domingo, 27 de novembro de 2016

A Chegada (2016)

Basta que os primeiros acordes de "On the Nature of Daylight", de Max Richter, comecem a tocar para que diretor canadense Denis Villeneuve estabeleça o tom de seu "filme de invasão extraterrestre". Esqueçam "Independence Day", este é um filme muito mais sobre conflito interno do que externo. As gigantescas naves alienígenas em forma de semente que descem dos céus parecem falar diretamente com uma mulher chamada Louise Banks (Amy Adams, ótima), uma linguista especializada em idiomas estranhos (como o Português, como ela fala para seus alunos em cena no início do filme).

Louise não é uma heroína tradicional. Enquanto o mundo está assustado à sua volta, carros trombam e caças fazem rasantes nos céus, Louise caminha calmamente da Universidade em pânico até o estacionamento, depois para casa. Ela carrega uma tragédia, a perda de uma filha por uma doença rara que acompanhamos nos primeiros minutos de filme. Para uma mulher especializada em línguas, Louise é uma mulher de poucas palavras. Não demora muito, porém, para que ela seja requisitada pelo exército americano (na figura de Forest Whitaker) para viajar até o estado de Montana tentar estabelecer um contato com os alienígenas.

O que se segue é uma mistura de "Contato", livro de Carl Sagan adaptado para filme de Robert Zemeckis em 1997 com "Contatos Imediatos do Terceiro Grau", que Steven Spielberg escreveu e dirigiu em 1977. Há também elementos de "A Árvore da Vida" (2011), de Terrence Malick. Acima de tudo, há o toque todo especial de Villeneuve, diretor canadense que, em sua breve filmografia, já fez algumas das obras mais interessantes dos últimos anos, como "Incêndios" (2010), "Os Suspeitos" (2013), "O Homem Duplicado" (2013) e "Sicário" (2015). A gente até o perdoa pela ousadia de estar filmando a continuação de "Blade Runner" (dedos cruzados).

As melhores cenas do filme são as tentativas de Amy Adams e Jeremy Renner de se comunicar com os extraterrestres. Como estabelecer um diálogo entre espécies completamente diferentes? Os sons que eles produzem são palavras ou apenas ruídos? Eles entendem os conceitos de "eu", "você", "pergunta" e "resposta"? Quando os aliens finalmente começam a responder, em intricados desenhos que se formam no ar, é tão bem feito e intrigante que, por um momento, até esquecemos que estamos vendo uma obra de ficção e não uma língua extraterrestre de verdade.

Enquanto isso, mundo afora, o diálogo entre as nações está cada vez mais difícil. Há os que olham para as naves com desconfiança e medo, mas a verdadeira ameaça, pelo jeito, está no perigoso jogo de poder entre as diversas facções aqui mesmo na Terra.

(ATENÇÃO, A PARTIR DE AQUI ALGUNS DETALHES MAIS IMPORTANTES DA TRAMA SERÃO CITADOS. AVISO DE SPOILER)
Tudo isso leva para um terceiro ato um tanto confuso em que, por um momento, achamos que o roteiro não sabe para onde está indo. Até que somos lembrados novamente de que este não é um filme sobre o externo, mas sobre os dramas internos, principalmente femininos, vividos pela personagem de Adams. Há até lugar para uma revelação que muda o modo como podemos ver o filme todo. As memórias de Adams, apresentadas como flash backs por toda narrativa, de repente se tornam circulares (assim como a linguagem dos aliens), sendo difícil, por um momento, saber se eles vieram do passado ou do futuro. A mudança na direção do tempo também mostra o enorme sacrifício enfrentado por Louise, que resolve ir em frente na concepção da filha mesmo sabendo da tragédia que a espera. É um tanto messiânico e, talvez, pretensioso, mas o filme termina de forma poderosamente melancólica, ligando conceitos como maternidade, salvação e morte. Estamos todos aqui para nascer, crescer e morrer, não necessariamente nesta ordem. Mas precisamos, sempre, nos comunicar.

João Solimeo
Câmera Escura

PS (enviado em 01/12/2016)
Li "Story of your Life", de Ted Chiang, o conto que deu origem ao filme "A Chegada", de Denis Villeneuve.

Muito, muito interessante o conto. A princípio, diria que gostei mais do filme, que é mais emocional, mais trágico, mais envolvente. O conto me deu a impressão de ser uma tese de linguística transformada em tema de ficção científica. Há páginas e páginas descrevendo conceitos linguísticos, fonética, escrita, idiomas, aquisição de conhecimento, etc. O pano de fundo é o mesmo, a Terra foi visitada por extraterrestres batizados de "Heptapods" por causa do formato do corpo. Louise Banks, uma linguista, é chamada para fazer parte da equipe que vai tentar entrar em contato com eles. Ela me pareceu uma mulher bem centrada e tranquila, ao contrário da (maravilhosa) Amy Adams que, no filme, carrega a dor pela perda da filha a cada respiração, a cada olhar. A história da filha e da morte dela também estão no conto mas me pareceu serem parte de uma discussão científica sobre o tempo, determinismo, livre arbítrio, etc, tudo de forma ordenada e um tanto "fria" (o que não é ruim, é só diferente).
Resumindo, o filme puxa pela emoção, pelo mistério, pela grandiosidade. O conto puxa para o intelecto e para discussões científicas. Ambos são muito bons à sua maneira.

3 comentários:

Luís Solimeo disse...

João, só vi ontem o filme.... Acho que seus comentários foram melhores até que o filme...Hehehe
...Amy Adams sempre bem, mas achei "uma viagem" o filme. Talvez este fosse o objetivo, mas esperava mais.

Luís Solimeo disse...

Saiu como unkown o meu comentário

Ronin disse...

Vi ontem no voo. Achei muito bem produzido e a sacada do tempo e as variantes valeu o filme. Gosto muito da cena quando Louise vai sozinha pra nave. Belo texto o seu.