segunda-feira, 21 de maio de 2012

A Dançarina e o Ladrão

Há dois filmes brigando pelo foco principal no roteiro de "A Dançarina e o Ladrão", drama chileno dirigido por Fernando Trueba. De um lado, há uma bela fábula contando a história de um "bom ladrão", Ángel Santiago (um anjo e um santo no mesmo nome, interpretado por Abel Ayala), um rapaz que, ao ser solto da prisão, conhece uma moradora de rua, Victoria (Miranda Bodenhofer) que também parece ter saído das páginas de um conto de fadas: uma garota linda, com jeito inocente e frágil, que é muda devido a um trauma de infância, e que tem o sonho de se tornar bailarina no Teatro Municipal de Santiago. A outra história revolve em torno de um famoso ladrão de bancos chamado Nicolás Vergara Grey, interpretado por ninguém menos que Ricardo Darín (de "Um Conto Chinês", "O Segredo de Seus Olhos"), que é solto no mesmo dia que o "anjo" Santiago. Ele é tão famoso que há um taxista esperando por ele na porta na prisão, a seu dispor para levá-lo aonde quiser ir. Vergara Grey só quer encontrar a esposa e o filho, que não vê há cinco anos, mas os dois não querem mais saber dele. A mulher se juntou a um rico empresário chileno e mora com o filho em uma grande mansão.

Os caminhos de Vergara Grey e Ángel Santiago se ligam através de um golpe planejado por um anão que estivera preso com eles. O plano é típico dos filmes de assalto; há um cofre supostamente cheio de dólares no topo de um edifício e só Vergara Grey teria as habilidades necessárias para abri-lo. O problema é que o filme não lida direito com as duas tramas. O lado fábula continua forte, contando o doce romance entre Ángel e a bailarina muda. Como um cavaleiro andante, ele rouba um cavalo do jockey clube e vai buscar a garota no abrigo em que vive, e os dois ficam galopando pelo trânsito complicado de Santiago, Chile. O rapaz confia tanto nas habilidades da garota como bailarina que a leva até a Academia de Dança e a inscreve em um teste para o Municipal. Ele também a leva para fora da cidade até um casebre perdido no sopé da Cordilheira dos Andes, e há algo de mítico na cena em que os dois chegam galopando às montanhas, sob a luz de centenas de estrelas. Lá moram os pais de Santiago e, do nada, o rapaz anuncia seu casamento com Victoria.

Enquanto isso, a trama do assalto surge de vez em quando, como se, não custa repetir, um outro filme ainda tentasse ser o protagonista da história. Ángel não larga da sombra de Vergara Grey (onde está a garota nestes momentos?), que não está interessado no golpe proposto pelo garoto. A trama só se mantém viva, desconfio, por ser protagonizada por Ricardo Darín, que é dos melhores atores da atualidade. O ator argentino tem uma expressão que carrega, como poucos, o peso de anos de experiência e ainda continua conversando com o garoto porque seus planos pessoais vão, pouco a pouco, desmoronando. Quando ele finalmente conhece Victoria é em um momento forte e dramático, e então o lado fábula toma conta novamente quando todos se juntam em uma cena absurda, mas muito poética, em que a moça se apresenta no Teatro Municipal diante de um renomado crítico de dança.

Um filme comum terminaria, provavelmente, nesta cena e estaria de bom tamanho. Difícil entender o porquê da trama continuar insistindo no tal golpe e em suas inevitáveis consequências. "A Dançarina e o Ladrão" é  um filme que mantém o interesse e tem cenas de grande poesia, mas acaba sendo muito irregular. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.

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