quarta-feira, 23 de julho de 2008

Nome Próprio

Orkut. Blog. Fotolog. MSN. MySpace. Hotmail. Google. Skype. Youtube. Gmail. Blogger... há dez anos, grande parte destas palavras sequer existia. Hoje há pessoas que passam suas vidas, ou grande parte delas, se expondo online através destas ferramentas. Eu não sou exceção e, se você está lendo este texto agora, é bem possível que também não seja. "Nome Próprio" é um filme forte e atual sobre uma moça que é personagem de si mesma. Uma mulher que decidiu que vai "viver intensamente" e que, quando a vida não é intensa por si só, faz alguma coisa para puxar o próprio tapete. Uma pesquisa rápida no orkut pelas palavras "viver intensamente" retorna mais de mil resultados. Nestas comunidades você lê descrições como: "­VIVA A VIDA INTENSAMENTE, CURTA CADA MOMENTO DE SUA VIDA", ou "A vida acontece sempre no presente.. não devemos economiza-la!O melhor sempre acontece no AGORA!...". É de se pensar que tipo de felicidade é esta que se busca a qualquer preço, a qualquer momento.

O filme é estrelado por Leandra Leal, que se entrega totalmente a seu personagem, uma blogueira chamada Camila Lopes. Leandra, assim como seu personagem, se expõe despudoradamente para as lentes do diretor Murilo Salles. O filme começa com Camila, nua, sendo expulsa de casa pelo namorado, que a acusa de traição. Camila tem outra opinião. Segundo ela, ela deu apenas seu corpo, enquanto Felipe, o namorado da vez, está traindo a si mesmo. Expulsa de casa, ela logo vai morar no apartamento de outro rapaz. A primeira coisa que faz é comprar muita bebida e tirar dinheiro para poder pagar, adiantado, a conta do telefone. Seu blog vira espaço para expor publicamente sua briga com o namorado e detalhes do seu relacionamento. A web tem mão dupla e, em pouco tempo, há outros sites perguntando o que ela teria feito com o namorado. Camila então faz a seguinte declaração:

DECLARAÇÃO:Meu blog não é um diário. Aqui escrevo e ponto.Escrevo porque preciso. Melhor, vivo porque escrevo. Não quero saber de opiniões, nem de julgamentos. Não devo nada a ninguém. Por isso, meu blog não tem comentários. Menos ainda sobre minha vida. Isto aqui não é uma página interativa. Não gostou? Não lê. Simples assim.

Claro que é uma contradição. Se ela escreve só porque precisa, por que publicar na internet? O filme é muito inteligente em expor este aspecto da vida online. Por um lado, o escritor está sozinho do seu lado da tela. Mas a internet permite que, ao clicar do mouse, alguém lá na Austrália leia em poucos minutos o que você fez ontem à noite, ou veja fotos da sua última balada. Viver apenas o "agora" implica em uma vida sem conseqüências. Paixões sem amores. Causas sem efeitos. É um drama interessante "viver porque se escreve". Você escreve o que você viveu ou você vive porque vai escrever a respeito depois? No fundo, Camila é uma pessoa só e egocêntrica, que não consegue ver além dos limites do seu mundo. Sua relação com os homens também é complicada. A escolha entre transar com alguém ou não parece tão irrelevante quando clicar ou não em um link, e Camila troca constantemente de "namorados" para, em seguida, relatar suas aventuras online. Em uma espécie de feminismo às avessas, ela usa os homens para que eles lhe paguem um lugar para morar e, o mais importante, um lugar onde ela possa instalar seu computador conectado à internet. Há uma incômoda ligação entre suas ações e a prostituição. E nesta era online nem o sexo é tão simples. Em dado momento Camila passa a noite no apartamento de um nerd que é seu fã. Ela está dormindo profundamente e o rapaz lhe tira as roupas e tira algumas fotos com sua câmera digital. Ao invés de transar com a moça, ele passa as fotos para o computador e, com Camila dormindo nua às suas costas, se masturba diante do monitor.

O filme tem censura 18 anos e, de fato, há algumas cenas fortes. Emulando o aspecto "voyer" que existe na internet (com sua profusão de fotos e videos pornográficos) acompanhamos uma longa (e incômoda) cena de sexo entre Camila e um rapaz que ela conhece em um bar. O plano é feito sem cortes e, repito, Leandra Leal se entrega totalmente ao papel, de modo a desaparecer sob a personagem de Camila. Ela se expôe nua por tanto tempo na tela, aliás, que depois de certo tempo deixamos de notar sua nudez e a encaramos com estranha intimidade.

"Nome Próprio" tem, claro, vários sites na internet. Camila pode ser um exemplo extremo do internauta de hoje. Mas ela é um quadro bastante complexo da juventude atual e da cultura do "agora". Uma cultura que exige fidelidade sem praticá-la. Que quer ser livre mas ainda fala de amor. Que quer ficar com todo mundo mas, no fundo, ainda espera a chegada do "príncipe encantado". Nem que ele venha por e-mail.

2 comentários:

Anônimo disse...

Fala John, excelente sua crítica, por causa dela fui ver o filme ontem e gostei demais. Atuação da Leandra Leal é coisa de louco, impressionante. Cinema brasileiro com colhões! E vc, leu o livro?

João Solimeo disse...

O filme é baseado em dois livros e no blog de Clarah Averbuck. Não os li, então não sei até que ponto o filme é fiel ou não. Mas já dei uma olhada e lida nas encarnações online do filme e são muito interessantes. "Nome Próprio" tem blog (com alguns dos posts vistos no filme), tem orkut, tem fotolog, tem Myspace, youtube...um inteligente marketing viral que é, ao mesmo tempo, o filme expandido para a realidade.

Abs.

João Solimeo