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sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Febre do Rato

"Febre do Rato" é uma experiência visceral que cheira rio, cidade, poluição, tinta, esperma, esgoto. É como um panfleto deixado por um poeta pobre, magro e faminto na mesa do restaurante e, como quase todo discurso panfletário, ele é exagerado, poético, incongruente e apaixonado. É moderno mas também anacrônico, seja nos discursos declamados ou na fotografia em preto e branco.

O cenário é Recife, cidade centenária e tradicional que, recentemente, foi invadida por empreendimentos imobiliários e financeiros que ergueram grandes torres de aço e vidro às marges do rio que a cruza. A câmera do diretor Cláudio Assis passeia pelo rio, por debaixo das pontes, mostrando os arranha-céus ao longe enquanto que, em primeiro plano, as palafitas criam um contraste enorme. Zizo (Irandhir Santos, inspirado) é um poeta que escreve e publica um jornal artesanal chamado "Febre do Rato", que distribui nas favelas da cidade com seu carro velho e um alto falante, com o qual declama palavras de ordem e poemas. O Poeta, a bem da verdade, fala por quase todo o filme, em um jorro ininterrupto de palavras. Só duas coisas conseguem lhe calar: a repressão, ao final, e a bela Eneida (Nanda Costa), uma jovem por quem o Poeta se apaixona. Ela é uma musa moderna, bem distante das donzelas virginais cantadas nos versos românticos do passado. Embora, para o pobre Zizo, ela decida ser inacessível, recusando-se a ficar com ele; o que, claro, só aumenta sua paixão.

Várias pessoas orbitam em volta do Poeta, como seu amigo Pazinho (Matheus Nachtergaele, muito bem), que tem uma relação conturbada com Vanessa (Tânia Granussi). Ela o traiu com outro homem e os dois estão na situação complicada de ainda se amarem, embora haja muita raiva no ar, principalmente por parte dele. Há uma sequência ótima em que uma discussão do casal se passa em três lugares (e três tempos) diferentes, mas as frases se complementam, como se a briga fosse sempre a mesma, repetidamente. Há ainda o traficante de maconha local (Juliano Cazarré) que, aparentemente, vive com outros dois homens e uma mulher; há uma cena que surpreende (ou choca alguns) em que os quatro estão nus, no chão, em uma situação claramente sexual. Cláudio Assis gosta de quebrar com as convenções recatadas do cinema nacional recente e chocar o espectador, por vezes de forma um tanto gratuita; há três ou quatro cenas de sexo entre Irandhir Santos e uma senhora muito mais velha dentro de uma caixa d´água, por exemplo, que podem ser encaradas como gratuitas, apesar da personalidade bastante edipiana do Poeta, que ainda vive com a mãe e depende dela.

O roteiro de Hilton Lacerda não segue uma trama muito clara, mas é evidente o talento de Assis em dirigir todos estes personagens. A fotografia e os movimentos de câmera de Walter Carvalho são tão elegantes e precisos que, repetimos, há certa incongruência entre a crueza do roteiro e das locações e a extrema beleza das imagens. Carvalho, por diversas vezes, coloca a câmera acima dos personagens e os segue em planos sequência que acompanham a trilha sonora (de Jorge du Peixe) ou os versos de Zizo. Tudo culmina para um desfile de 7 de setembro que é uma cacofonia de pés marchando, pessoas falando e poemas declamados. O final, infelizmente, não tem a força do resto do roteiro. É previsível que a subversão do Poeta será punida  pelo "sistema"; por isso mesmo, um final alternativo teria mais impacto. "Febre do Rato" foi apresentado no Festival de Paulínia em 2011 e levou oito prêmios. Não é um filme para o grande público; há muita nudez (masculina e feminina) e vários momentos bizarros pelos quais o cinema de Cláusio Assis ficou conhecido. Mas é um trabalho de fôlego, provocador e, em alguns momentos, curiosamente sublime. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.

terça-feira, 26 de julho de 2011

IV Festival de Paulínia, matéria de rádio

Esta matéria foi produzida para o Repórter Estudante, da Rádio CBN Campinas, em parceria com a PUC-Campinas. Entrevista com o diretor Vicente Amorim, do filme "Corações Sujos" e com o diretor Caue Nunes, do curta metragem "3x4". Confira.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Ela sonhou que eu morri (Festival de Cinema de Paulínia)

O cenário é simples. Uma sala de aula, uma lousa verde ao fundo, uma carteira escolar. A câmera fixa focaliza uma série de personagens vestindo algum tipo de uniforme, todos estrangeiros, falando diretamente para o espectador. Eles falam em um inglês colorido por diversos sotaques; um deles fala espanhol. Quem são estas pessoas? De onde vieram? De que forma são especiais?

Exibido ontem no 4º Festival de Cinema de Paulínia, "Ela sonhou que eu morri" é um documentário muito interessante dirigido por Maíra Bühler e Matias Mariani. Aos poucos, a série de depoimentos vai deixando mais clara a situação daquelas pessoas e a proposta do filme. São todos estrangeiros presos no Brasil e os diretores optaram por não revelar seus nomes nem de que país vieram. Cabe ao espectador escutar os relatos destes sete personagens e tirar sua própria conclusão. Há um homem que diz ter azar com a mulheres; ele conta, emocionado, sobre uma paixão adolescente que teve com uma moça da Alemanha Oriental, e como a política e as fronteiras os separaram. Em outro relato, conta como uma simples tosse da esposa revelou um câncer avançado nos pulmões dela, e o médico lhe deu apenas 35 dias de vida. Uma presa húngara mostra fotos da filha e, sorridente e se chamando de "burra", conta como caiu em um golpe; ela foi enviada para o Brasil para, a princípio, buscar uns diamantes, mas foi presa no aeroporto pelo DENARC, que achou três quilos de cocaína escondidos nas costuras da calça dela. Um rapaz, falando uma mistura de português com espanhol, conta suas aventuras amorosas com uma moça que, a princípio, não quer nada com ele. "Hoje ela diz que sou o homem da vida dela, e que vai me esperar", diz o rapaz. Há também um boxeador negro que, orgulhoso, explica sua técnica para deixar o adversário bravo antes de começar uma luta. Fala também da ex-esposa e de como descobriu que ela não só o havia abandonado como já havia tido um filho com outro homem. "Não quero falar mal dela, mas acho que isso teria acontecido mesmo se eu não estivesse preso aqui", diz ele, arrancando risadas da platéia.

O filme é basicamente isso, uma série de histórias de vida curiosas, contadas por pessoas que estão presas e que não tem necessariamente que contar a verdade. Algumas delas parecem romanceadas demais. Outras são contidas. Há uma garota negra, supostamente americana, que é vista se maquiando cuidadosamente diante da câmera, enquanto escutamos seu relato. "Tenho pesadelos toda noite", diz ela. A não ser pela mulher húngara, os presos não chegam a contar em detalhes o porquê deles estarem presos. Todos, em comum, mantém viva a esperança de sair da prisão e voltar para seus países. Outro tema similar à história de todos é até que ponto o destino das pessoas já estaria traçado ou se tudo não passa de obra do acaso, da sorte ou do azar.

A recepção ao filme foi dividida. Parte da platéia não se envolveu com as histórias ou se aborreceu com a técnica simples do documentário; pessoalmente, achei um filme muito bem construído, pela escolha dos personagens e pelo modo como suas histórias foram encadeadas. Fica a constatação de que, no fundo, somos todos iguais e que, quem sabe, em outra situação qualquer um de nós poderia estar no lugar daqueles personagens.


Trabalhar Cansa (Festival de Cinema de Paulínia)

Este é o tipo de filme que se sustenta mais pelos climas criados do que pela trama. A história é aparentemente simples. Otávio (Marat Descartes) é demitido da empresa após dez anos de serviços prestados. Sua esposa, Helena (Helena Albergaria), aluga um imóvel comercial em São Paulo e abre um pequeno supermercado. A família é de classe média, com carro, tevê a cabo, uma filha em escola particular e empregada. A perda do emprego, para Otávio, soa como uma sentença de morte. Os tempos são duros e seus cabelos ralos e grisalhos não conseguem competir com os jovens executivos que encontra nas dinâmicas de grupo. O orgulho o impede de trabalhar junto da esposa no supermercado e ele passa os dias acordando tarde e ficando de pijama. O supermercado parece ter vida própria. Um clima desconfortável se estabelece toda vez que a câmera entra no pequeno comércio. A luz é fria; as cores opacas; estranhas infiltrações aparecem nas paredes e, do nada, um líquido escuro e de odor forte começa a brotar do chão. Helena, no entanto, é uma mulher moderna e, como tal, está disposta a vencer as adversidades e provar que pode ser o "homem" da casa.

"Trabalhar Cansa" é escrito e dirigido pela dupla Juliana Rojas e Marco Dutra. Os dois têm uma bem sucedida carreira como curta-metragistas e este é o primeiro longa da dupla. O filme foi apresentado em Cannes e teve sua primeira exibição brasileira ontem, no 4º Festival de Cinema de Paulínia. Pouco antes da sessão começar, o jovem diretor, perguntado sobre a recepção ao filme, disse que "mesmo quem não gosta diz que é difícil de esquecer". É uma boa descrição.

A idéia de que o trabalho dignifica o homem é relativamente nova na história humana. Trabalhava-se para o próprio sustento, ou a serviço da nobreza, que não via o trabalho como algo dignificante. Nos tempos modernos, um homem sem trabalho significa um homem sem rumo, sem honra, sem responsabilidade. Há também a questão do trabalho escravo. Uma cena muito boa mostra a filha de Otávio e Helena, Vanessa, em uma apresentação da escola sobre a libertação dos escravos. Como nenhum dos alunos da escola particular é negro, há várias crianças loiras com o rosto pintado de preto interpretando para uma classe média branca que não percebe a ironia da situação. A empregada do casal, Paula (Lanoana Lima), é uma moça negra contratada por Helena por menos de um salário mínimo, sem registro, para morar no pequeno quarto de empregada do apartamento. O tratamento que Helena dá a seus funcionários do supermercado não é muito melhor. O nível de estresse aumenta a cada dia e coisas "estranhas" começam a acontecer. Um cão raivoso espera todas as noites na frente do supermercado e late ferozmente quando Helena vai embora. Arranhões são vistos na parede do estoque. Alguma coisa entope o encanamento e há "algo" escondido atrás de uma parede apodrecida. O clima de suspense é criado com maestria pelos diretores, que usam de artifícios simples para criar tensão, como um boneco do Papai Noel ou enfeites carnavalescos.

Bobagem tentar "explicar" o filme racionalmente. A tensão cresce plano a plano, sequência a sequência, até uma cena marcante (uma fogueira que deveria ter sido o final do filme, aliás). O elenco é muito competente e Marat Descartes, em especial, repete a boa atuação de "Os Inquilinos" de Sérgio Bianchi. Há certo paralelismo no clima pesado e na ironia brutal de "Trabalhar Cansa" que lembram o filme de Bianchi. A obsessão de Helena e as coisas estranhas que acontecem no supermercado também lembram "O Cheiro do Ralo", de Heitor Dhalia. Resta saber se o grande público vai querer conferir este filme inteligente e instigante nos cinemas.


terça-feira, 12 de julho de 2011

Ibitipoca: Droba pra lá (Festival de Cinema de Paulínia)

Este belo documentário de nome difícil foi exibido ontem no 4º Festival de Cinema de Paulínia. O título se refere à uma região de Minas Gerais, a Serra de Ibitipoca, em que o tempo parece ter parado. Com bela fotografia de Felipe Scaldini (também diretor do longa), o filme mostra de forma poética depoimentos de vários moradores dos pequenos povoados da região. Há diversas sequencias feitas em "time lapse" (cenas fotografadas com intervalo longo entre os frames, acelerando o tempo) que mostram desde imagens prosaicas, como uma criação de galinhas, até belas paisagens serranas, em que as nuvens se formam e desfilam pelo céu, acompanhadas por uma música estilo "new age" composta por Francisco Franco.


Os depoimentos são diversos. Há senhores e senhoras bastante vividos que, aparentemente, não conhecem outro lugar na Terra. "Só saio daqui para aquele cemitério lá", diz um deles. Há contrastes estranhos, como a imagem de um senhor falando sobre sua rotina diária de levantar cedo e trabalhar a terra, vestindo uma camiseta toda escrita em inglês. Há a velha senhora que diz que a única coisa que a mantém viva é a fé em Deus, pois já enfrentou muitos "barrancos", como a morte do marido. Há um músico que, em um relato que levou a platéia às gargalhadas, contou sobre algumas lendas da região, como a de uma luz muito forte que desce do céu como uma estrela cadente; o lugar onde ela desce mostraria onde encontrar ouro. Conforme o documentário se aproxima do final, os povoados vão se tornando maiores, as pessoas mais articuladas e as marcas do "progresso" mais presentes. É levantado um debate sobre os benefícios e malefícios que o turismo trouxe à região. Por um lado, o dinheiro deles é bem vindo. Por outro, as paisagens e o ecossistema podem estar ameaçados.


Bom documentário que alterna imagens muito belas com depoimentos engraçados, dramáticos, tristes ou poéticos.

Os 3 (Festival de Cinema de Paulínia)

O diretor Nando Olival, em seu discurso antes da exibição de "Os 3" em Paulínia, disse que o filme era como um "jazz", em que cada um colocava uma nota. O resultado, infelizmente, está mais para um samba do crioulo doido.

"Os 3" conta a história de três jovens que, após se conhecerem em uma festa no início da faculdade, resolvem morar juntos. Claro que a situação de um triângulo amoroso está longe de ser a ideal, porque alguém sai perdendo. Camila (Juliana Scalch) até parece atenta a este detalhe e, em uma cena em que os três estão tomando banho na "piscina" do prédio (uma caixa d´água abandonada), ela institui uma regra: eles nunca deveriam se envolver. A premissa, interessante, até promete um filme potencialmente ousado, apesar de previsível. O problema é que o roteiro do próprio diretor (em parceria com Thiago Dottori) atira para todos os lados, e os três jovens vivem em um mundo completamente alheio à realidade. Uma locução em off de Rafael (Victor Mendes), o lado mais "sensível" do triângulo, compromete o filme por soar artificial e, o pior, contradizer as imagens em vários momentos. Por exemplo, uma montagem mostra os amigos se divertindo, recebendo namorados, fazendo festas etc, enquanto a narração de Rafael diz que a "regra" os manteve como amigos pelos quatro anos de faculdade. No plano seguinte, no entanto, os três são mostrados passeando em uma lancha e Casé (Gabriel Godoy) e Rafael estão se perguntando se a "regra" seria para valer mesmo. O narrador não acabou de estabelecer que sim? Por que os personagens ainda estão debatendo o assunto?

Para complicar, o que começa como um filme sobre três amigos na faculdade, de repente, se transforma em outro; um projeto dos três na faculdade atrai a atenção de um investidor. A idéia, originalíssima, é a seguinte: e se câmeras fossem instaladas no apartamento dos três e o público pudesse ver pela internet tudo o que eles fazem, 24 horas por dia? Novamente, em que mundo é passado este filme? Após 11 edições do "Big Brother Brasil" e similares, por que esta é apresentada como uma idéia nova? Na verdade é apenas uma cortina de fumaça do roteiro para dar lugar a cenas supostamente ousadas entre os três no apartamento. Há várias situações que não fazem sentido; uma senhora (contratada por eles mesmos para aumentar a audiência) aparece dizendo que é dona do apartamento e quer que eles deixem o local. A siutação é interessante, como eles vão resolver esta farsa diante do público? A trama, no entando, é simplesmente esquecida. Em outro momento, uma suposta prima de Camila aparece no apartamento dizendo que precisa de um lugar para morar. Novamente, não faz o menor sentido. Se o programa dos três é realmente o sucesso que o filme diz, eles deveriam ser famosos e conhecidos. Como é que esta "prima" não sabe de nada? Mesmo que ela faça parte da farsa, o público não iria questionar? Onde está este público? Qual a consequência do sucesso dos três? Aparentemente, nenhuma. Não há um jornalista ou fã que se interesse o suficiente para ir procurá-los no apartamento e, fora dele, eles não são reconhecidos. O filme quer que o público acredite que este sucesso está sendo gerenciado por dois senhores e seu neto, em uma agência de publicidade.

Assim, "Os 3" não sabe direito a que veio. É tecnicamente bem feito, com bela fotografia do craque Ricardo Della Rosa (que é co-produtor) e montagem afinada de Daniel Rezende. Os três jovens são bonitos (embora maus atores) e o filme não perde a oportunidade de expor seus corpos para as cores publicitárias da palheta de Della Rosa. Mas não há desenvolvimento ou profundidade. Situções são criadas para serem abandonadas em seguida. De qualquer forma, o filme foi muito aplaudido ao final da exibição, tem o apoio dos estúdios Warner e pode se tornar um sucesso.


sábado, 9 de julho de 2011

"Uma Longa Viagem" e "O Palhaço" (Festival de Cinema de Paulínia)

"Uma Longa Viagem" foi apresentado pela própria diretora, Lúcia Murat (do bom "Quase Dois Irmãos") como "um filme muito pessoal". O documentário conta a história de Murat e de seus dois irmãos, Miguel e Heitor, que viveram durante o período da ditadura militar no Brasil. Lúcia foi presa por seu envolvimento com grupos de esquerda, Miguel fazia o "meio de campo" entre os irmãos rebeldes e a família tradicional e Heitor foi enviado para Londres para não ter o mesmo destino de Lúcia. O filme usa o ator Caio Blat para interpretar Heitor quando jovem, em recriações interessantes feitas através de cenários simples e projeções feitas sobre o corpo do ator. A "longa viagem" do título se refere pricipalmente aos oito anos em que Heitor esteve viajando pelo mundo, por lugares como Índia, Nepal, Paquistão, Afeganistão, Bali, Ilhas Fiji, Austrália, entre vários países. O próprio Heitor, que passou anos em clínicas de desintoxicação e psiquiátricas, conversa com Lúcia sobre este período. O documentário acaba mostrando as contradições tanto da época quanto dos próprios personagens. Lúcia se considera revolucionária, mas admite que só conseguiu ser libertada da prisão por fazer parte de uma família da elite e ter dinheiro para pagar bons advogados. Heitor é um "free spirit", um homem "livre", mas suas viagens pelo mundo foram custeadas pela família rica e pelo tráfico de diversos tipos de drogas. Seu uso abusivo de drogas, aliás, acabou resultando em sua internação e na dependência de remédios, e sua figura hoje, os olhos arregalados, a fala desconexa e desencontrada, contrastam com a representada por Caio Blat no "passado". A trilha sonora tem Janis Joplin e diversos hits da década de 1970. O documentário é interessante e bem feito, embora longo demais e, por vezes, pareça realmente um álbum de família.

"O Palhaço", de Selton Mello, era o filme mais esperado da noite (e um dos mais aguardados do Festival). A divulgação foi tão grande e Selton Mello atrai tanta atenção que uma verdadeira multidão tentava entrar no Theatro Municipal de Paulínia. A confusão gerou um atraso considerável na programação e a segurança do teatro acabou autorizando que parte do público se sentasse nas escadas. Houve reclamação também por parte do público e dos jornalistas presentes ao fato de que toda a parte da frente do teatro foi reservada para a enorme equipe do filme. O próprio Selton Mello, quando subiu ao palco, disse que se surpreendeu com as proporções que o Festival de Paulínia tomou e que os organizadores deveriam tomar alguma medida. Mello esteve em Paulínia em 2008, lançando seu primeiro longa-metragem, o pesado "Feliz Natal", e a expectativa quanto a "O Palhaço" era grande.

Senton Mello interpreta Benjamim, um palhaço de circo que acha que perdeu a graça. Seu pai, o palhaço "Puro Sangue", é interpretado pelo ótimo Paulo José. Selton é responsável pelo roteiro do filme (em parceria com Marcelo Vindicatto), pela direção, interpretação, co-produção e também fez parte da edição (com Marília Moraes). "O Palhaço", infelizmente, está longe da força de "Feliz Natal". O filme é muito bem intencionado e é louvável sua tentativa de resgatar uma época ingênua e lúdica, represantada pela trupe de artistas do circo "Esperança". Apesar das boas intenções, faltou ao filme um roteiro mais interessante. O caráter episódico fica evidente na participação especial de atores como Moacyr Franco, ótimo em uma sequência passada em uma delegacia de polícia, ou do ex ator infantil Ferrugem, engraçado como escrevente de um cartório onde Benjamim vai tentar tirar a carteira de identidade. Há uma boa sequência passada na casa do prefeito de uma das cidades por onde passa o circo, e um toque de romance é representado por uma fã que convida Benjamim para visitar a cidade. De resto, o filme se resume a longas cenas entre Selton Mello e Paulo José no picadeiro, fazendo números de pastelão que deveriam passar por engraçados, mas no máximo produzem um sorriso na platéia. Selton Mello é bom ator, mas não há nada de muito original em um palhaço triste. Há cenas que tentam evocar Charlie Chaplin e Buster Keaton, mestres do cinema mudo. Keaton, aliás, tinha como marca o fato de ser engraçado sem nunca esboçar um sorriso. O filme foi muito aplaudido no festival, mas como praticamente metade da platéia do teatro era composta pela equipe do filme, fica difícil entender a reação do público comum à produção de Selton Mello.


O cão e Polaroid Circus (Festival de Cinema de Paulínia)

O primeiro dia da competição oficial do 4º Festival de Cinema de Palínia se iniciou com a apresentação do curta-metragem "O Cão", de Emiliano Cunha e Abel Roland. O filme é o projeto de conclusão de curso da PUC Rio Grande do Sul, e tem as "marcas" desse tipo de projeto, como a necessidade de se passar uma "mensagem" de forma cifrada; um do dirtores, ao subir ao palco em Paulínia antes da exibição do curta, definiu o filme da seguinte maneira: "Uma história comum, que se faz refletir sobre a capacidade, ou incapacidade, de se comunicar e viver em sociedade"., repetindo literalmente a sinopse do guia oficial do Festival. Em bom português, o filme trata de várias situações causadas pelo latir incessante de um cachorro. Em um quarto, um casal adolescente não consegue fazer amor porque o rapaz está incomodado com o latido; o cachorro também está atrapalhando um almoço em família e o ensaio de dois violonistas clássicos. Paralelo a estas situações, um grupo de garotos joga bola na rua. O curta é tecnicamente bem feito, gravado em digital com boa fotografia e irritante som, claro, do cachorro latindo. Filme interessante mas, repetindo, cheio de "mensagens semióticas" aprendidas no curso universitário.

Após a exibição do documentário "Uma Longa Viagem" (leia crítica aqui no Câmera Escura) e da desorganização causada pela insistência do Festival em fazer toda a platéia do Theatro Municipal de Paulínia sair da sala para (tentar) entrar novamente em seguida, foi exibido o segundo curta-metragem da noite, "Polaroid Circus", de Marcos Mello e Jacques Dequeker. Se "O Cão" era resultado de um curso universitário, exibindo certos cacoetes do gênero, "Polaroid Circus" é ainda mais formulaico. Típico filme "portfolio" de produtora que quer entrar no mercado cinematográfico, o "curta" não passa de uma série de imagens de uma bela modelo (Maria Greguersen, vestindo uma sexy roupa de baixo) em uma cama em Paris. ("Sim, nós temos dinheiro", diz o filme ao espectador de Paulínia). A beldade então é vista desfilando pelas ruas da "Cidade Luz" tirando fotos com uma antiga máquina Polaroid, acompanhada pela trilha sonora de um músico cego. Assim, o curta-metragem, repito, mais parece o cartão de visitas ou filme teste de alguma câmera de cinema, em caro cenário pelas ruas de Paris.


sexta-feira, 8 de julho de 2011

Corações Sujos (Abertura Festival de Cinema de Paulínia)

"Corações Sujos", de Vicente Amorim, abriu ontem o 4º Festival de Cinema de Paulínia. Baseado no livro de Fernando Morais, o filme conta um capítulo pouco conhecido da história da colônia japonesa no Brasil. O Japão, durante a Segunda Guerra Mundial, fazia parte dos países alinhados ao "Eixo", liderados pela Alemanha nazista. Considerados inimigos pelo governo brasileiro, os imigrantes japoneses perderam diversos direitos, como o de se reunir, se locomover entre cidades e o de falar e estudar a língua japonesa. Quando o Japão perdeu a guerra, em 1945, o próprio Imperador japonês, considerado uma divindade por seus súditos, fez um pronunciamento inédito na rádio declarando a rendição do país e, além disso, sua condição de mero mortal. Só que parte dos imigrantes japoneses no Brasil não acreditaram nas evidências e, movidos por um patriotismo cego, consideraram inimigos qualquer japonês que dissesse que o Japão havia perdido a guerra. Estes "traidores" eram chamados de "Corações Sujos", e vários foram sumariamente executados.

O livro de Fernando Morais é uma grande reportagem sobre a organização "shindo ren-mei", grupo formado por estes fanáticos que, no final dos anos 1940, foram responsáveis pelo assassinato de vários compatriotas. O filme tomou a decisão de não falar sobre esta organização. "Eu queria contar a história destas pessoas", me disse Vicente Amorim. "Há controvérsias se a Shindo Ren-mei teria cometido estes crimes especificos, e se eu focasse muito na Shindo eu tiraria força da história que eu queria contar, então preferi focar nos personagens". Assim, "Corações Sujos" deixa de lado os aspectos puramente jornalísticos do livro de Morais e conta a história do ponto de vista de uma professora chamada Miyuki (a atriz japonesa Takako Tokiwa) e de uma menina chamada Akemi (a extraordinária Celine Fukumoto, de apenas 11 anos). Miyuki é casada com Takahashi (Tsuyoshi Ihara, de "Cartas de Iwo Jima"), um fotógrafo aparentemente pacato que, na verdade, é leal ao coronel japonês Watanabe (Eiji Okuda). O coronel é o líder de um grupo de japoneses leais ao Imperador que, mesmo morando no Brasil, se recusam a se integrar à vida local. É Watanabe que, após uma intervenção da polícia em uma festa japonesa, lidera um grupo que tenta invadir a delegacia da pequena cidade para matar um policial. Eles são impedidos pelo delegado interpretado por Du Moscovis, mas este é só o início de um banho de sangue causado pelo grupo de Watanabe contra os "corações sujos" da cidade.

A produção foi toda rodada no Pólo Cinematográfico de Paulínia, cidade do interior do estado de São Paulo que criou um ousado plano de fomento ao cinema nacional. A fotografia de Rodrigo Monte é muito boa (apesar de alguns planos distorcidos propositalmente que me pareceram desnecessários), ressaltando a luz do interior de São Paulo e, nas cenas noturnas, realçando a ameaça representada pelo grupo de japoneses. Há alguns planos inspirados, particularmente um em que um japonês é morto sobre um monte de algodão recém colhido, formando um belo contraste entre o sangue vermelho e o branco do algodão, lembrando a bandeira japonesa. O elenco é formado por vários atores genuinamente japoneses e por nikkeys brasileiros. Perguntei a Amorim como fez para dirigir um filme que é praticamente todo falado em japonês. "A gente ensaiou por mais de um mês e, através destes ensaios, foi possível afinar tudo e eu me acostumar com a prosódia". O roteiro de David França Mendes, como disse Amorim, é realmente focado nos personagens e há momentos que beiram o melodrama, mas as interpretações francas do elenco conseguem manter o filme no prumo.