quarta-feira, 3 de março de 2010

Preciosa

É possível fazer um exercício interessante ao se comparar dois filmes que estão em cartaz, “Preciosa” e “Educação”. Ambos são baseados em relatos de garotas de 16 anos às voltas com os problemas da vida e com os rumos da própria educação, mas tratadas de modo tão distinto que parecem ser de planetas diferentes.

Jenny (Carey Mulligan), em “Educação”, vive em uma família razoavelmente equilibrada, com pai e mãe que lhe deram apoio, carinho e valores. Ela é destaque na escola e está estudando para ser aceita na renomada Universidade de Oxford, Inglaterra. Já a vida de Claireece “Precious” Jones (Gabourey Sidibe) está no lado oposto do espectro. Negra, pobre e muito obesa, ela vive no Harlen (bairro negro de Nova York) com a mãe, e está grávida do segundo filho. Na escola, ela gosta de Matemática e até tem notas boas, mas é apática, quieta e, quando provocada, violenta. A diretora a questiona sobre a segunda gravidez, perguntando o que aconteceu. “Eu fiz sexo”, responde ela. Não é assim tão simples. Precious é freqüentemente violentada pelo próprio pai, que a engravidou pela segunda vez. A diretora decide expulsá-la da escola comum para ser aceita em um projeto chamado “Each One Teach One”, que cuida de alunos que tem potencial, mas são problemáticos.

“Preciosa” é baseado em “Push”, primeiro livro de uma escritora chamada Saphire, que era professora em Nova York. A personagem de Precious é baseada em várias alunas reais que ela teve, e nas experiências delas. O filme, dirigido por Lee Daniels, não faz concessões em sua frieza em mostrar a vida difícil de Precious. Sua mãe, Mary (Mo'Nique) a odeia por causa da “atenção” que o marido passou a dar à filha. Mary é extremamente cruel, quase caricata em sua monstruosidade, que passa o dia vendo televisão, maltratando a filha e vivendo da renda de programas do governo. Quando uma assistente social visita a família para decidir se o benefício deve continuar, Mary age como uma pessoa amável e “responsável”, até que ela vá embora.

Na escola nova, Precious encontra apoio na professora Rain (Paula Patton), que faz os alunos escreverem todos os dias em um diário (assim como visto no filme “Escritores da Liberdade”, com Hillary Swank). O método dá a Precious a chance não só de se alfabetizar, mas de se expressar. O filme tem um tom documental no modo como a câmera enfoca as personagens, quase todas femininas. Este é um mundo cruel, machista e violento, em que pais abusam dos filhos, que repetem o ciclo com suas próprias crianças. A mãe de Precious não é má por natureza, mas alguém que também foi brutalizada e não sabe mais a diferença entre o certo e o errado. A comediante Mo'Nique foi merecidamente indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante pelo seu desempenho, e é a favorita. Há uma cena em que ela, Precious e uma assistente social (interpretada pela cantora Mariah Carey, irreconhecível) estão conversando que é de uma força e verdade tocantes. Notem como a mãe tenta justificar seu silêncio diante dos abusos sexuais praticados pelo namorado, em uma mistura de amor maternal com ciúme e desejo de também ser amada. Também digna de nota é a interpretação da novata Sidibe como Precious (indicada ao Oscar de Melhor Atriz). "Preciosa" concorre também a Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Montagem e Melhor Roteiro Adaptado.

Um filme americano pesado, difícil e com coisas para dizer. Raridade.

3 comentários:

Carolina Cristina disse...

Realmente um filme difícil e pesado... As interpretações estão maravilhosas e a cena final é de apertar o coração...
A maneira como foi filmado o filme é muito bom e a edição também não deixa a desejar...
Bjos...

Thaís Inocêncio disse...

É bom, mas se vc tiver indícios de depressão, sai de lá querendo se matar, FATO! hehehe

João Solimeo disse...

De fato, é daqueles filmes que deveriam vir com um aviso antes, "O MINISTÉRIO DA SAÚDE ADVERTE", rs. É bem depressivo e forte, mas corajoso e realista.