Mostrando postagens com marcador danny elfman. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador danny elfman. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Grandes Olhos

"Grandes Olhos" começa com a fuga de Margaret (Amy Adams) de sua casa, localizada em uma rua que parece ter saído diretamente do cenário de "Edward Mãos de Tesoura". Ela arruma as malas rapidamente, coloca a filha única no banco de trás do carro e parte para São Francisco, fugindo de um casamento problemático. O que este começo nos diz? Que Margaret é uma mulher que luta pelo que quer; que, em plenos anos 1950, teve coragem de largar um casamento ruim e tentar a vida sozinha na cidade grande. Certo?

Pois é, este é só um dos grandes problemas do roteiro de "Grandes Olhos" (não, não é a biografia de Emma Stone), filme dirigido por um Tim Burton tentando ser diferente. "Grandes Olhos" conta a história de uma mulher que se submeteu a um homem por vários anos, que tomou crédito pelo trabalho dela e a escondeu do mundo. Por que, então, começar o filme desta maneira?

Margaret era uma artista de um trabalho só. Sua marca registrada era pintar quadros mostrando crianças tristes com olhos enormes, que ninguém queria comprar. Ela então conheceu Walter Keane (Christoph Waltz), outro suposto artista que, charmoso e vendedor nato, pintava quadros de Paris, onde dizia que havia morado e estudado Belas Artes. Ele convence o dono de um bar de jazz a expor seus trabalhos e os da esposa no corredor do banheiro da casa. Ninguém liga para suas paisagens parisienses, mas aos poucos os quadros da esposa começam a chamar a atenção e Walter, egocêntrico, diz que ele é o autor das obras. (leia mais abaixo)


Margaret, a mulher que foi apresentada como alguém independente e mãe solteira, inexplicavelmente aceita o papel de coadjuvante na farsa criada por Walter, que sequer era violento (ainda não, pelo menos) com ela ou a filha. O roteiro (escrito por Scott Alexander e Larry Karaszewski, de filmes muito melhores como "O Povo contra Larry Flynt", "O Mundo de Andy" e "Ed Wood") quer que o espectador acredite também que nem a filha de Margaret, que morava com ela e o pai adotivo em um apartamento pequeno, sabia que era a mãe que pintava os famosos quadros.

Christoph Waltz ("Django Livre"), que é ótimo ator, está completamente errado como Walter Keane, um americano do Nebraska que Waltz interpreta com seu sotaque europeu. Amy Adams ("Trapaça") está um pouco melhor, embora passe quase todo o filme com a mesma expressão desesperada. O roteiro perde ótimas oportunidades de discutir o que é "Arte" no século XX, ou "na era da reprodutibilidade técnica", como diz o famoso ensaio de Walter Benjamin. O tema é apenas sugerido de forma superficial na abertura, que mostra uma gravura de Keane sendo produzida em série e em algumas referências a Andy Warhol. Há apenas um crítico de arte (interpretado por Terence Stamp) que chega a discutir o valor dos quadros, mas tudo termina com uma cena de briga com Keane que beira o ridículo (com direito até a um close de Stamp segurando um garfo perto do rosto).

Lá pelas tantas Margaret foge novamente com a filha, que pergunta à mãe como é que elas vão sobreviver, já que não têm sequer roupas. Margaret responde "vamos ao Havaí, lá é um paraíso e não precisaremos de roupas". Se Margaret era tão submissa e controlada pelo marido, como ela tinha acesso ao dinheiro? Como conseguiu se mudar com a filha para uma casa enorme no Havaí e se manter lá escondida do marido? Tudo termina em uma sequência passada no tribunal, onde (finalmente) o óbvio é feito; quem conseguir provar que sabe pintar um quadro com os "grandes olhos" é o autor original.

É bom saber que Tim Burton tenha tentado fazer algo diferente do seu estilo convencional (nem Johnny Depp está neste filme, o que me deixou curioso em saber como ele faria Walter Keane). Pena que Burton tenha escolhido um roteiro tão fraco. Sua outra biografia, "Ed Wood" (1994), era muito melhor e mais adequada ao seu estilo. Para terminar, você fica se perguntando qual a importância de tudo aquilo. E se descobrissem que Romero Britto não pintou seus quadros? Pois é.

João Solimeo
Câmera Escura

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Procedimento Operacional Padrão

Errol Morris tem um estilo único de documentário. Ele se especializou em capturar depoimentos em que o entrevistado olha diretamente para a câmera, através de um equipamento que ele idealizou e batizou de “Interrotron” (simplificando, o aparelho projeta uma imagem de Morris na frente da lente da câmera, que é para onde o entrevistado fica olhando). O resultado é que temos contato visual direto com os entrevistados, ao invés do padrão geralmente seguido na televisão e no cinema, em que o entrevistado fica sempre olhando para alguém fora de quadro, ao lado da câmera. Isso resulta em uma intimidade maior com o entrevistado e com o assunto. Após uma série de documentários e de programas de televisão, Morris venceu o Oscar em 2004 com o perturbador “A Névoa da Guerra” (The Fog of War), em que o entrevistado é Robert McNamara, considerado um dos “pais” da Guerra do Vietman.

Em “Procedimento Operacional Padrão” (Standard Operating Procedure), Morris investiga as famosas (e terríveis) fotos feitas pelos soldados americanos na Prisão de Abu Ghraib, Iraque. Elas revelam todo tipo de crueldade e desrespeito praticado por homens e mulheres americanos contra os presos iraquianos, como humilhação, tortura e até morte. Ou será que não? Os soldados mostrados nas fotos são os responsáveis pelos abusos mostrados? E se não foram eles, quem é que realmente praticou os atos de tortura mostrados nas fotos? O filme é apenas parcialmente bem sucedido em responder a estas questões. O documentário conta com depoimentos dos próprios soldados mostrados nas fotos mas, infelizmente, Morris parece preocupado demais com o visual do filme, em detrimento do assunto tratado. “Procedimento Operacional Padrão” conta com um visual extremamente estilizado e cheio de gráficos e recriações dos eventos narrados pelos personagens. A música de Danny Elfman emula com perfeição Philip Glass, colaborador habitual de Morris, com seus padrões repetitivos e constantes. Mas o que os entrevistados estão dizendo, afinal? Que ao posar sorrindo ao lado de um prisioneiro que foi torturado até a morte, eles estão isentos de culpa? Que empilhar prisioneiros nus em pirâmides humanas ou em posições sexuais é apenas uma forma de diversão? Uma das soldados, uma mulher chamada Lynndie England, aparece em uma foto segurando um prisioneiro com uma coleira. Em seu depoimento, no entanto, ela diz que se pode ver que a corda está frouxa, e que ela não estaria realmente puxando o prisioneiro. As fotos seriam, então, apenas “encenações” dos soldados. Um nome em especial é repetido com freqüência, um tal Sargento Graner (que não aparece no filme), que teria sido o “diretor” da maioria dessas encenações para a câmera.

Isso significa, então, que as torturas não foram reais? Não exatamente. Os prisioneiros mostrados nas fotos, assim alegam os soldados entrevistados, haviam sido torturados sim, não por eles, mas por agências do governo como a CIA e o FBI. Um soldado diz que era prática comum a CIA aparecer com um prisioneiro “fantasma”, que não deveria ser registrado oficialmente ou revelado para a Cruz Vermelha. No caso do prisioneiro morto que aparece em algumas das fotos, ele teria sido envolvido em sacos de gelo e deixado em um dos banheiros, com a porta trancada. Os soldados americanos, usando uma chave reserva, lá entraram e tiraram fotos como aquela em que Sabrina Harman aparece sorrindo e fazendo sinal de “positivo” com o polegar.

O assustador no documentário é a constatação de que, não fossem as tais fotos (encenadas ou não, “brincadeiras” ou não), as torturas de Abu Ghraib não seriam reveladas. Vivemos na chamada “Era da Informação” que, na verdade, é a “Era da Imagem”. Os soldados mostrados nas fotos (todos de patente relativamente baixa) foram punidos pelas torturas ou simplesmente por terem posado para as fotos? E o que acontecia quando não havia câmeras por perto?