domingo, 12 de abril de 2009

Cinturão Vermelho

Um filme sobre princípios. Há quanto tempo você não vê um desse tipo? Há quanto tempo, falando nisso, você não escuta falar em princípios fora da tela também? Cinturão Vermelho é dirigido por David Mamet, um dramaturgo que criou um estilo próprio de escrever e dirigir cinema (apesar do próprio, em uma das entrevistas vistas nos extras do DVD, dizer que não sabe o que é "estilo"). Mamet prega a simplicidade acima de tudo. Em um de seus livros, "On directing film", ele diz que a melhor resposta para a pergunta "onde vamos colocar a câmera?" é simplesmente "ali". A câmera deve ficar onde deve, simples assim. Quando um ator lhe pergunta como ele deve atuar uma cena em que deve atravessar um corredor e abrir uma porta, a resposta de Mamet é direta: "simplesmente ande pelo corredor e abra a porta". Não é necessário criar "significados" para cenas como esta, ou em nenhuma, na verdade, segundo o método de Mamet.

Isso posto, Cinturão Vermelho é um filme enganadoramente simples. É também, a bem da verdade, um filme falho. Mamet quase conseguiu o feito de produzir um "filme de luta" sem lutas. Quase.

Mike Torry (o excelente Chiwetel Ejiofor) é um professor de artes marciais que ensina "brazilian jiu-jitsu" em uma pequena academia em um canto afastado de Los Angeles. Torry é uma espécie de alter-ego da figura do diretor de cinema. Enquanto seus alunos se agarram e lutam no dojo, ele os dirige com frases curtas e simples. "Há sempre uma saída", diz ele a um aluno que está quase desmaiando em um exercício de estrangulamento. Mike é casado com uma brasileira, Sandra (a bela e eficiente Alice Braga), que não concorda muito com a mentalidade do marido. Ela desenha e vende roupas e tem um negócio razoavelmente bem sucedido, mas não entende porque o marido não consegue fazer dinheiro com a academia. A resposta é simples: ele não quer. Não se isso significar abrir mão de seus princípios ferrenhos de conduta e de moralidade. É a personificação da contradição que existe nas artes marciais: você aprende a lutar para não ter que lutar. Mas como manter esta pureza diante do mundo moderno, com seus apelos de dinheiro "fácil" e violência?

O roteiro de Mamet se torna rapidamente complicado. A trama envolve um astro de cinema (interpretado pelo comediante Tim Allen) que arruma uma briga em um bar e é salvo por Mike Torry. Em agradecimento, o ator convida Torry e a esposa para jantar em sua mansão e, sutilmente, seduz o casal. Mike é convidado para ser um dos produtores do filme em que Allen está trabalhando, e a esposa dele aparentemente se interessa pelas roupas produzidas por Sandra. Em dificuldades financeiras, tanto Mike quanto Sandra ficam interessados mas, como diz o ditado, "quando a esmola é demais o pobre desconfia". O desenrolar da trama revela a podridão do mundo contra o qual Mike lutou a vida toda. Suas idéias sobre artes marciais são transformadas em uma paródia de mal gosto em um torneio combinado feito para a TV. A esposa do astro de cinema deixa de atender às ligações de Sandra. O que está acontecendo? Há também uma advogada traumatizada por um estupro no passado que se torna aluna de Mike e um policial que faz de tudo para manter o nome da academia.
Nota pessoal, eu frequentei o mundo das artes marciais por vários anos e conheci pessoas como Mike Torry. Assim como no filme, por vezes sua integridade pode ser enervante. Mas também vi o lado comercial, que ganha rios de dinheiro com exames de faixa, torneios forjados e distribuição de medalhas a alunos que são meros números em uma fatura comercial. O filme de Mamet é bastante fiel ao mostrar estes dois lados, mais o "lado B" de Hollywood, com suas falsas promessas, decadência e vícios. Tudo isso vem embalado em um filme que nunca chega a decolar de verdade. A parte final é difícil de acreditar. Mas Mamet faz uma homenagem aos velhos filmes de samurai e aos westerns italianos. A figura do mestre solitário enfrentando a tudo e a todos no final é típico dos duelos de antigamente. Como disse, é um filme de lutas, mas não do mesmo modo que um filme de Jean-Claude Van Damme, por exemplo. O importante não é ver corpos musculosos se batendo. As lutas em "Cinturão Vermelho" são frutos do roteiro e parte integrante do mundo que representam. Para nós brasileiros, é curioso ver o Brasil citado tantas vezes no filme, assim como a presença de Alice Braga e Rodrigo Santoro em um filme de David Mamet.
Cinturão Vermelho está disponível em DVD, com fartos extras. Um filme falho, mas bastante interessante.


nota: o trailer a seguir contém SPOILERS e revela muito do filme

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