domingo, 8 de abril de 2012

Xingu

Em mais de quarenta anos passados no sertão do Brasil, os irmãos Villas-Bôas abriram mais de mil quilômetros de trilhas, exploraram rios, criaram dezenas de campos de pouso e postos avançados e, no caminho, fizeram amizade com centenas de índios, servindo de intermediários entre eles e os brancos. Cultos e bem estudados, os irmãos Orlando (Felipe Camargo), Claudio (João Miguel) e Leonardo (Caio Blat) deixaram a cidade para participar da expedição Roncador-Xingu que, nos anos 40 de Getúlio Vargas, era parte da Marcha para o Oeste promovida pelo presidente. O objetivo era explorar as regiões ainda pouco desconhecidas do país e levar o progresso, ou o que era entendido como tal, para os confins do país.

A história dos irmãos Villas-Bôas é levada agora ao cinema pelas mãos competentes de Cao Hamburger, cineasta que começou como animador, trabalhou vários anos na TV Cultura dirigindo programas como o "Castelo Rá-Tim-Bum" (que transformou em longa-metragem em 1999) e realizou o ótimo "O ano em que meus pais saíram de férias" (2006). "Xingu" é um trabalho de fôlego e com uma envergadura maior do que os feitos anteriores de Hamburger. A direção de fotografia de Adriano Goldman não se cansa de mostrar as fartas paisagens do Xingu, com seus rios e grandes planícies, e o filme tem um tom épico auxiliado pela trilha sonora de Beto Villares. Há de se criticar apenas algumas cenas "noturnas" feitas obviamente durante o dia, com o uso de filtros (coisa que podia funcionar nos anos 50, mas que hoje é desnecessário). O elenco é muito bom, com destaque para Felipe Camargo e João Miguel, que trazem muita humanidade aos irmãos mais velhos e, historicamente, mais importantes. Caio Blat ficou com o ingrato papel do irmão mais novo Leonardo, mostrado como assustado e mulherengo, que foi expulso da expedição após engravidar uma índia.

O roteiro, assinado pelo próprio Hamburger em parceria com Elena Soarez e Anna Muylaert, deixa a trama respirar e consegue contar anos de acontecimentos sem tornar-se enfadonho. Várias situações históricas foram romanceadas e a importância dos irmãos aumentada, mas com bom resultado. Há belos momentos, como o primeiro encontro dos Villas-Bôas com os índios, misturando boas doses de tensão com cenas lúdicas. João Miguel, ator camaleônico que já esteve em produções como "Cinema, Aspirinas e Urubus" (de Marcelo Gomes, 2004), é mostrado como o irmão mais próximo aos índios e protagoniza uma bela cena em que mostra a eles, pela primeira vez, um avião. Pode-se questionar até que ponto os irmãos estavam a serviço dos índios ou dos brancos, e é fato que suas expedições facilitaram a entrada de latifundiários de gado e garimpeiros. Mas é também fato que estas pessoas entrariam de qualquer forma país adentro e, aparentemente, os índios tiveram sorte de ter os Villas-Bôas ao lado deles. O trabalho deles culminou com a criação do Parque Nacional do Xingu, em 1961, que completou 50 anos. Como cinema, "Xingu" é um belo filme, com bom elenco e técnica impecável. Como História, continua curiosamente atual. Visto como cortesia no Kinoplex Cinemas, em Campinas. Site oficial do filme.


Um comentário:

Unidade de Carbono no Palido ponto Azul disse...

Filme maravilhoso. Mostrando um pouco dos índios do Brasil, como o próprio Janio Quadros falou, ninguem gosta de indio aqui, apesar da miscigenação do nosso sangue.

Antes deste filme, pensava que os irmãos Villas Boas eram só aventureiros que se aproveitaram dos índios. Acho que esta ideia foi plantada pelos esquerdistas, já que eles eram bastante ligados ao Regime Militar pós 64.