domingo, 20 de maio de 2012

As Neves do Kilimanjaro

Apesar de haver um conto escrito por Ernerst Heningway (em 1936) com o mesmo nome, além de um filme americano de 1952, "As Neves de Kilimanjaro" não tem qualquer relação com estas obras. Os créditos informam que o roteiro de Robert Guédiguian e Jean-Louis Milesi foi baseado em um conto de Victor Hugo chamado "Os Pobres". Eles contam o dilema moral de Michel (Jean-Pierre Darroussin, do ótimo "O Porto"), um sindicalista que perde seu emprego de muitos anos; o seu sindicato fez um acordo com a empresa e 20 pessoas deveriam ser demitidas. Michel organiza um sorteio e seu nome é tirado junto com outros dezenove desafortunados. Raoul (Gérard Meylan), seu cunhado e amigo de longa data, lhe diz que o nome dele não deveria estar entre os sorteados. A esposa, Marie-Clare (Ariane Ascaride), diz que às vezes "é difícil conviver com um herói". Michel é um homem ético. Seu armário tem as fotos de um famoso sindicalista francês e do seu super-herói favorito, o Homem-Aranha. A referência pop pode parecer gratuita, mas tem grande importância na trama.

O sindicato organiza uma festa para os 30 anos de casamento de Michel e Marie-Claire e os presenteiam com um baú cheio de dinheiro e duas passagens para um safari na Tanzânia, África, onde iriam passear sob "as neves do Kilimanjaro" (a montanha mais alta do continente). O presente acaba se tornando um problema. Em uma noite em que Michel, Marie-Claire, Raoul e a esposa estão jogando cartas, dois homens  armados invadem a casa, amarram todos, batem neles e roubam o dinheiro e as passagens aéreas. O mais novo dos dois é Christophe (Grégoire Lepince-Ringuet), que havia trabalhado com Michel e era um dos 20 demitidos. Junto do dinheiro, ele leva uma revista em quadrinhos de Michel, um gibi raro do Homem-Aranha. É por causa desta revista que Michel, andando de ônibus um dia, consegue identificar os irmãos mais novos de Christophe. Ele os segue até onde moram e a polícia prende o rapaz.

É então que o filme, que já havia mostrado suas cores políticas, se torna claramente partidário. Michel, mesmo achando que não há nada de errado com sua vida, conquistada a duras penas com a esposa e o trabalho no sindicato, começa a duvidar da própria integridade. "O que nós pensaríamos de nós mesmos há 30 anos?", ele pergunta à esposa. "Que somos pequenos burgueses", responde ela. Michel investiga a vida do rapaz e descobre que ele é filho de uma mãe solteira e cuidava sozinho de dois irmãos pequenos. Será que o lugar dele era mesmo a prisão? O que seria daquelas crianças? O roteiro de Robert Guédiguian questiona o estilo de vida de Michel e da esposa. Sim, eles haviam trabalhado duro e mereciam estar onde estão, mas será que isso é o suficiente? Será que a idade e a aposentadoria são motivos suficientes para deixar os ideais de lado? Raoul, o amigo de Michel, também atacado pelo rapaz, tem uma opinião bem diferente; ele acha que Christophe deve apodrecer na prisão pelo que fez. Sua esposa, Denise, vive em estado de pânico desde o assalto e chora noite e dia. Michel também não é mais o mesmo, e seu relacionamento com Marie-Claire fica abalado. Ela começa a mentir para ele e, às escondidas, vai tomar conta dos irmãos do rapaz preso, fazendo-lhes comida e lavando a roupa.

O filme faz questão de mostrar que nem todo criminoso é assim por acaso. Claro que há alternativas para o crime e a situação de Christophe e seus irmãos não justifica suas ações, mas o diretor mostra como o rapaz chegou a isso por causa de uma combinação perversa de acontecimentos. Há algo de "O Filho", o ótimo filme dos irmãos Dardene, em "As neves do Kilimanjaro". O final talvez seja certinho demais, mas o filme é descaradamente bem intencionado e, dentro das condições apresentadas, otimista. Visto como cortesia no Topázio Cinemas, em Campinas.

Câmera Escura


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