segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Aquarius (2016)

Em "AQUARIUS" Kleber Mendonça Filho trás de volta temas já explorados em seu ótimo filme de estreia, "O Som ao Redor", que era uma curiosa observação sobre o cotidiano de uma vizinhança do Recife, Pernambuco. É como se naquela mesma paisagem morasse uma jornalista e escritora aposentada chamada Clara (Sônia Braga, em grande sacada de Mendonça na escolha do elenco); ela tem 65 anos e mora sozinha em um prédio de dois andares chamado "Edifício Aquarius". Todos os apartamentos foram comprados por uma construtora que, quase que diariamente, assedia Clara para que ela também deixe o prédio. Em troca, eles oferecem uma compensação financeira acima da média do mercado.

Mas Clara não está interessada no dinheiro. Até porque ela o tem (e, aparentemente, muito; ela declara em uma cena que tem 5 apartamentos e várias outras fontes de renda). O apartamento no Edifício Aquarius é, ao mesmo tempo, o refúgio e a cápsula do tempo de Clara, que mora ali há décadas, criou os filhos, escreveu seus livros e enterrou o marido. Ela agora vive cercada por centenas e centenas de discos de vinil, livros, fotos (em papel) e móveis. Uma empregada "da família" é, ao mesmo tempo, cozinheira, babá dos netos de Clara e confidente. Os filhos grandes procuram não se envolver, a não ser Ana Paula (Maeve Jinkings), que é claramente a favor de que a mãe deixe o prédio. Ela inclusive entrou em contato com a construtora e andou conversando pelas costas da mãe (senti uma referência sutil a "O Poderoso Chefão" na cena em que Clara diz a Ana Paula que ela não deve negociar pelas costas dela). O filme é envolvente, embora extremamente lento. É necessário se adaptar ao ritmo da vida de aposentada de Clara, que passa os dias a escutar discos, ir à praia e visitar amigas e parentes. A intromissão da construtora afeta esta vida cuidadosamente controlada e revela uma Clara diferente da impressão calma que passa.

Com duas horas e vinte e dois minutos, há momentos que poderiam ter sido descartados na edição, como um prólogo passado na década de 1980, por exemplo, que não é tão relevante (a não ser fazer parte da viagem saudosista do roteiro e estabelecer que Clara havia tido um câncer, mas isto fica bem claro em outras partes do filme). Há cenas de sexo bastante explícitas que inclusive levaram, inicialmente, a uma classificação indicativa de 18 anos (baixada para 16 depois da pressão pública). Às vezes a tensão causada pela pressão da construtora acaba se perdendo em cenas um tanto repetitivas de Clara escutando discos ou em mais uma reunião de família. Neste ponto, achei que "O Som ao Redor" foi um trabalho melhor finalizado. Mas é um filme que cresce no espectador. Sônia Braga, estrela internacional que se encontrava praticamente aposentada, ganha nova vida com este filme e ela realmente está muito bem.

João Solimeo

Câmera Escura

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