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domingo, 12 de dezembro de 2010

José e Pilar

José e Pilar é, antes de mais nada, uma bela história de amor. Gravado entre 2006 e 2009, o documentário acompanha a vida extremamente agitada e ocupada do escritor e de sua esposa, a jornalista espanhola Pilar del Rio. Vinte e oito anos mais nova que o marido, Pilar é uma força na tela. Ela organiza a agenda de Saramago, dá entrevistas, organiza sua biblioteca e é a presidenta da "Fundação José Saramago". Sim, presidenta, com "A", como ela faz questão de frisar a um jornalista português que usa a palavra no gênero masculino.

O documentário tem produção do estúdio "El Deseo", de Almodovar e da produtora "O2", de Fernando Meireles. Dirigido por Miguel Gonçalves Mendes, o filme começa em 2006, quando Saramago e Pilar estavam organizando uma biblioteca. O escritor é visto concentrado diante do computador, mas se engana quem o imagina escrevendo a mais nova obra prima das letras; a câmera revela que o Prêmio Nobel de Literatura de 1998 está, na verdade, jogando "paciência" no notebook, para "afastar o Alzheimmer", diz Saramago. Um dos principais charmes deste documentário é exatamente o de mostrar momentos caseiros como este. O filme também exibe mais do conhecido ateísmo do escritor português, famoso por suas declarações polêmicas contra a religião e a igreja. "Era de se imaginar", diz Saramago, "que alguém com 83 anos começasse a ficar preocupado com deus, mas isso não acontece comigo".

A agenda do escritor é brutal. Com Pilar à frente, Saramago enfrenta uma maratona interminável de entrevistas, noites de autógrafo, horas passadas em aeroportos e voando entre os continentes e fazendo declarações aos jornalistas que, segundo ele, perguntam sempre a mesma coisa. Há uma cena muito engraçada em que Saramago vira para a câmera, antes de entrar em uma feira de literatura, e diz que vai reciclar uma frase antiga que ele nem lembrava que tinha dito. Segundos depois nós o vemos usando a frase, como havia prometido.

A saúde do escritor finalmente cedeu no final de 2007 e ele passou semanas no hospital, à beira da morte. Saramago chegou a dizer à esposa que temia não terminar o livro que estava escrevendo, "A Viagem do Elefante", mas ele não só o terminou como, saúde restabelecida, voltou às viagens internacionais. A parte final do filme é bem brasileira, passada entre São Paulo e o Rio de Janeiro. Há uma cena muito tocante (que já circulou pelo youtube) de Saramago se emocionando com uma sessão privada de "Blindness", versão de Fernando Meirelles para "Ensaio sobre a Cegueira". Meirelles ficou tão feliz com a aprovação do escritor que mal pode se conter, chegando a beijar Saramago.

Mas o que fica de todas essas imagens, autógrafos, vôos internacionais e feiras de literatura é o amor entre Pilar e José. Os dois oficializam o casamento pela segunda vez em uma cerimônia civil simples e tocante. “Se eu tivesse morrido antes de te conhecer, Pilar, teria morrido sentindo-me muito mais velho", Saramago diz em uma convenção. Em uma placa de rua que leva o nome da esposa, Saramago lhe fez esta dedicatória: "À Pilar que ainda não havia nascido e tanto tardou a chegar”.

José Saramago morreu em 18 de junho de 2010, aos 88 anos. (o filme está em cartaz no Topázio Cinemas, em Campinas). Imperdível.


domingo, 14 de setembro de 2008

Ensaio sobre a Cegueira

Chega às telas o novo filme de Fernando Meirelles (Cidade de Deus, O Jardineiro Fiel), "Ensaio sobre a Cegueira" (Blindness, 2008), co-produção do Brasil, Canadá e Japão, baseado no livro de José Saramago. O filme foi exibido na abertura do último Festival de Cannes e teve recepção morna. Fernando Meirelles, em entrevista no Roda Viva (TV Cultura) semana passada, declarou que havia tentado comprar os direitos para o livro há muitos anos, mas Saramago se recusava a vender. Após o sucesso internacional, Meirelles recebeu o roteiro do filme escrito pelo canadense Don McKellar e decidiu realizá-lo.

Não li o livro de José Saramago, de modo que não posso julgar se o resultado é fiel ou não. Só sei que, como filme, ele tem problemas. A história básica é interessante: em uma cidade qualquer do mundo, pessoas começam a sofrer de uma estranha "cegueira branca", que é contagiosa e inexplicável. Os infectados são levados à uma espécie de "campo de prisioneiros" onde são trancafiados. Julianne Moore interpreta uma mulher que, apesar do marido ter sido infectado, ela não perde a visão. Mesmo assim, ela prefere acompanhar o marido para o "hospital" e é encarcerada junto. Praticamente todo o filme se passa dentro desta espécie de sanatório/prisão, em que os cegos são deixados em número cada vez maior, vigiados por soldados armados. O mundo em que se passa a história é ficcional. A cidade não é identificada (embora seja claramente São Paulo, em diversas cenas) e, curiosamente, os personagens não têm nome. Imagino que, no livro, isso não cause problemas, por ser uma alegoria de Saramago. Mas no cinema não funciona muito bem. Esta falta de identidade acaba provocando algo fatal para um filme: a falta de identificação do espectador. Meirelles, que é mestre em manter o ritmo de seus filmes sempre em alta, tropeça com um roteiro que, de repente, empaca e não sai do lugar.

O filme foi modificado várias vezes após sessões teste e mesmo após a exibição em Cannes, onde não foi bem recebido. O famoso editor e teórico de cinema Walter Murch, em seu livro "Num piscar de olhos", diz que se deve ter cuidado com os resultados de exibições teste. Ele diz que é como os sintomas de uma dor no cotovelo, por exemplo. Não adianta tratar o cotovelo, talvez a dor seja apenas um sintoma de um problema em outro lugar. Meirelles citou, em várias entrevistas, ter atenuado ou cortado as cenas de um estupro que acontece no hospital, mas creio que o problema não seja este. Não adianta modificar a cena do estupro, o problema é criar um ambiente para que esta cena faça algum sentido. Gabriel Garcia Bernal aparece no filme como um homem que tem uma arma e se intitula o "Rei da ala 3". Ele declara que todos têm que começar a pagar pela comida e, na falta de dinheiro, as mulheres devem pagar com seus corpos. Não faz muito sentido. De onde veio a arma? Como é que a "Ala 3" tem controle sobre a comida? Ela é entregue primeiro ali? Nada no roteiro indica isso. E há Julianne Moore, como a única pessoa que pode enxergar do lugar, e é construída pelo roteiro como uma mulher forte e decidida desde o início do filme. Por que ela se submeteria aos caprichos do personagem de Bernal? Mesmo assim, o filme a mostra guiando um grupo de mulheres que, como animais para o sacrifício, vão vender seus corpos em troca de comida. Por que? A tão falada cena de "estupro" se torna gratuita não só pela violência, mas por não fazer sentido. O filme tenta passar mensagens como a baixeza humana e a falta de solidariedade com o próximo, mas tudo soa artificial demais.

Há alguma melhora quando, de repente, os guardas desaparecem e Moore, seguida por Mark Ruffalo, Alice Braga e Danny Glover saem pelas ruas de São Paulo (que não é São Paulo, mas a cidade fictícia, com placas em inglês) em busca de comida. Cinematograficamente falando, há mais oportunidades para o filme acontecer. Mas, mesmo assim, fica a sensação de que um ótimo filme está para acontecer logo ali na esquina, mas Meirelles não vai até lá. Há uma cena passada em uma igreja, em que Julianne Moore entra e vê que todas as imagens estão vendadas, como se também estivessem cegas. Interessante, certo? Na cena seguinte, a "mágica" é quebrada por um diálogo desnecessário que tenta explicar quem teria colocado as vendas. O que importa?
Talvez seja culpa do roteiro, talvez seja culpa da falta de identidade e do elenco internacional ou talvez seja um problema de tradução ruim das páginas do livro para o cinema. O fato é que, infelizmente, "Ensaio sobre a Cegueira" decepciona.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Fernando Meirelles na Cultura

Acabei de assistir à entrevista de Fernando Meirelles no Roda Viva, da TV Cultura (tinha filmes para ver mas resolvi seguir a entrevista depois de ler um comentário no blog do Luis Carlos Merten). Meirelles é um cineasta nato. Quando o programa terminou, por exemplo, e cortaram para a famosa câmera do Roda Viva, que fica girando, lá no alto, Meirelles começou a girar na cadeira para acompanhar o movimento, criando um efeito interessante na tela. Oficialmente ele estava no programa para falar sobre (e promover) seu mais novo filme, "Ensaio sobre a Cegueira", que estréia dia 12 de setembro agora, mas ele falou sobre vários assuntos. O mais recorrente, claro, foi sobre sua obra prima "Cidade de Deus". Meirelles disse houve uma época em que ele ficava ressentido de ter que falar sobre este filme o tempo todo, mas que agora ele já se acostumou. Pudera, "Cidade de Deus" foi um marco do chamado cinema da "retomada", conseguindo o feito raro de ser sucesso tanto de crítica quanto de público e gerando uma série de TV (Cidade dos Homens, que também virou filme de longa metragem) e vários filmes semelhantes (como "Tropa de Elite", por exemplo).


Meirelles é formado em arquitetura, mas a imagem sempre fez parte de sua vida. Nos anos 80, se juntou a Marcelo Tas (que hoje apresenta o programa CQC, na Bandeirantes) e juntos criaram o repórter Ernesto Varella, que é o precursor do estilo de entrevistas bem humoradas (mas com muito menos conteúdo) de programas como o "Pânico", por exemplo, ou o próprio CQC. Tas e Meirelles fundaram a produtora "Olhar Eletrônico", que revolucionou a linguagem do vídeo e produziu muita coisa experimental nos anos 80. Hoje Fernando Meirelles é sócio da mega produtora de publicidade e cinema O2, em São Paulo, e é o cineasta brasileiro mais bem sucedido do mundo (seguido por Walter Salles). "Cidade de Deus" foi indicado a quatro Oscar, inclusive o de Melhor Diretor, e Meirelles recebeu convites de trabalho do mundo todo, e de todo tipo (como dirigir um filme de James Bond, por exemplo). Preferiu seguir um caminho mais pessoal e dirigiu "O Jardineiro Fiel", que deu o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante para Rachel Weiss, e agora trabalhou com Julianne Moore e grande elenco internacional em "Ensaio sobre a Cegueira".


Na entrevista, Meirelles falou sobre o cinema atual e sobre o futuro da arte. Ele disse que o mercado de cinema está diminuindo não só no Brasil, mas em todo mundo, por causa das novas mídias. Ao mesmo tempo, ele acha que o cinema não vai terminar, porque só o cinema dá o prazer do que ele chamou de "sonho coletivo", da experiência compartilhada de se ver um filme junto na sala de cinema. Ele disse que acha ótimo que as novas tecnologias estejam permitindo que cada vez mais gente tenha acesso à produção audio-visual, mas que o problema está na ponta da distribuição. Ele acredita que já que parte da produção de filmes no Brasil recebe verba do Governo, ele crê que as leis de incentivo também deveriam patrocinar o consumo de filmes brasileiros (na compra de ingressos, por exemplo). Ele acredita também que um caminho que já acontece e que vai ser cada vez mais comum é o das produções independentes feitas diretamente para a televisão, seja aberta ou fechada. Perguntado sobre o colega e diretor Walter Salles (que recentemente lançou o filme Linha de Passe), Meirelles não poupou elogios e disse que o conhecimento cinematográfico de Salles é muito superior ao dele.


O crítico Luis Carlos Merten pediu para Meirelles comentar um encontro que ele teve com Steven Spielberg, que lhe perguntou como ele conseguiu filmar a famosa cena da perseguição à galinha, no início de "Cidade de Deus". Spielberg queria saber que equipamento foi usado, e Meirelles explicou que César Charlone (diretor de fotografia) simplesmente amarrou com fita crepe uma câmera 16mm ao cabo de uma vassoura e correu atrás do bicho. Sobre "Ensaio", Meirelles comentou que fez algumas mudanças no filme após algumas exibições teste, como cortar ou amenizar algumas cenas de estupro e violência. E que também retirou quase toda a narração em off que Danny Glover fazia.


"Ensaio sobre a Cegueira" estréia nesta sexta-feira, 12 de setembro.