quarta-feira, 9 de julho de 2008

Escutando Eduardo Coutinho

Escutar Eduardo Coutinho é um prazer e uma aventura. O diretor de documentários como "Peões", "Edifício Master" e "Jogo de Cena", entre outros, esteve em um debate hoje na Escola Magia do Cinema, em Paulínia, interior de São Paulo. O debate teve a mediação de Rubens Ewald Filho e contou com a participação do escritor Luis Carlos Lucena (que está lançando o livro "Nem Tudo é Verdade") e de Marcelo Machado, jurado do Festival de Cinema de Paulínia. Escutar Coutinho é um prazer pelas suas histórias e sua visão do cinema que produz. Aventura porque ele tem a tendência de se estender nas respostas por caminhos que podem levar a qualquer lugar, fora o hábito de não falar ao microfone ("não consigo fazer duas coisas ao mesmo tempo", brincou ele).
Infelizmente não tive a oportunidade de ver "Jogo de Cena" ainda, mas a princípio é um filme em que Coutinho joga com o que é "real" ou "irreal" em um documentário, entrevistando mulheres sobre suas vidas e, ao mesmo tempo, contratando atrizes para narrar algumas destas histórias. O jogo está em descobrir quem está falando a "verdade" ou não. O resultado, segundo Coutinho, é algo assustador: "Você não é dono da sua história", disse ele, "alguém pode se apropriar dela e fazer parecer mais 'real' do que você". Ele disse que só entrevistou mulheres porque ele gosta de investigar o que é diferente dele. "Como não fui, não sou e nunca serei mulher, o assunto me atrai", disse ele.
Uma coisa que ele sentiu de todos os depoimentos é que a figura masculina geralmente é a do "macho predador", seja um pai duro demais ou um marido ausente. Diz que a reação ao documentário também tem sido mais forte com as mulheres, provavelmente pela identificação com as histórias contadas. O filme foi apresentado no exterior e ganhou alguns prêmios, o que surpreendeu o cineasta. Coutinho explicou que achava que o "jogo" só funcionaria no Brasil, porque no exterior pouca gente reconheceria Fernanda Torres ou mesmo Marília Pera, mas isso não foi problema. Coutinho faz um cinema simples. Segundo ele, faz um cinema "que ninguém quer fazer". Ele não gosta do que ele chama de "perfumaria". Ele gosta de gravar pessoas e suas histórias. "O corpo fala pra cacete", disse ele, "mas a fala tem que ter força, ou não serve".
Rubens Ewald perguntou sobre a questão dos direitos de imagem e Coutinho disse que isso está se tornando um grande problema nos últimos anos. Ele comentou sobre o que ele chamou de "confissão paga", que seriam pessoas que vão a programas de televisão para contar suas histórias tristes (sejam reais ou não) a troco de dinheiro. Falou sobre o baixo nível dos programas de televisão e comentou sobre o Big Brother. Serginho Groisman estava na platéia e falou com Coutinho sobre os "reality shows" e o famoso caso da garota que se suicidou em plena "reportagem" do programa "Aqui Agora", anos atrás. Coutinho disse que o Big Brother é que nem uma droga e que veio para ficar.
Perguntei a Coutinho sobre a garota de programa que, em "Edifício Master", após falar sobre sua vida, acaba dizendo que ela gostava de mentir muito, tanto que ela chegava a acreditar nas próprias mentiras, e se essa não teria sido uma inspiração para "Jogo de Cena". Coutinho disse que, no fundo, não importa se é "real" ou não quando se faz um documentário sobre pessoas. "Ninguém consegue lembrar toda sua vida", disse ele. "Você pode dizer hoje que sua infância foi uma droga, e daqui uma semana pode dizer que ela foi ótima". Também sobre a mesma garota, Coutinho lembrou do depoimento dela dizendo que após ganhar 150 reais no seu primeiro programa com um homem, ela saiu com a filha e gastou tudo no McDonald´s. "Não é uma história ótima? Provavelmente ela gastou só 50 reais, e não 150, mas a história continua sendo maravilhosa".
Para terminar, Coutinho disse que não acha que o cinema possa mudar o mundo. Segundo ele, não muda nem mesmo a história das pessoas que participam de seus filmes. O máximo que ele pode fazer é ser ético e tentar não causar mal às pessoas.

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