terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Lincoln

Há uma cena em "Lincoln", mais novo filme de Steven Spielberg ("Cavalo de Guerra"), em que vários militares e funcionários da Casa Branca estão aguardando uma notícia ao lado do telégrafo, e o presidente Abrahan Lincoln, cansado de esperar, começa a contar uma anedota. Um dos presentes diz: "Acho que não aguento escutar outra de suas histórias neste momento!".  A cena, de forma proposital ou não, ilustra bem o que significa assistir a este filme: apesar de bem feito e frequentemente interessante, "Lincoln" é lento e verborrágico. É um projeto antigo de Spielberg, que trabalha com sua equipe habitual: Janusz Kaminski na ótima fotografia, Michael Kahn na edição, John Williams na trilha sonora, Rick Carter nos cenários, tudo tecnicamente impecável , o que já era de se esperar. O problema está no roteiro de Tony Kushner e, por que não, na direção de Steven Spielberg, excessivamente baseada nos diálogos. É estranho ver um diretor como ele, que sempre foi um mestre em contar histórias através de imagens, filmar atores trocando longos diálogos por quase três horas. O filme se parece tanto com um especial de algum canal a cabo que vários dos personagens são identificados por letreiros explicativos, do tipo "Fulano de Tal, Deputado por Illinois". É como se Spielberg, um autodidata que cresceu ávido consumidor de cinema e cultura pop, se mostrasse reverente e respeitoso demais com a História com "H" maiúsculo.

O filme se passa nas semanas finais da Guerra de Secessão (conflito entre o Norte abolicionista e o Sul escravagista entre 1861-1865). O presidente Lincoln (o extraordinário Daniel Day-Lewis) luta para conseguir aprovar a 13ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos, proibindo a escravidão. Não só os estados do Sul, dependentes da mão de obra negra em suas plantações, são contra a medida. A abolição da escravatura é um tema delicado e, na Câmara dos Deputados, o Partido Republicano (de Lincoln) não tem votos suficientes para passar a nova lei. Cabe ao chefe de gabinete William Seward (David Straitharn, de "Boa Noite, Boa Sorte"), tentar convencer membros do Partido Democrata a votar junto com o governo. É interessante saber que, naquela época, os conservadores eram os democratas, contra os "radicais" do Partido Republicano (exatamente o oposto dos dias de hoje). Lincoln e equipe usam de métodos extremamente duvidosos para tentar conseguir este feito, inclusive oferecendo cargos em troca do apoio dos democratas. Outra questão moralmente duvidosa levantada pelo filme é o uso político de Lincoln do conflito entre o Norte e o Sul. Na Guerra de Secessão morreram quase um milhão de americanos e na época mostrada no filme o Sul já estava fraco e aberto a negociações de paz. O problema é que se a guerra terminasse dificilmente a lei abolicionista seria aprovada, então interessava a Lincoln que o conflito continuasse pelo menos até a votação na Câmara. Uma delegação do Sul já estava negociando a paz com o General Grant (do Norte) enquanto Lincoln tentava passar a emenda. O roteiro é detalhista nestas manobras políticas, o que não deixa de ser "educativo" mas, como cinema, é falho. A não ser que Spielberg tivesse à disposição um roteirista bom em diálogos e intrigas políticas como Aaron Sorkin (de "A Rede Social" e da série "The West Wing", passada na Casa Branca), o que não é o caso.

O elenco, é verdade, deixa tudo mais suportável. Daniel Day-Lewis cria um Lincoln que, apesar de todos os esforços do filme para santificá-lo, é extremamente humano. Seu presidente é um homem de fala mansa, carregada de ironias e anedotas, e Daniel Day-Lewis é o virtual vencedor de melhor ator no próximo Oscar (será seu terceiro prêmio). Coadjuvantes como Hal Holbrook, James Spader, Joseph Gordon-Levitt e, principalmente, Tommy Lee Jones, estão muito bem em seus papéis. Já Sally Field, careteira e exagerada, está sobrando como a esposa do presidente. Falando em Oscar, "Lincoln" está indicado a 12 categorias, mas não vem se dando bem em prêmios como o Globo de Ouro, por exemplo, em que perdeu para "Argo", de Ben Affleck (que também levou o prêmio de melhor diretor).

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