domingo, 18 de julho de 2010

3º Dia: III Festival Paulínia de Cinema

O III Festival Paulínia de Cinema teve ontem a exibição do ótimo "Cinco vezes favela, agora por nós mesmos". Também foram exibidos o curta regional "Nicolau e as árvores", o documentário "São Paulo Companhia de Dança" e o curta nacional "Estação".

"Nicolau e as árvores" foi dirigido por Lucas Hungria, que ganhou edital do II Festival de Cinema e Meio Ambiente de Guararema. A trama é simples e mostra o amor (ou obsessão) de um garoto pelas árvores. O filme é bem simples e tecnicamente pobre. Gravado em Guararema, em uma região verde e arborizada, o roteiro faria mais sentido, talvez, se Nicolau vivesse em uma "selva de pedra" como São Paulo.


"São Paulo Companhia de Dança" é um belo documentário dirigido por Evaldo Mocarzel. Vários bailarinos e bailarinas da companhia estavam presentes ao festival e subiram ao palco com o diretor e o editor do filme. Mocarzel disse que o documentário não tem entrevistas porque o cinema e a dança podem prescindir das palavras. Disse também que gosta muito de dança e que o filme é uma "celebração ao corpo, que é o instrumento de trabalho e a própria obra".

De fato, o corpo dos dançarinos é o foco do documentário. Usando câmeras digitais presas aos próprios bailarinos, os diretores de fotografia Alziro Barbosa, Fabiano Pierri e Milton Jesus colocam o espectador na dança. Acompanhamos os exaustivos ensaios dos dançarinos enquanto treinam a coreografia de um novo espetáculo. Músculos, pernas, troncos e principalmente mãos e pés são focalizados em detalhes. Estes últimos, envoltos em sapatilhas, apresentam as marcas do ofício, como bolhas dolorosas. O diretor chamou o trabalho dos dançarinos de "sacerdócio", mas as imagens dos ensaios lembram também a disciplina rígida de uma arte marcial.

A edição de Marcelo Moraes é primorosa. Mocarzel e Moraes me disseram que havia perto de 100 horas de material bruto para ser montado, e o editor declarou que foi o trabalho mais exaustivo que fez na vida. Mocarzel queria que os próprios gestos gerassem os cortes, e há uma série impressionante de sequências de ensaios intercaladas por pequenas jóias, como o corte que parte do grande espelho na sala de dança para os pequenos espelhos usados pelas bailarinas para se maquiarem.

O único porém é a longa duração do filme que, sem diálogos e saturado de imagens e música, acaba por ficar um pouco cansativo. Mas é uma bela obra, regada a música clássica e, claro, muita dança.

"Estação", de Márcia Faria, é muito bem feito tecnicamente, mas deixa a desejar. Conta a história de uma garota (Carol Abras), aspirante a atriz, que aparentemente está morando no Terminal Rodoviário do Tietê, em São Paulo, enquanto faz alguns trabalhos. Lembrando "Terminal", de Steven Spielberg, o filme mostra a garota trocando de roupa no banheiro, se limpando com lenços umedecidos e se alimentando de lanches. De vez em quando fala com a mãe pelo telefone, fingindo que mora em um apartamento. O curta termina como começa, sem nenhuma explicação ou resolução. "Estação" foi apresentado no Festival de Cannes este ano.

O longa-metragem "Cinco vezes favela, agora por nós mesmos" foi a grande estrela da noite. Os produtores Cacá Diegues e Renata de Almeida Magalhães, assim como vários membros do elenco e técnica, também subiram ao palco antes da exibição. Cacá Diegues foi um dos cinco diretores que, em 1962, lançou "Cinco Vezes Favela", um dos marcos do Cinema Novo. Diegues disse que tem muito orgulho deste novo filme, apesar dele não ter nenhuma imagem feita por ele. O projeto foi realizado através de oficinas nas comunidades do Rio de Janeiro e tanto roteiro quanto direção, além de grande parte do elenco, vieram dessas oficinas. O que mais chamou a atenção no resultado final é o bom humor e o clima otimista dos curtas. Com exceção de um deles, os episódios não seguem os estereótipos encontrados nos "filmes de favela", com seus traficantes, violência e mortes. Estes assuntos são abordados, mas de forma positiva.

Em "Fonte de renda", Maycon é um jovem esforçado que consegue entrar para a Faculdade de Direito. Ele tem dificuldades em pagar o alto custo dos livros e material didático, e sequer tem dinheiro para o ônibus. Um dia um colega de sala, sabendo que ele mora na favela, pede para que ele lhe traga drogas. A princípio Maycon se recusa, mas as dificuldades financeiras fazem com que ele comece a trazer pequenas quantidades de drogas para seus colegas "playboy" da sala. O tema, delicado, é tratado de forma respeitosa e o filme passa uma boa mensagem sem ser didático ou pedante.

"Arroz com feijão" mostra a luta de um garoto para comprar um frango para o jantar do pai, que não aguenta mais comer só arroz com feijão todos os dias. O episódio é muito engraçado e a interpretação dos atores infantis é ótima.

"Concerto para violino" investe mais no clichê do filme violento de favela. Três amigos de infância (um homem branco, um negro e uma mulher negra) enfrentam uma situação violenta iniciada a partir do roubo das armas de um batalhão do exército. Há certo exagero na caracterização tanto dos bandidos quanto da polícia, maniqueísmo que foi evitado nos outros episódios.

"Deixa voar" mostra a tradicional brincadeira de soltar pipas e como homens feitos, além das crianças, a levam a sério. Um pipa acaba caindo do outro lado do rio e um garoto é enviado, contra a vontade, para buscá-la. O que ele encontra acaba sendo uma boa surpresa.

"Acende a luz", o último episódio, mostra uma véspera de Natal no morro. A energia caiu e a comunidade está inquieta por causa dos preparativos para as festas. Um carro de técnicos da companhia elétrica diz que "vai buscar uma peça" e deixa os moradores na mão. Mas um técnico empenhado resolve subir a favela e tentar resolver o problema.

Os episódios foram dirigidos por Manaira Carneiro, Wagner Novais, Rodrigo Felha, Cacau Amaral, Luciano Vidigal, Cadu Barcellos e Luciana Bezerra, com Direção de Fotografia de Alexandre Ramos e Edição de Quito Ribeiro.


2 comentários:

Amanda Cotrim disse...

oi...
me diz uma coisa, a moça que aparece na foto do filme "Estações", aí no blog, é da Marcia Farias ou da Carol Abras?

Apesar de nao ter visto o filme, pela breve sinopse, acredito ser um filme que trata das entrelinhas do "ser ator na cidade de são Paulo'. Nao sei, posso estar equivocada, afinal, nao vi o filme, mas, quero conferir.
bjos

Amanda

João Solimeo disse...

A atriz da foto é a Carol Abras. A "breve sinopse", na verdade, é praticamente o roteiro do curta que, sim, é sobre uma aspirante a atriz morando no terminal Tietê enquanto faz uns "bicos".