terça-feira, 30 de junho de 2009

Sombras de Goya

O diretor de origem tcheca Milos Forman tem um currículo invejável. Dirigiu clássicos modernos como “Um Estranho no Ninho” (1975) e se especializou em cinebiografias de personagens como o músico Mozart (“Amadeus”, 1984), o editor pornográfico Larry Flynt (“O Povo Contra Larry Flynt”, 1996) ou o comediante americano Andy Kaufman (“O Mundo de Andy”, 1999). Em 2006 resolveu levar a vida do pintor espanhol Francisco Goya para as telas em “Sombras de Goya”, usando do mesmo artifício que usou em “Amadeus”, isto é: ver o personagem principal através dos olhos de um secundário. O recurso funcionou magnificamente em “Amadeus”, contado a partir dos olhos invejosos de um compositor concorrente, Salieri. Já em “Sombras de Goya”, infelizmente, o resultado está aquém do esperado.

O verdadeiro Goya teve uma vida difícil, marcada por uma doença que o deixou quase cego e totalmente surdo. Teve que enfrentar a Inquisição e problemas com vários monarcas. O filme preferiu se concentrar na figura do Padre Lorenzo (Javier Barden), membro da Inquisição Espanhola que tem uma queda pelas artes e que encomendou a Goya um retrato. A Inquisição está incomodada com umas gravuras feitas por Goya que mostram cenas grotescas da Espanha, e quer chamá-lo. O Padre Lorenzo alega que o problema não está nas gravuras, mas na própria realidade, e propõe um endurecimento por parte da Inquisição. Ele diz aos outros padres que eles precisam procurar por “sinais do demônio” em todo lugar, o que leva a situações absurdas. Uma jovem garota chamada Inês (Natalie Portman), por exemplo, é presa pelo “santo ofício” porque foi vista recusando porco durante um jantar. A Inquisição viu nisso suspeita de que ela poderia ser judia e, por meio de tortura, conseguem tirar dela uma “confissão”. A tortura, claro, não tinha esse nome. Era chamada de “o interrogatório”, e a Igreja acreditava que, se a pessoa fosse realmente inocente, Deus lhe daria forças para suportar a dor e passar por ele. Por esta lógica, quem confessasse alguma coisa era culpado. O Padre Alonzo também acreditava nisso, até que o pai de Inês, um rico comerciante de Madrid, lhe faz passar por uma “experiência” que lhe faz mudar de idéia.

Tudo isso é mostrado por Forman com uma fotografia deslumbrante (de Javier Aguirresarobe), que tenta emular o estilo das pinturas de Goya (interpretado por Stellan Skarsgard). O problema é que o roteiro é incapaz de abarcar todo o momento histórico tratado pelo filme (o final do século 18, a Revolução Francesa, as mudanças sociais e políticas que estavam ocorrendo na época). Além disso, o personagem do pintor em si não é interessante o suficiente para despertar a atenção. Menos importância são dadas a suas obras do que ao roteiro tortuoso, que passa por vários anos e mostra o antes e depois da Revolução Francesa, que derrubou a monarquia e causou reflexos em toda e Europa. A trama se concentra no padre Alonzo, que fugiu para a França e se tornou um revolucionário, e em Inês, que passa 15 anos presa nos porões da Inquisição e tem uma filha que é de Alonzo. Há uma série de coincidências e encontros e desencontros improváveis, enquanto Goya se resume a uma figura sem muito relevo. De onde ele veio? Que ideais ele defende? Suas gravuras são realmente um desafio à Igreja e aos “bons costumes” ou apenas desenhos para serem vendidos? Onde está sua família? Ele é casado? É solteiro? Todas estas perguntas ficam sem resposta. A única coisa que vemos é um artista que simplesmente sobrevive à passagem do tempo e à queda de reis e rainhas, mas não sabemos exatamente o porquê. Assim, falta a “Sombras de Goya” a profundidade de “Amadeus”. Falta explorar mais o gênio por trás das pinturas e o homem por trás dos quadros.




2 comentários:

Menina de lah disse...

Gosto muito desse filme...e do Javier Barden também...

João Solimeo disse...

Javier Barden é um ótimo ator... pena que este filme tenha sido feito em inglês. Se fosse em Espanhol seria muito mais realista, não?