sábado, 2 de abril de 2011

VIPs

Quase todo mundo já ouviu a história: em um carnaval em Recife, durante uma transmissão do apresentador Amaury Jr., um rapaz se fez passar pelo filho do dono da empresa aérea Gol. Ele era Marcelo Nascimento da Rocha, que já vinha de uma série de trambiques em que se fazia passar por outras pessoas. O episódio mostrou como o mundo das celebridades é frágil, em que pessoas bem falantes, em camarotes VIP, são tratados como membros da realeza. Isso daria um filme igualmente interessante mas, infelizmente, não é o caso de "VIPs", dirigido por Toniko Melo e estrelado por Wagner Moura.

Moura é um tremendo ator, mas certas decisões do filme o colocaram em situações difíceis, a começar pela caracterização psicológica do personagem. Teria sido mais acertado se o Marcelo mostrado no filme fosse mais parecido com o personagem real no qual é baseado, um rapaz basicamente irônico e muito "cara de pau". Ao invés disso, o roteiro de Bráulio Mantovani (craque de filmes como "Cidade de Deus") e Thiago Dottori tentam dar uma explicação psicológica ao comportamento de Marcelo, criando um filme irregular. Wagner Moura usa os piores penteados e perucas da sua carreira para interpretar Marcelo desde os tempos do ensino médio, em que era chamado de "Bizarro" pelos colegas e tinha conversas imaginárias com um pai aviador (Norival Rizzo). A mãe, Silvia (Gisele Fróes), é uma cabeleireira que mima muito o garoto mas, ao mesmo tempo, diz que ele não vale nada. Marcelo foge de casa e vai parar no Paraguai, onde assume o nome "Carrera" e se torna piloto de avião de um traficante.

Há várias situações interessantes em meio a erros estranhos; um amigo de Marcelo, Baña, é interpretado pelo brasileiro Juliano Cazarré, que fala o tempo todo em um "portunhol" nada convincente. E outra, o "Carrera" criado por Marcelo não é imitação de ninguém, então fica difícil acreditar que esta sua passagem como traficante (a melhor parte do filme) o levaria a fazer o que fez depois. Na "vida real" não há necessariamente uma ordem de causa e efeito, mas na dramaturgia isso é necessário, ou então se tem a impressão que o espectador está vendo dois filmes independentes. E é nisso que resulta "VIPs". Não há muita relação entre o traficante (real) vivido por Marcelo na primeira parte do filme com o "filho do dono da Gol", Henrique Constantino, que ele cria na segunda parte. O que o filme quer mostrar, que ele é um picareta querendo se aproveitar do mundo das celebridades ou que é um homem com problemas mentais? O resultado é que o personagem de Marcelo se torna muito frágil e até inverossímil.

Inevitável também comparar "VIPs" com "Prenda-me se for capaz", de Steven Spielberg, em que Leonardo DiCaprio interpretava Frank Abagnale Jr., um rapaz inteligente que, forçado por diversas situações, se fazia passar por várias pessoas, inclusive um piloto de avião. Há várias similaridades entre os dois filmes, principalmente na relação dos personagens com suas mães complicadas e na adoração a um pai ausente. A diferença, infelizmente, está em que o roteiro de "VIPs" é tremendamente inferior, que não faz justiça a seu personagem que, na vida real, parece ser muito mais interessante.


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