quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Ninguém pode saber

Keiko Fukushima chega em casa tarde da noite. Ela está bêbada. Acorda os quatro filhos, um de cada pai diferente, com suas risadas e histórias para contar. Akira, o mais velho, tem 12 anos, mas aparenta ser mais maduro do que a própria mãe. Com calma, ele separa a louça e prepara um chá para todos. Nenhum deles (dois garotos e duas meninas) freqüenta a escola. Com exceção de Akira, que foi apresentado aos senhorios do pequeno prédio de apartamentos onde vivem, nenhuma das outras crianças pode fazer barulho ou ser vista por ninguém. Oficialmente, elas não estão morando lá. Elas chegaram ao apartamento com a mudança, dentro das malas.

"Ninguém pode saber" (Daremo shiranai, 2004), do diretor Hirozaku Kore-eda, é um duro e cruel retrato do abandono infantil. A mãe, apesar de aparentar gostar dos filhos e fazer o possível para cuidar deles, tem o costume de desaparecer por uns tempos por causa de algum namorado novo. "Então eu não posso ser feliz?", ela reclama com o filho, quando este lhe pergunta sobre ir à escola. Uma manhã Akira encontra um bilhete da mãe, dizendo que iria ficar fora por uns tempos. Ela demora um mês para voltar e, logo em seguida, parte novamente, deixando as crianças abandonadas e com pouco dinheiro.

O jovem ator Yuya Yagira, com apenas 14 anos na época, venceu o prêmio de Melhor Ator no Festival de Cannes por seu ótimo retrato do garoto Akira. Na falta da mãe, ele tenta administrar a casa, cuidar dos irmãos e se virar com a falta de dinheiro. Mesmo se levando em conta que as crianças, no Japão, costumam ser mais independentes do que no ocidente, a tarefa é dura demais para um garoto de 12 anos. Kore-eda escreveu o roteiro baseado em uma história real acontecida em Tokyo nos anos 1980. Segundo artigo da Wikipedia, os fatos reais eram ainda mais terríveis do que os mostrados no filme. Um aspecto interessante das filmagens é que elas foram feitas cronologicamente, ao longo de um ano. Assim, as estações do ano e a própria mudança física das crianças foi capturada conforme iam acontecendo. Conforme os meses passam, Akira e os irmãos começam a passar fome e por apuros financeiros. A água e a eletricidade são cortados, e eles não querem pedir ajuda à polícia por medo de serem separados. Aos poucos, eles vão se arriscando mais e passam a sair do apartamento com mais frequência, seja para procurar comida ou lavar as roupas na torneira do parque. Outros personagens acabam aparecendo, como uma garota tímida que, por ser perseguida na escola, não frequenta as aulas e acaba conhecendo os irmãos.

Não é um filme fácil. É longo (duas horas e vinte minutos), lento e, a bem da verdade, cada vez mais deprimente. Tudo isso culminando em uma cena de arrepiar nos arredores de um aeroporto, à noite, com os aviões passando e duas crianças puxando uma mala. Filme disponível em DVD.

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