Luther: O Cair da Noite (Luther: The Fallen Sun, 2023). Dir: Jamie Payne. Netflix. Não vi as cinco temporadas do policial Luther (Idris Elba), produzidas pela BBC. Assim, entrei neste filme produzido pela Netflix sem o contexto necessário, talvez, para apreciá-lo como deveria. Isso posto, "Luther" é longo, escuro, maniqueísta e não faz o menor sentido. Será que os fãs da série aprovaram o longa?
Luther é um policial de Londres que enfrenta um vilão digno de um filme de James Bond, interpretado por Andy Serkis (geralmente associado ao trabalho de voz e "motion capture" de personagens como o "Gollum" de "O Senhor dos Anéis" ou o César de "O Planeta dos Macacos"). Aqui ele interpreta em carne e osso um daqueles vilões completamente inverossímeis, um serial killer sádico que tem uma conta bancária infinita, tempo e uma equipe para praticar crimes da forma mais cruel possível (não contente em matar pessoas, ele grava seus gritos de agonia e os manda para suas mães).
Há diversos clichês de filmes policiais, como o "tira" que cai em desgraça mas ainda comanda a investigação dos bastidores, a mulher durona que não quer ser humilhada (uma chefe de polícia interpretada por Cynthia Erivo), as salas cheias de monitores vigiando as pessoas, etc. No final, descobre-se que há um "porquê" nas ações do vilão, mas nem isso é original (foi feito muito melhor em alguns capítulos da série "Black Mirror"). Tá na Netflix.
Kevin (Ezra Miller) é um rapaz de quinze anos, bonito, culto, com fala mansa e grave. É apaixonado por arco e flecha desde que sua mãe, Eva (Tilda Swinton), leu Robin Hood para ele quando era criança. Mas Kevin tem um problema: ele é um monstro. "Precisamos falar sobre o Kevin" é um livro lançado pela escritora Lionel Shriver (nascida Margaret Ann Shriver) em 2003, que conta uma história bem americana que, infelizmente, se tornou lugar comum nos noticiários: o massacre em uma escola ginasial. A britânica BBC comprou os direitos do livro e lança agora o filme dirigido por Lynne Ramsay.
Assim como no livro, o filme é contado do ponto de vista da mãe de Kevin, Eva, após a tragédia ocorrida com a família. Tilda Swinton (de "Um Sonho de Amor") está excelente e foi injustamente esquecida pelo Oscar, para o qual não foi sequer indicada. Swinton, usando penteados diferentes conforme a época em que se passa a história, interpreta Eva como o retrato desesperado de uma mulher que, ao se tornar mãe, perdeu tudo. É um ponto de vista um tanto radical; é como se toda a vida dela, a partir do nascimento de Kevin, fosse uma interminável depressão pós-parto, e há algo de maniqueísta no filme. Que Kevin se torne um adolescente problemático e sádico é triste, mas possível. Mais improvável é a premissa de que o garoto fosse o retrato do demônio desde o seu nascimento. Será que Hitler era uma criança problemática? Exageros à parte, o filme é tão bem feito e Tilda Swinton tão convincete que o espectador acredita na existência deste garoto capaz dos atos mais terríveis. Mas o filme é tanto sobre os problemas de Kevin quanto sobre as falhas dos pais, Eva e Franklin (John C. Reilly).
Franklin é o retrato do otimismo e da ingenuidade. Ele se recusa a acreditar que Kevin tenha problemas e sempre poe a culpa na esposa. Eva também não é uma mãe exemplar. Ela tenta ser amigável com o filho, mas frequentemente transforma suas frustrações em um comportamento violento. Interessante como as semelhanças físicas e psicológicas entre Eva e seu filho são mostradas através de detalhes como o corte de cabelo dos dois ou em cenas espelhadas. A cor vermelha está ligada a Kevin através de suas roupas quando criança e seus sanduíches de geléia. A cor é fortemente ligada a Eva em uma cena extraordinária que abre o filme, quando ela está na Espanha durante a "Tomatina", uma festividade em que centenas de pessoas se envolvem em uma guerra de tomates. Uma cena que é, ao mesmo tempo, alegre e assustadora.
Há também uma crítica à sociedade do espetáculo em que o mundo se tornou. Quando perguntado sobre o porquê dele ter feito o que fez, Kevin diz a um repórter que ele agiu como todos, no fundo, desejavam . Por que eles estavam assistindo àquela entrevista? Por que não mudaram de canal? Perturbador, mas fascinante, "Precisamos falar sobre o Kevin" é dos melhores filmes do ano. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.