita do diário falso em que descreve seu relacionamento. A policial, quando o encontra na cabana do pai de Nick, mal consegue parar de lê-lo. Nós da platéia também embarcamos na ficção de Amy. Ela usa de clichês românticos como o encontro por acaso em uma festa ou a criação de "símbolos" afetivos do casal, como o cobrir do queixo do marido quando está dizendo a verdade. Ela cria "caças ao tesouro" a cada aniversário de casamento, forçando o marido a seguir pistas, como em um ensaio para o crime perfeito que ela fará um dia.

Amy, mesmo em fuga e morando em um motel barato, não consegue ficar longe dos programas sensacionalistas da TV que a transformaram na heroína que ela sempre quis ser. Falhando em ser uma escritora na vida real, ela decidiu se tornar autora do próprio drama doentio, e planeja levar a todos com ela.

Nick, no final, parece estar ciente disto tudo. "Vocês devem estar muito orgulhosos dela", ele diz aos sogros em uma cena em que Amy está há quatro horas dando autógrafos. A ironia do texto de Gillian Flynn e do filme de David Fincher é que, no fundo, as pessoas fariam de tudo para ser bem sucedidas e famosas. E para manter um relacionamento, por mais doentio que seja. Apesar de tudo o que passou com a esposa, Nick Dunne se rende às maquinações de Amy e entra no jogo dela. É o advogado (sempre prático) que diz: "Vocês têm um contrato para fazer um filme, um livro, o bar vai virar uma franquia...você deveria agradecer à ela". E acrescenta: "Só não a irrite".

Kim Novak em "Um Corpo que Cai" (1958)

Janet Leigh em "Psicose" (1963)

Rosamund Pike em "Garota Exemplar"

Um parênteses para as várias referências ao mestre Hitchcock. Rosamund Pike é a perfeita loira de Hitchcock, e estaria à vontade em um filme dele. Há várias referências a "Psicose", como a cena do chuveiro (o sangue escorrendo pelo ralo), ou a cena em que um policial encontra Amy dormindo dentro do carro e ela vai embora. Há toques de "Um Corpo que Cai" também. O filme de Hitchcock ficou famoso por revelar seu segredo no meio da trama, e não no final, e o mesmo acontece em "Garota Exemplar". Há também o tema de alguém querer transformar outra pessoa em um imagem idealizada, como James Stewart faz com Kim Novak em "Um Corpo que Cai". A questão do casamento, suas alegrias e problemas, também foi usado por Hitchcock em "Janela Indiscreta", em que Grace Kelly quer se casar com o fotógrafo James Stewart, que está reticente a respeito. Ele assiste a vários tipos de relacionamentos (inclusive um que termina em morte) pela janela do apartamento, onde está preso com uma perna quebrada, e não acha que é uma boa ideia.  

Várias outras teorias podem ser feitas a partir do filme de Fincher. Assista o filme e desenvolva a sua.

João Solimeo

domingo, 4 de setembro de 2011

Amor a toda prova

O casal está no restaurante tentando decidir o que pedir. "O que você vai querer?", pergunta o marido. "Um divórcio", responde a esposa. Assim começa "Amor a toda prova" (mais um desses títulos brasileiros genéricos, inferior ao original, "Crazy, Stupid, Love"). O marido é Cal Weaver, o sempre competente Steve Carell. A esposa, Emily (ninguém menos que Julianne Moore), "não quer magoar" Cal, mas além do anúncio do divórcio ainda confessa ter transado com um companheiro de trabalho, David Lindhagen (Kevin Bacon), o que é mais informação do que Cal estava disposto a receber. Desolado, Cal começa a passar suas noites bebendo em um bar da moda, onde conhece o "homem perfeito", Jacob (Ryan Gosling), um conquistador que leva uma garota diferente para casa todas as noites. Jacob, afetado pela figura triste de Cal reclamando suas "histórias de corno" todas as noites no bar, resolve ajudá-lo a sair do buraco.

Steve Carell, que foi lançado à fama com a comédia escrachada "O Virgem de 40 Anos", tomou um rumo curioso (e muito bem sucedido) em sua carreira. Seu tipo "homem comum" se adaptou tranquilamente a filmes engraçados, mas com um foco mais "família", como "Agente 86", "A volta do Todo Poderoso" e "Eu, meu irmão e nossa namorada" (além da voz de Gru na ótima animação "Meu malvado favorito"). Assim como neste último, Carell eleva o nível do batido gênero "comédia romântica" de "Amor a toda prova", do qual é um dos produtores, com um roteiro inteligente escrito por Dan Fogelman. Robbie (Jonah Bobo, uma boa descoberta), seu filho de 13 anos, é um romântico incurável que é apaixonado pela baby sitter Jessica (Analeigh Tipton), de 17 anos. Ela, por sua vez, é apaixonada pelo patrão Cal e, com o divórcio, Jessica resolve partir para o ataque, consultando a "piranha" do colégio, uma garota que só transa com homens mais velhos. Cal, auxiliado pelas dicas de conquista de Jacob, faz uma reciclagem no guarda roupa, ganha um novo corte de cabelo e, após alguns tropeços, também se torna um conquistador competente. Há uma cena hilariante estrelada por Marisa Tomei, sua primeira conquista, que vale o filme.

"Amor a toda prova", porém, não é um filme sobre conquistas adolescentes. O roteiro, apesar de moderno, é voltado a valores tradicionais como romance e casamento. Cal e Emily têm uma longa história juntos e mesmo Jacob, após conhecer a bela Hannah (Emma Stone), começa a repensar seu modo de vida. Com 118 minutos, o filme poderia ser um pouco mais curto, mas o roteiro inteligente tem até espaço para algumas surpresas e reviravoltas.

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

O Filho da Noiva

Ainda não havia visto este filme argentino, lançado em 2001 e candidado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Dirigido por Juan José Campanella, "O Filho da Noiva" é inteligente, doce e extremamente bem escrito. Passado em Buenos Aires, o filme trata da família Belvedere, cujo filho Rafael, quando criança, sonhava que era o herói "Zorro" e cresceu para herdar o restaurante italiano da família. Rafael (Ricardo Darín) é um pai separado que tem que lidar com as pressões diárias de tocar o restaurante, lidar com fornecedores, orientar os empregados, enfrentar a ex-mulher e dar atenção à filha pequena. Para complicar, sua mãe (Norma Aleandro) sofre do mal de Alzheimer e mora em um asilo, onde é visitada diariamente pelo marido devotado, Nino Belvedere (o excelente Héctor Alterio).

Um dia, após uma jornada particularmente estressante, Rafael sofre um ataque cardíaco e vai parar na UTI, onde fica 15 dias internado. A pausa forçada o faz repensar sua vida e sua rotina, e a princípio ele começa a ter sonhos vagos de querer largar tudo e ir para o México. Isso magoa sua atual namorada, a jovem e bela Naty (Natalia Verbeke), que tinha planos a longo prazo com Rafael.

O roteiro, do próprio diretor em parceria com Fernando Castets, é muito bem escrito e, mesmo lidando com todo este drama, muito bem humorado. Rafael tem aquela mentalidade parecida com a do brasileiro, e pergunta a um investidor: "Crise? Que crise? Quando não é inflação é recessão, estamos sempre em crise". A trama tem várias ramificações interessantes, como um amigo de infância de Rafael, Juan Carlos (Eduardo Blanco, muito engraçado), que reaparece do nada e passa a se interessar pela família dele (Juan Carlos havia perdido a própria em um acidente de carro). Ou o fato do pai de Rafael, Nino, querer se casar na igreja com sua mulher após 44 anos de união não oficial. O padre da igreja fica comovido com a história, mas argumenta que o direito canônico provavelmente não aceitaria o fato de que a noiva não tem capacidade para decidir por conta própria o que quer (a contra argumentação de Rafael, que diz que se casou sem nenhum discernimento com o consentimento da igreja, e quando quis se separar de forma consciente foi proibido pela mesma igreja, é ótima).

Há vários filmes sobre o Mal de Alzheimer, como o belo "Longe Dela" ou "Íris", mas o foco em "O Filho da Noiva" não é apenas a doença. O filme se concentra com carinho nos personagens, pessoas comuns enfrentando os problemas do dia a dia e lidando com as complicações do amor. Boa pedida para ver em DVD.


sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Casamento Silencioso

Eis um daqueles filmes raros, inteligentes, bonitos, instigantes, bem feitos. "Casamento Silencioso" é uma produção da Romênia, com direção de Horatiu Malaele, que também assina o roteiro em parceria com Adrian Lustig.

Em 1953, um pequeno vilarejo romeno acompanha com misto de apreensão e diversão o relacionamento apaixonado de Iancu (Alexandro Potocean) e Mara (Meda Andreea Victor). Os dois fazem amor nos campos de milho, na floresta, no celeiro, em todos os lugares, e seus pais gostariam que eles se casassem de uma vez. No horizonte, tanques soviéticos podem ser vistos fazendo manobras e, na floresta, uma estranha moça lança uma maldição sobre o casal. Quando os dois finalmente decidem se casar, uma grande festa é preparada, com muita comida e bebida. Só que, no dia da festa, oficiais soviéticos aparecem para ordenar que tudo seja parado. Joseph Stalin, que comandou a União Soviética de 1922 até 1953, havia morrido e um luto oficial de sete dias foi decretado. A festa de casamento estava proibida, sob pena de morte. O que se segue é das cenas mais hilariantes do filme, quando todo o vilarejo resolve se reunir à noite para celebrar o casamento da única forma possível, ou seja, silenciosamente. O diretor leva a sequência ao nível do absurdo, com brindes feitos com copos embrulhados em panos e uma banda que, animadamente, apenas finge tocar.

A sequência do "casamento silencioso" do título é ótima, mas todo o filme é permeado de situações que variam entre o absurdo e o sublime. Quando o Partido Comunista exige que um filme seja exibido no vilarejo, a luz elétrica tem que ser improvisada com um dínamo de bicicleta, operada pelo "inventor maluco" da cidade. Enquanto o filme de propaganda comunista é exibido na tela, toda a platéia do vilarejo solta gargalhadas com outro espetáculo involuntário: o prefeito da cidade, simpatizante dos soviéticos, se atrapalha com um grupo de comandados que, em câmera rápida, parecem interpretar uma cena cômica de um filme mudo. O clima de pastelão muda para a entrada poética de um grupo de circo na cidade, à noite, com as tochas dos malabaristas iluminando a todos. Pode-se sentir a presença do italiano Federico Fellini em momentos como este. O romeno Horatiu Malaele mostra grande habilidade para criar situações que passam pela comédia, pelo romance, pelo drama e até mesmo pelo sobrenatural. De forma poética e metafórica, "Casamento Silencioso" mostra como a Romênia, por anos, foi silenciada pelo regime comunista. Belo filme.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Longe Dela

Grant e Fiona estão casados há 44 anos. Foi ela quem propôs, aos 18 anos, a idéia de que "seria legal se eles se casassem". Ele aceitou na hora porque não conseguiria ficar longe dela. Agora, na casa dos 60 anos, eles ainda se amam e estão juntos fisicamente, mas há um problema. Fiona (Julie Christie) está apresentando os primeiros sinais de Alzheimmer, e seu marido Grant (Gordon Pincent) nada pode fazer a não ser apoiá-la e estar com ela. Este é um fime que poderia, em mãos menos hábeis, ter se transformado em um dramalhão pronto para a TV, mas a roteirista e diretora Sarah Polley conduz a narrativa com grande talento e sensibilidade. O elenco ajuda muito. Julie Christie está ótima (concorreu ao Oscar de Melhor Atriz no início do ano). Ela é uma verdadeira "dama", nas palavras de uma personagem. O marido a descreve como "direta e vaga... doce e irônica". Os dois são obviamente apaixonados mas inteligentes e cultos o suficiente para saber que o futuro não é promissor. Gordon Pincent dá uma interpretação tocante como um marido que está perdendo a esposa que conhece em frente de seus olhos. Fiona, como que preparando o marido para o pior, e para manter a cabeça ocupada, lê em voz alta livros que descrevem os sintomas da doença e suas conseqüências.

Aos poucos os problemas de memória dela vão ficando mais graves e eles decidem que ela deve ser internada em uma clínica especializada. A visita de Grant à clínica é sofrida. Apesar de bem equipada e organizada, a clínica nada mais é do que uma mistura de asilo e sanatório, e compartilamos com Grant o receio de deixar uma mulher inteligente e vibrante como Fiona em um lugar como aquele. O filme é passado no Canadá e a neve (ou a brancura da neve) funciona como uma metáfora para a memória e o esquecimento. A clínica é fotografada com uma luminosidade branca constante, que lembra a paisagem nevada onde moram Grant e Fiona. Enquanto, no lago congelado, eles praticavam caminhadas com ski de um lado para o outro, na clínica os idosos se locomovem com andadores por entre corredores esterelizados, vigiados pela profissional mas distante Madeleine. Desconheço os procedimentos médicos nesses casos, mas há um detalhe visto no filme que me pareceu desnecessariamente cruel. Para ajudar na "adaptação" dos pacientes, a clínica proíbe qualquer contato externo com o novo paciente por um mês. A cena da separação de Grant e Fiona é emocionante. "Quero que faça amor comigo" - diz Fiona - "e depois vá embora, porque se não vou chorar para sempre". Grant está desconsolado, mas o pior acontece um mês depois. Fiona não só não se lembra dele como firmou grande amizade com outro interno, Aubrey (Michael Murphy), que não consegue fazer mais nada sem ela. Grant se transforma em um estranho para Fiona, que não sabe como lidar com aquele estranho que a visita todos os dias. Aubrey é casado com Marian (Olympia Dukakis, ótima), que tem planos próprios para ela e Grant.

O filme guarda semelhanças com o drama "Íris", em que Judy Dench interpreta uma escritora famosa que também é afetada pelo Alzheimmer e começa e "desaparecer" aos olhos do marido. É um tema sensível e assustador. As memórias são o que formam nossa identidade e nossa bagagem cultural. Mas também podem ser nosso tormento. Em uma cena irônica, Fiona mostra para o marido que, apesar do casamento ser longo e verdadeiramente apaixonado, não foi livre de percalços. "Há coisas que eu gostaria de esquecer", diz ela, citando em seguida um "pecado" cometido pelo marido quando eles ainda eram jovens. Grant não sabe se fica feliz pela memória dela ainda estar boa ou chateado pelo assunto ter sido trazido à tona.

Um drama muito bem dirigido e marcado por grandes interpretações.