terça-feira, 16 de setembro de 2014

O Mercado de Notícias

O premiado diretor e roteirista gaúcho Jorge Furtado volta às telas com um documentário em que analisa o Jornalismo. E o faz de forma tão didática que não é difícil imaginar que o filme seja adotado em breve por faculdades pelo país. Furtado, famoso pelo estilo multimídia e metalinguístico que o consagrou desde o curta "Ilha das Flores" (1989), mistura linguagens aqui novamente ao mesclar cinema com teatro (em ótima montagem do habitual colaborador Giba Assis Brasil).

"O Mercado de Notícias" (The Staple of News, 1631) , segundo explica o próprio Furtado no início do filme, é uma peça de teatro escrita no século 17 pelo dramaturgo inglês Ben Jonson, que era contemporâneo de Shakespeare. Usando atores, Furtado intercala as tradicionais "cabeças falantes" do documentário com cenas da peça de Jonson, encenadas a caráter em um palco de teatro. A técnica lembra a usada pelo grande documentarista brasileiro Eduardo Coutinho (que morreu no início do ano) em filmes como "Jogo de Cena" e "Moscou".

O lado mais tradicional do documentário conta com uma série de entrevistas feitas com jornalistas como Mino Carta, Janio de Freitas, Cristiana Lobo, José Roberto de Toledo, Luís Nassif, entre outros. Discute-se a importância das fontes e os perigos de um jornalista se tornar amigo delas. Fala-se sobre Ética e sobre a complicada relação entre a integridade jornalística e a necessidade da empresa de fazer dinheiro. Joga-se por terra a mítica imparcialidade jornalística, afinal toda empresa e todo indivíduo têm seu viés.

Há uma sequência que investiga o caso do "objeto" que teria acertado o candidato à presidência da república José Serra durante a campanha de 2010. Apesar de tanto Serra como parte da imprensa ter em tentado passar a notícia de que ele havia sido atingido por um objeto pesado, Furtado mostra por cinco ângulos diferentes que uma bolinha de papel foi arremessada contra a cabeça do candidato; o documentário inclusive chega a mostrar um possível culpado pela suposta agressão. "Qual a porcentagem de certeza que um jornalista precisa ter para acusar alguém?", pergunta Furtado. (leia mais abaixo)


Há também espaço para o humor. O cineasta investiga uma matéria publicada pela Folha de S. Paulo sobre um suposto quadro de Picasso que estaria em uma agência do INSS em Brasília. Mesmo o quadro original se encontrando em Nova York e o de Brasília ser claramente uma reprodução barata, jornais como a Folha, Estadão e revistas como a Isto É publicaram matérias sobre o "Picasso do INSS". Furtado chega a ir a Nova York para gravar o quadro verdadeiro. Pior, ele descobre que o quadro (uma mera cópia) que está no INSS foi usado para quitar uma dívida com a União. Nenhum jornalista investigou o caso.

Paira por todas as entrevistas o "fantasma" do futuro do Jornalismo, supostamente ameaçado pela rapidez na internet e pelo imediatismo da vida moderna. O que fica é que, apesar de tudo, o Jornalismo ainda será necessário nos tempos que virão. Resta aos jornalistas, e ao público consumidor de notícias, decidir seu caminho.

O site oficial tem muito material extra e informações sobre o filme.

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