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terça-feira, 25 de outubro de 2022

Argentina, 1985 (2022)

Argentina, 1985 (2022). Dir: Santiago Mitre. Amazon Prime Video. Filme argentino novo com Ricardo Darín? Pois é, ele está de volta. Darín interpreta um promotor chamado Julio César Strassera que, em 1985, atuou em um dos julgamentos mais importantes da história argentina. Finda a ditadura militar, o país passou a ser governado por Raúl Alfonsín em 1983; dois anos depois, nove comandantes militares foram acusados de violação dos direitos humanos, assassinato, sequestro e tortura de centenas de pessoas durante a ditadura.

Darín, que está com 65 anos, foi envelhecido para o papel e faz um homem que, a princípio, não acreditava que o julgamento pudesse dar em alguma coisa. O filme faz uma bela recriação de época, mostrando Buenos Aires nos anos 1980 com ótima fotografia de Javier Julia. O roteiro humaniza a figura do promotor mostrando cenas da sua vida familiar; preocupado com o namoro da filha adolescente, Strassera pede ao filho mais novo (um competente Santiago Armas Estevarena) que siga a irmã e relate seus passos. Essas cenas bem humoradas contrastam com o peso das cenas de tribunal; o filme recria depoimentos pesados de pessoas que passaram por tortura ou tiveram familiares sequestrados e mortos. Promotor e equipe são frequentemente ameaçados por telefonemas anônimos ou por "recados" mais claros, como uma bala de revolver supostamente enviada pela Marinha ao promotor.

Darín está ótimo, como sempre, e brilha tanto nas cenas familiares como na cena em que ele lê a acusação aos militares. "Argentina, 1985" foi escolhido pelo país como o representante para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Falando em Oscar e em História argentina, não deixa de ver (na Netflix) "A História Oficial" (1985), belo filme sobre desaparecidos políticos que ganhou o Oscar de filme estrangeiro. "Argentina, 1985" está disponível na Amazon Prime Video.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Tropicália

O documentário de Marcelo Machado poderia ser mais uma colagem de depoimentos sobre os anos 60, com as profundas mudanças culturais e sociais da época. O filme, no entanto, acerta em uma montagem inventiva que acompanha o visual dos diversos momentos retratados; no surgimento do tropicalismo, em 1967, o filme é todo psicodélico, misturando capas de discos com obras e Hélio Oiticica (que cunhou o termo "tropicália"), imagens de "Terra em Transe", de Glauber Rocha, trechos de peças de José Celso, centenas de fotos e trechos de programas de televisão. É uma edição inspirada, que acompanha depoimentos de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, entre dezenas de outros, usando apenas imagens e fotos.

Com a chegada do AI-5, no entanto, o filme muda de tom. Pela primeira vez, as vozes tomam a forma dos personagens como estão hoje, quase cinquenta anos depois. É um choque, depois de acompanhar por quase uma hora as imagens vibrantes dos jovens Caetano e Gil, dos Mutantes, Maria Bethânia, Gal Costa, entre outros, encará-los com 70 anos. Foi uma escolha interessante dos realizadores. É como se a maturidade chegasse junto com a repressão do ato institucional. Há imagens raras de arquivo de Caetano e Gil na Europa, como em uma apresentação para um programa de televisão português em 1969 ou no lendário Festival da Ilha de Wight, Inglaterra, em 1970, onde se apresentaram bandas como Jethro Tull, Supertramp, The Who, Jimi Hendrix e Joan Baez. Há também uma ótima apresentação de Caetano cantando "Asa Branca" para a televisão francesa.

O que fica do documentário é a incrível força criativa que havia na música brasileira (e mundial) naquela época. Ficam também alguns depoimentos surpreendentes de Caetano Veloso, que diz que, na época, ele via com muita desconfiança os movimentos "anti imperialistas" que havia no país e que, no fundo, ele gostava da música americana. Interessante perceber como uma força repressora como a ditadura acabou gerando uma reação cultural extremamente rica. Por tabela, percebe-se também a genialidade dos Mutantes, um grupo que foi musicalmente comparado aos Beatles e que tinha uma força e teatralidade impressionantes. "Tropicália" deve ser visto, de preferência, em conjunto com outros documentários recentes como "Uma Noite em 67", de Renato Terra e Ricardo Calill e "Loki - Arnaldo Batista", de Paulo Henrique Fontenelle. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.

domingo, 27 de maio de 2012

O dia em que eu não nasci

Maria Falkenmeyer (Jessica Schwarz) é uma nadadora  alemã que precisa ir a Santiago, Chile, participar de uma competição. Na ida, ela faz uma conexão em Buenos Aires, e enquanto espera pelo voo, escuta uma mãe cantando para fazer um bebê dormir. A música causa grande comoção em Maria que, surpresa, percebe que ela não só entende as palavras, como conhece aquela canção de ninar. Ela decide ficar em Buenos Aires e, ao ligar para o pai na Alemanha, tem outra surpresa; Anton Falkenmeyer (Michael Gwisdek), o homem que ela chamou de pai a vida toda, vai até Buenos Aires para lhe dizer que, na verdade, ela havia sido adotada quando bebê. Os pais verdadeiros foram presos durante a ditadura argentina e ela fora levada para a Alemanha. Maria começa então uma jornada de autoconhecimento na capital argentina, mas logo descobre que há muito mais que ela não sabe sobre sua vida.

Há uma longa reportagem na revista Piauí desde mês escrita por Francisco Goldman (publicada originalmente na revista The New Yorker) que fala justamente sobre os desaparecidos da "Guerra Suja", o período da ditadura portenha. Milhares de crianças teriam sido tiradas dos pais, que morreriam em campos de tortura, e adotados por famílias favoráveis ao governo militar. Houve inclusive um escândalo protagonizado pelo alta cúpula do principal jornal do país, O Clarín. No filme dirigido por Florian Cossen, explora-se a ideia de que algumas destas crianças foram levadas para fora da Argentina. A cidade de Buenos Aires vibra na fotografia quente de Matthias Fleischer, enquanto Maria anda pelas ruas à procura de sua origem. Ela consegue fazer com que o pai adotivo lhe diga os nomes de seus pais verdadeiros e, com a ajuda de um policial, Alejandro (Rafael Ferro), localiza alguns parentes, que mal conseguem acreditar que ela ainda esteja viva. É sempre interessante quando, no cinema, o encontro de pessoas de línguas diferentes é feito de forma realista; é o caso deste filme. Há uma cena muito boa quando Maria encontra Estela (Beatriz Spelzini), sua tia e, mesmo sem entender o idioma, há um momento de muita emoção. Estela havia procurado pela sobrinha por anos, após a morte da irmã e do cunhado nas mãos da ditadura, e já havia perdido a esperança.

O reencontro, no entanto, está longe de ser um final feliz. Em que circunstâncias Maria teria sido levada para a Europa? Por que é que seus pais adotivos nunca entraram em contato com a família verdadeira? Por que não lhe disseram a verdade sobre sua origem? Alejandro, o policial, diz a Maria que ela faz perguntas demais, e que ele nunca havia perguntado ao pai, um militar, o que ele havia feito durante a ditadura. "Tenho medo de descobrir algo que me faça odiá-lo", diz ele. O filme chega em um momento interessante também na história brasileira, quando pela primeira vez se forma uma comissão da verdade para investigar os crimes cometidos pelo governo militar (e, por outro lado, causa polêmica entre os que gostariam que também se investigassem os crimes que teriam sido cometidos pela esquerda). A viagem ao passado de Maria pode lhe trazer a verdade, mas também tirar muita sujeira de debaixo do tapete. Visto no Topázio Cinemas.


Observação: O "trailer" abaixo, na verdade, é um longo trecho do filme e não tem legendas, mas é o único vídeo encontrado no youtube sobre o filme

segunda-feira, 21 de maio de 2012

A Dançarina e o Ladrão

Há dois filmes brigando pelo foco principal no roteiro de "A Dançarina e o Ladrão", drama chileno dirigido por Fernando Trueba. De um lado, há uma bela fábula contando a história de um "bom ladrão", Ángel Santiago (um anjo e um santo no mesmo nome, interpretado por Abel Ayala), um rapaz que, ao ser solto da prisão, conhece uma moradora de rua, Victoria (Miranda Bodenhofer) que também parece ter saído das páginas de um conto de fadas: uma garota linda, com jeito inocente e frágil, que é muda devido a um trauma de infância, e que tem o sonho de se tornar bailarina no Teatro Municipal de Santiago. A outra história revolve em torno de um famoso ladrão de bancos chamado Nicolás Vergara Grey, interpretado por ninguém menos que Ricardo Darín (de "Um Conto Chinês", "O Segredo de Seus Olhos"), que é solto no mesmo dia que o "anjo" Santiago. Ele é tão famoso que há um taxista esperando por ele na porta na prisão, a seu dispor para levá-lo aonde quiser ir. Vergara Grey só quer encontrar a esposa e o filho, que não vê há cinco anos, mas os dois não querem mais saber dele. A mulher se juntou a um rico empresário chileno e mora com o filho em uma grande mansão.

Os caminhos de Vergara Grey e Ángel Santiago se ligam através de um golpe planejado por um anão que estivera preso com eles. O plano é típico dos filmes de assalto; há um cofre supostamente cheio de dólares no topo de um edifício e só Vergara Grey teria as habilidades necessárias para abri-lo. O problema é que o filme não lida direito com as duas tramas. O lado fábula continua forte, contando o doce romance entre Ángel e a bailarina muda. Como um cavaleiro andante, ele rouba um cavalo do jockey clube e vai buscar a garota no abrigo em que vive, e os dois ficam galopando pelo trânsito complicado de Santiago, Chile. O rapaz confia tanto nas habilidades da garota como bailarina que a leva até a Academia de Dança e a inscreve em um teste para o Municipal. Ele também a leva para fora da cidade até um casebre perdido no sopé da Cordilheira dos Andes, e há algo de mítico na cena em que os dois chegam galopando às montanhas, sob a luz de centenas de estrelas. Lá moram os pais de Santiago e, do nada, o rapaz anuncia seu casamento com Victoria.

Enquanto isso, a trama do assalto surge de vez em quando, como se, não custa repetir, um outro filme ainda tentasse ser o protagonista da história. Ángel não larga da sombra de Vergara Grey (onde está a garota nestes momentos?), que não está interessado no golpe proposto pelo garoto. A trama só se mantém viva, desconfio, por ser protagonizada por Ricardo Darín, que é dos melhores atores da atualidade. O ator argentino tem uma expressão que carrega, como poucos, o peso de anos de experiência e ainda continua conversando com o garoto porque seus planos pessoais vão, pouco a pouco, desmoronando. Quando ele finalmente conhece Victoria é em um momento forte e dramático, e então o lado fábula toma conta novamente quando todos se juntam em uma cena absurda, mas muito poética, em que a moça se apresenta no Teatro Municipal diante de um renomado crítico de dança.

Um filme comum terminaria, provavelmente, nesta cena e estaria de bom tamanho. Difícil entender o porquê da trama continuar insistindo no tal golpe e em suas inevitáveis consequências. "A Dançarina e o Ladrão" é  um filme que mantém o interesse e tem cenas de grande poesia, mas acaba sendo muito irregular. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

400 contra 1 - Uma História do Crime Organizado

Exibido no encerramento do III Festival Paulínia de Cinema, o longa “400 contra 1 – Uma História do Crime Organizado”, de Caco Souza, é confuso e não mostra a que veio. Ele se propõe a ser a biografia de William da Silva Lima, o principal idealizador da organização criminosa Comando Vermelho. Em plena ditadura, criminosos comuns e prisioneiros políticos dividiram as celas da colônia penal conhecida como “caldeirão do diabo”, na Ilha Grande. A convivência levou a uma troca de idéias entre os “subversivos”, que pregavam a revolução e o socialismo, e os presos comuns.

O tema já foi tratado, de forma muito melhor, pela cineasta Lúcia Murat em “Quase Dois Irmãos”, de 2004, com Caco Ciocler e Flávio Bauraqui. “400 contra 1” até começa bem, em 1980, mostrando um assalto a banco praticado pelo grupo de William (Daniel de Oliveira). A trilha sonora da época acompanha uma câmera nervosa e boa edição, prometendo um filme vibrante. Mas então começam os problemas. Em vinhetas exageradas e repetitivas, o filme dá saltos constantes no tempo, alternando datas nos anos 70, quando William foi preso na Ilha Grande, com outros momentos que mostram fugas de presos, reuniões do grupo fora do presídio e cenas de William com a amante interpretada por Daniela Escobar. Estes saltos no tempo são confusos e fora de ordem cronológica. Cenas dentro do presídio são intercaladas com outras fora, em épocas diferentes, e não fica claro exatamente qual a ligação entre elas. O filme não precisaria ter sido feito em ordem cronológica, mas estes pulos temporais não têm função alguma além de tentar dar ao filme um estilo moderno, não linear.

Para complicar, o ritmo é atrapalhado por uma narração teatral e panfletária de Daniel Oliveira, como William, que é redundante e desnecessária. Há também a personagem de uma jovem advogada (Branca Messina) que vai à Ilha Grande entrevistar os presos e supostamente revelar abusos de autoridade praticados pela direção do presídio, mas é também uma personagem perdida. O filme lembra, em alguns momentos, o alemão “O Grupo Baader Meinhof”, que também mostrava uma organização criminosa que agia, inicialmente, com fins políticos.

Por fim, falta ao filme explicar qual a importância de transformar a vida de William em filme. É o retrato de um revolucionário? É a celebração de um bandido? Em que a criação do Comando Vermelho mudou a história do Rio de Janeiro? Nenhuma destas questões é respondida satisfatoriamente e o que sobra é um filme com estilo truncado, muita violência e pouco conteúdo.