segunda-feira, 15 de julho de 2013

A Espuma dos Dias

Há dezenas de coisas acontecendo ao mesmo tempo em cada quadro de "A Espuma dos Dias", e é certo que o filme pode ser estudado infinitamente por pesquisadores de semiótica, discurso, poética ou mesmo entusiastas por efeitos especiais antigos. O que não significa, porém, que o mais novo filme de Michel Gondry seja bom. Com mais de duas horas de duração e passado em um mundo bizarro que mais parece uma viagem pelos sonhos e pesadelos de uma noite mal dormida, "A Espuma dos Dias" atira para todos os lados, indo do romance ao drama, do doce ao violento, do intelectual ao mundano.

Colin (Romain Duris) é um cara rico que mora em Paris. Ele tem um cozinheiro/advogado particular chamado Nicolas (Omar Sy, de "Intocáveis") e um rato de estimação. O ratinho é "interpretado" por um homem vestido de rato (como no "Mundo de Beakman") que mora em uma réplica em miniatura do apartamento de Colin. Nicolas, o cozinheiro, segue as receitas de um "chef" da televisão, só que não é uma televisão comum; há aparelhos dentro dos armários, do forno, da geladeira. A campainha do apartamento, quando toca, se transforma em um inseto animado em stop-motion. Os sapatos de Colin se mexem sozinhos e brigam com os cachorros. Tudo parecido com alguma produção infanto-juvenil da Disney, não fosse o fato deste ser um filme "sério", que trata da doença terminal de Audrey "Amélie Poulain" Tautou (de "A Delicadeza do Amor"), uma moça que Colin conhece em uma festa. Os dois se casam e os três vão para a lua-de-mel (sim, três, porque Nicolas vai junto). Durante uma noite fria, um plano visto de dentro do corpo de Tautou mostra que "algo" entrou no pulmão dela. Meses depois, o médico (interpretado pelo próprio Michel Gondry) dá o diagnóstico: ela tem uma flor-de-lótus crescendo no pulmão direito, e o tratamento consiste em ser cercada por flores 24 horas por dia e tomar umas pílulas estranhas.

O leitor já deve ter entendido que o filme é extremamente bizarro. Baseado em um livro escrito por Boris Vian em 1947 (e já filmado duas outras vezes, uma delas no Japão), o roteiro foi adaptado por Gondry e pelo produtor Luc Bossi. Gondry sempre se destacou pela inventividade visual, explorada em ótimos videoclips (como este de Kylie Minogue) ou filmes como "Brilho eterno de uma mente sem lembranças" (2004), escrito pelo roteirista americano Charlie Kaufman. "A Espuma dos Dias" lembra muito outros filmes escritos por Kaufman, como "Quero ser John Malkovich" (1999), "Adaptação" (2002) ou, principalmente "Sinédoque, Nova York" (2008). Em uma era em que a computação gráfica tomou conta do cinema, há diversos efeitos especiais mecânicos muito interessantes, e Gondry merece elogios pela ousadia de fazer cenas em stop motion (animação quadro a quadro), projeções, escala, etc. O problema é que eles são jogados pelo filme nas formas mais bizarras, e frequentemente se chocam com o tom das cenas. É um filme dramático (e extremamente triste) filmado como uma fantasia, sem motivo aparente (além de "estilo"). Visto no Topázio Cinemas, Campinas.

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