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terça-feira, 21 de agosto de 2012

360

A pior coisa a se dizer sobre "360", a mais nova produção de Fernando Meirelles, é o fato de ser "agradável". O que significa dizer que "360" é bom, e se tivesse sido feito por um diretor mediano  qualquer, estaria de bom tamanho. Mas era de se esperar mais do talento do realizador de "Cidade de Deus" (2002) e "O Jardineiro Fiel" (2005), entre outros. O filme é composto por uma série de histórias independentes que se cruzam, formando um mosaico irregular.

Michael (Jude Law) é um homem de negócios que está em Viena e marca um encontro com uma prostituta eslovaca chamada Mirka (Lucia Siposová). O casamento dele com Rose (Rachel Weisz) não vai bem. O casal mora em Londres, e ela está traindo o marido com um brasileiro chamado Rui (Juliano Cazarré). A namorada de Rui, Laura (Maria Flor), não aguenta a situação e resolve deixar Londres e voltar para o Brasil. No voo para os Estados Unidos ela conhece John (Anthony Hopkins), um pai que está à procura da filha que fugiu há anos e nunca mais deu notícias. A polícia a considera morta, mas ele não desiste. A história de John e seu encontro com Laura é a melhor do filme, em grande parte graças ao talento de Hopkins. Fica evidente que ele vê  na brasileira uma substituta para a filha ausente. Ele tem uma cena muito boa em que conta sua história em uma reunião dos Alcoólicos Anônimos, e Meirelles declarou em entrevista que Hopkins improvisou grande parte das próprias falas, pois é de fato alcoólatra. Há também a história de Tyler (Ben Foster, sempre intenso), um prisioneiro que passou seis anos preso por "crimes sexuais" e que foi solto em condicional. Uma tempestade de neve o deixa preso no aeroporto de Denver onde, por vontade do roteiro de Peter Morgan (de "A Rainha" e "Frost/Nixon), também se encontram Anthony Hopkins e Maria Flor. É justamente no personagem de Foster que o roteiro começa a apresentar problemas. Maria Flor senta-se à mesa dele e, tendo bebido demais, começa a flertar com ele, sem saber que era a primeira vez em anos que Tyler estava livre com uma mulher. A trama cria uma situação de suspense que, estranhamente, não vai a lugar algum. 

Outro problema do roteiro está na história de um dentista muçulmano, em Paris, que é apaixonado pela assistente russa. Ele está em um dilema moral pois ela é casada e a religião dele não permite o adultério. O caso é que ela não está nada feliz no casamento com um guarda-costas russo que trabalha para um chefão do crime. A trama do romance entre o muçulmano e a russa também não vai longe e o roteiro força uma situação ao tentar fechar o ciclo (ou os 360 graus do título) ligando o russo à prostituta do início do filme. Tecnicamente é tudo muito bem feito, o que era de se esperar de Fernando Meirelles, formado no premiado cinema publicitário brasileiro. A bela fotografia é de Adriano Goldman (de "O ano em que meus pais saíram de férias") e Daniel Rezende, tradicional editor dos filmes de Meirelles, faz um ótimo trabalho ao ligar as várias linhas da trama com cortes bem feitos. Apesar de esteticamente bonito e das boas interpretações, porém, falta "garra" ao filme. Algumas histórias poderiam ter sido descartadas para dar espaço para as outras tramas. Tudo termina de forma "agradável" e falta ao filme dizer a que veio. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.


terça-feira, 17 de novembro de 2009

Um Novo Cinema?

Uma comparação entre os filmes da Retomada e o Cinema Novo

A “Retomada” foi o cinema produzido no Brasil após 1995, inaugurado com o lançamento do filme “Carlota Joaquina”, da cineasta Carla Camurati. O cinema nacional, nos anos 90, sofreu um grande golpe com a extinção da Embrafilme (Empresa Brasileira do Filme) pelo então presidente da república Fernando Collor de Melo. A produção caiu praticamente a zero e o público freqüentador das salas ficou sem opções nacionais para assistir. “Carlota Joaquina”, produzido com muito empenho e distribuído de forma quase artesanal por sua diretora, caiu no gosto do público com sua mistura de drama histórico e comédia, e marcou um ressurgimento de filmes nacionais nos cinemas. De lá para cá, uma profissionalização na arte de fazer filmes, a entrada de publicitários no mercado cinematográfico e o surgimento da Globo Filmes fez com que um número relativamente grande de filmes fosse produzido no país todos os anos, conquistando parte da platéia que, por hábito, estava acostumada a só ver filmes americanos.

Teria este cinema surgido depois da Retomada alguma comparação com o Cinema Novo? Movimento consolidado no país durante os anos 60, o Cinema Novo resultou do desejo de parte dos realizadores da época em criar um cinema que tivesse “a cara” do Brasil. Glauber Rocha, em particular, abraçou o movimento escrevendo um texto intitulado “A Estética da Fome”, em que dizia que “o Cinema Novo é um projeto que se realiza na política da fome, e sofre por isto mesmo, todas as fraquezas conseqüentes de sua existência”. O movimento, assim, surgiu da vontade do cineasta da época de se contrapor aos problemas políticos, econômicos e sociais vigentes. No campo cinematográfico, o Cinema Novo pretendia ser o oposto do que tentou ser a Vera Cruz, estúdio paulista instalado em São Bernardo do Campo que, contratando técnicos e equipamentos estrangeiros, pretendia fazer no Brasil um cinema industrial aos moldes do cinema americano.

Segundo a professora da PUC-Campinas e doutoranda em Cinema, Juliana Sangion, há pouca ligação entre o Cinema Novo e a Retomada. Para ela, o cinema brasileiro hoje tem duas vertentes: uma mais voltada para um cinema autoral, praticado por nomes como Beto Brant (Crime Delicado) e Luis Fernando Carvalho (Lavoura Arcaica), e outra dedicada totalmente a produzir um cinema de massa e para as massas, almejando o sucesso comercial. Segundo ela, essa pretensão comercial é totalmente contrária ao que pregava o Cinema Novo, cuja proposta eram a refutação, a reflexão e a rebeldia, particularmente na figura de Glauber Rocha.


Já para o cineasta e professor Cauê Nunes (vencedor do prêmio de melhor curta metragem do II Festival Paulínia de Cinema com "Quem será Katlyn?"), há alguma ligação entre o cinema atual e o Cinema Novo, que “foi um movimento muito marcante e, por isso, muita gente o tem como referência. Uma característica que vejo nos filmes de hoje e que havia no Cinema Novo são filmes com temas sociais, que tratam dos problemas políticos, econômicos e sociais do Brasil”. Nunes cita como exemplo filmes como “Cidade de Deus” (2002), de Fernando Meireles, que trata da violência do Rio de Janeiro e das favelas da cidade carioca. Como comparação, ele cita “Cinco Vezes Favela”, de 1962. O filme era composto por uma série de curtas-metragens dirigidos por Marcos Faria, Miguel Borges, Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade e Leon Hirzman, e também tratava do mesmo tema. Cauê Nunes admite, no entanto, que a estética tecnicamente perfeita de “Cidade de Deus” pouco tem a ver com o que era feito no Cinema Novo. A partir da “Estética da Fome” de Rocha, o cinema da época tinha a posição política de refletir na tela os problemas enfrentados pelo Brasil. Assim, os filmes do Cinema Novo eram tecnicamente pobres não por falta de recursos ou por incapacidade profissional, mas para seguir à risca a idéia de que um país subdesenvolvido como o Brasil teria de fazer um cinema subdesenvolvido.

Juliana Sangion tem dúvidas quanto à estética pobre do Cinema Novo ser proposital ou não. “Eu acho que era o possível de ser feito, inspirado no ‘cinema verdade’. Já o cinema de hoje tem essa ‘cosmética da fome’, que é um cinema ‘bonitinho’, tecnicamente melhor acabado, mas que é pouco criativo. A criatividade, para mim, é algo que independe da tecnologia”.

De fato, muitos dos filmes brasileiros feitos nos últimos anos têm chamado a atenção por sua qualidade técnica. Isso se deve, em grande parte, à entrada na produção cinematográfica de nomes consagrados da publicidade, como o já citado Fernando Meireles, sócio proprietário da produtora “O2”, de São Paulo. Meireles conquistou fama internacional com “Cidade de Deus”, que recebeu quatro indicações ao Oscar, e já fez duas grandes produções em parceria com estúdios estrangeiros desde então, “O Jardineiro Fiel” e “Ensaio sobre a cegueira”. Outro grande nome do cinema brasileiro atual, Walter Salles, também veio da publicidade e da televisão. Em 1998, seu “Central do Brasil” emocionou o mundo, sendo indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e uma inédita indicação de Melhor Atriz para Fernanda Montenegro. O primeiro longa metragem de Salles, “A Grande Arte” (1991), era falado em inglês e tinha o americano Peter Coyote encabeçando o elenco. Mas foi em “Central do Brasil” que ele vestiu a camisa do cinema nacional e trouxe para as telas um cinema que, além de entreter, também procurava mostrar os problemas sociais do país. “Todos os diretores brasileiros devem muito ao Cinema Novo, à idéia de que vale a pena tirar a câmera do estúdio e aproximar da rua”, declarou Salles recentemente no Festival do Cinema Latino Americano, na Holanda.

Tecnologia

Um dos lemas de Glauber Rocha no Cinema Novo era “uma idéia na cabeça e uma câmera na mão”. Com o grande avanço na tecnologia voltada à imagem que vemos hoje, em que câmeras digitais de alta definição estão se tornando portáteis e acessíveis à maioria das pessoas, será possível que surja daí um novo cinema brasileiro? Cauê Nunes vê com cautela esta questão: “Esses recursos democratizam a produção, então mais gente produz. Mas quantidade não é qualidade. A produção pode ser grande, mas não tão boa". Juliana Sangion não acredita que a facilidade tecnológica possa criar um novo tipo de cinema industrial, mas completa: "Está mais fácil ter uma câmera, está mais fácil de publicar o trabalho. Pode não entrar no circuito exibidor tradicional, mas pode ser exibido na internet, por exemplo. Então há um circuito exibidor alternativo.”

Preconceito?

Mesmo com o aumento de público espectador de filmes nacionais decorrido da Retomada, ainda é fato que muitos brasileiros não assistem à produção feita no país. Por que isso ocorre? Seria apenas preconceito, ou haveria outras razões? Cauê Nunes diz que esta é a pergunta a que todos os cineastas brasileiros gostariam de ter a resposta. Nunes crê que há várias razões para que isso aconteça, a começar pela falta de hábito: “Desde pequenos, estamos acostumados a um tipo de cinema que é o feito nos Estados Unidos. As crianças antigamente assistiam ‘Disneylândia’ e hoje assistem às animações da ‘Pixar’. Isso faz com que as pessoas fiquem acostumadas ao tipo de linguagem deles, e quando você fica adulto não se acostuma com outros tipos de linguagem que não a americana.” “Houve também o cinema da boca do lixo”, diz Juliana Sangion, “que relacionou o cinema nacional a uma estética mais pornográfica, o que afastou parte do público. Mesmo a proposta do Cinema Novo não agradava todo mundo, não era muito popular.”

O problema pode ser mais grave. A dominação cultural e estética de Hollywood não seria apenas questão de “gosto” ou “hábito”, mas uma estratégia cuidadosamente planejada pelos estúdios americanos para evitar que filmes nacionais conquistem espaço nas salas. Conta Cauê Nunes: “Quando um grande filme americano vai ser lançado por aqui, como ‘O Homem Aranha’, as distribuidoras brasileiras ficam interessadas em comprá-lo, porque ele vai render muito dinheiro. O que acontece é que os estúdios americanos podem exigir que, ao comprar o Homem Aranha, as distribuidoras tenham que comprar outros cinco filmes menores, que não atraiam tanta gente, mas que acabam ocupando as salas”.

Sangion, que está preparando uma tese sobre a influência da Globo Filmes no mercado do cinema brasileiro, chama de “pós Retomada” a entrada da produtora no mercado e o lançamento de “Cidade de Deus”, em 2002. “Foi quando tivemos de volta espectadores em números acima do ‘milhão’. A Globo Filmes entrou no mercado porque era o último braço que faltava às Organizações Globo entrar.” Sangion crê que, apesar da falta de criatividade temática do cinema atual, o público têm comparecido às salas e que as produções da Globo Filmes são uma espécie de resposta nacional aos “blockbusters” americanos.

Assim, podemos concluir que o cinema atual, apesar de certa semelhança temática com o Cinema Novo, não tem pretensões política nem quer “salvar o mundo”. É um cinema mais voltado para o mercado e que, aos poucos, tem alcançado público entre os espectadores do país.

domingo, 14 de setembro de 2008

Ensaio sobre a Cegueira

Chega às telas o novo filme de Fernando Meirelles (Cidade de Deus, O Jardineiro Fiel), "Ensaio sobre a Cegueira" (Blindness, 2008), co-produção do Brasil, Canadá e Japão, baseado no livro de José Saramago. O filme foi exibido na abertura do último Festival de Cannes e teve recepção morna. Fernando Meirelles, em entrevista no Roda Viva (TV Cultura) semana passada, declarou que havia tentado comprar os direitos para o livro há muitos anos, mas Saramago se recusava a vender. Após o sucesso internacional, Meirelles recebeu o roteiro do filme escrito pelo canadense Don McKellar e decidiu realizá-lo.

Não li o livro de José Saramago, de modo que não posso julgar se o resultado é fiel ou não. Só sei que, como filme, ele tem problemas. A história básica é interessante: em uma cidade qualquer do mundo, pessoas começam a sofrer de uma estranha "cegueira branca", que é contagiosa e inexplicável. Os infectados são levados à uma espécie de "campo de prisioneiros" onde são trancafiados. Julianne Moore interpreta uma mulher que, apesar do marido ter sido infectado, ela não perde a visão. Mesmo assim, ela prefere acompanhar o marido para o "hospital" e é encarcerada junto. Praticamente todo o filme se passa dentro desta espécie de sanatório/prisão, em que os cegos são deixados em número cada vez maior, vigiados por soldados armados. O mundo em que se passa a história é ficcional. A cidade não é identificada (embora seja claramente São Paulo, em diversas cenas) e, curiosamente, os personagens não têm nome. Imagino que, no livro, isso não cause problemas, por ser uma alegoria de Saramago. Mas no cinema não funciona muito bem. Esta falta de identidade acaba provocando algo fatal para um filme: a falta de identificação do espectador. Meirelles, que é mestre em manter o ritmo de seus filmes sempre em alta, tropeça com um roteiro que, de repente, empaca e não sai do lugar.

O filme foi modificado várias vezes após sessões teste e mesmo após a exibição em Cannes, onde não foi bem recebido. O famoso editor e teórico de cinema Walter Murch, em seu livro "Num piscar de olhos", diz que se deve ter cuidado com os resultados de exibições teste. Ele diz que é como os sintomas de uma dor no cotovelo, por exemplo. Não adianta tratar o cotovelo, talvez a dor seja apenas um sintoma de um problema em outro lugar. Meirelles citou, em várias entrevistas, ter atenuado ou cortado as cenas de um estupro que acontece no hospital, mas creio que o problema não seja este. Não adianta modificar a cena do estupro, o problema é criar um ambiente para que esta cena faça algum sentido. Gabriel Garcia Bernal aparece no filme como um homem que tem uma arma e se intitula o "Rei da ala 3". Ele declara que todos têm que começar a pagar pela comida e, na falta de dinheiro, as mulheres devem pagar com seus corpos. Não faz muito sentido. De onde veio a arma? Como é que a "Ala 3" tem controle sobre a comida? Ela é entregue primeiro ali? Nada no roteiro indica isso. E há Julianne Moore, como a única pessoa que pode enxergar do lugar, e é construída pelo roteiro como uma mulher forte e decidida desde o início do filme. Por que ela se submeteria aos caprichos do personagem de Bernal? Mesmo assim, o filme a mostra guiando um grupo de mulheres que, como animais para o sacrifício, vão vender seus corpos em troca de comida. Por que? A tão falada cena de "estupro" se torna gratuita não só pela violência, mas por não fazer sentido. O filme tenta passar mensagens como a baixeza humana e a falta de solidariedade com o próximo, mas tudo soa artificial demais.

Há alguma melhora quando, de repente, os guardas desaparecem e Moore, seguida por Mark Ruffalo, Alice Braga e Danny Glover saem pelas ruas de São Paulo (que não é São Paulo, mas a cidade fictícia, com placas em inglês) em busca de comida. Cinematograficamente falando, há mais oportunidades para o filme acontecer. Mas, mesmo assim, fica a sensação de que um ótimo filme está para acontecer logo ali na esquina, mas Meirelles não vai até lá. Há uma cena passada em uma igreja, em que Julianne Moore entra e vê que todas as imagens estão vendadas, como se também estivessem cegas. Interessante, certo? Na cena seguinte, a "mágica" é quebrada por um diálogo desnecessário que tenta explicar quem teria colocado as vendas. O que importa?
Talvez seja culpa do roteiro, talvez seja culpa da falta de identidade e do elenco internacional ou talvez seja um problema de tradução ruim das páginas do livro para o cinema. O fato é que, infelizmente, "Ensaio sobre a Cegueira" decepciona.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Fernando Meirelles na Cultura

Acabei de assistir à entrevista de Fernando Meirelles no Roda Viva, da TV Cultura (tinha filmes para ver mas resolvi seguir a entrevista depois de ler um comentário no blog do Luis Carlos Merten). Meirelles é um cineasta nato. Quando o programa terminou, por exemplo, e cortaram para a famosa câmera do Roda Viva, que fica girando, lá no alto, Meirelles começou a girar na cadeira para acompanhar o movimento, criando um efeito interessante na tela. Oficialmente ele estava no programa para falar sobre (e promover) seu mais novo filme, "Ensaio sobre a Cegueira", que estréia dia 12 de setembro agora, mas ele falou sobre vários assuntos. O mais recorrente, claro, foi sobre sua obra prima "Cidade de Deus". Meirelles disse houve uma época em que ele ficava ressentido de ter que falar sobre este filme o tempo todo, mas que agora ele já se acostumou. Pudera, "Cidade de Deus" foi um marco do chamado cinema da "retomada", conseguindo o feito raro de ser sucesso tanto de crítica quanto de público e gerando uma série de TV (Cidade dos Homens, que também virou filme de longa metragem) e vários filmes semelhantes (como "Tropa de Elite", por exemplo).


Meirelles é formado em arquitetura, mas a imagem sempre fez parte de sua vida. Nos anos 80, se juntou a Marcelo Tas (que hoje apresenta o programa CQC, na Bandeirantes) e juntos criaram o repórter Ernesto Varella, que é o precursor do estilo de entrevistas bem humoradas (mas com muito menos conteúdo) de programas como o "Pânico", por exemplo, ou o próprio CQC. Tas e Meirelles fundaram a produtora "Olhar Eletrônico", que revolucionou a linguagem do vídeo e produziu muita coisa experimental nos anos 80. Hoje Fernando Meirelles é sócio da mega produtora de publicidade e cinema O2, em São Paulo, e é o cineasta brasileiro mais bem sucedido do mundo (seguido por Walter Salles). "Cidade de Deus" foi indicado a quatro Oscar, inclusive o de Melhor Diretor, e Meirelles recebeu convites de trabalho do mundo todo, e de todo tipo (como dirigir um filme de James Bond, por exemplo). Preferiu seguir um caminho mais pessoal e dirigiu "O Jardineiro Fiel", que deu o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante para Rachel Weiss, e agora trabalhou com Julianne Moore e grande elenco internacional em "Ensaio sobre a Cegueira".


Na entrevista, Meirelles falou sobre o cinema atual e sobre o futuro da arte. Ele disse que o mercado de cinema está diminuindo não só no Brasil, mas em todo mundo, por causa das novas mídias. Ao mesmo tempo, ele acha que o cinema não vai terminar, porque só o cinema dá o prazer do que ele chamou de "sonho coletivo", da experiência compartilhada de se ver um filme junto na sala de cinema. Ele disse que acha ótimo que as novas tecnologias estejam permitindo que cada vez mais gente tenha acesso à produção audio-visual, mas que o problema está na ponta da distribuição. Ele acredita que já que parte da produção de filmes no Brasil recebe verba do Governo, ele crê que as leis de incentivo também deveriam patrocinar o consumo de filmes brasileiros (na compra de ingressos, por exemplo). Ele acredita também que um caminho que já acontece e que vai ser cada vez mais comum é o das produções independentes feitas diretamente para a televisão, seja aberta ou fechada. Perguntado sobre o colega e diretor Walter Salles (que recentemente lançou o filme Linha de Passe), Meirelles não poupou elogios e disse que o conhecimento cinematográfico de Salles é muito superior ao dele.


O crítico Luis Carlos Merten pediu para Meirelles comentar um encontro que ele teve com Steven Spielberg, que lhe perguntou como ele conseguiu filmar a famosa cena da perseguição à galinha, no início de "Cidade de Deus". Spielberg queria saber que equipamento foi usado, e Meirelles explicou que César Charlone (diretor de fotografia) simplesmente amarrou com fita crepe uma câmera 16mm ao cabo de uma vassoura e correu atrás do bicho. Sobre "Ensaio", Meirelles comentou que fez algumas mudanças no filme após algumas exibições teste, como cortar ou amenizar algumas cenas de estupro e violência. E que também retirou quase toda a narração em off que Danny Glover fazia.


"Ensaio sobre a Cegueira" estréia nesta sexta-feira, 12 de setembro.