quarta-feira, 9 de março de 2011

Trabalho Interno

Ao subir ao palco do "Kodak Theater" para receber o Oscar de Melhor Documentário em 27 de fevereiro deste ano, o diretor Charles Ferguson salientou que nenhum executivo mostrado em seu filme havia sido preso por fraude finaceira. "E isso é errado", disse ele. Ferguson detalha, nas cinco partes de seu documentário, como é que a maior crise financeira da história americana se formou, implodiu e foi resgatada pelo governo americano, enquanto milhões de pessoas perderam suas casas e empregos mundo afora.

Não é uma história fácil de acompanhar; mas o roteiro de Ferguson, a narração de Matt Damon e o uso de vários gráficos ajudam o espectador a entender um mundo em que termos como "derivativos" e siglas como "DCOs" são usados normalmente. Basicamente a crise de 2008 foi causada pela exploração do mercado imobiliário. Antigamente, diz o documentário, um banco emprestava dinheiro para alguém esperando receber de volta. A hipoteca era paga ao longo de vários anos e o investimento era razoavelmente seguro para ambas as partes. Com o crescimento das instituições financeiras, as coisas mudaram. Hoje, os bancos vendem um conjunto de hipotecas para uma instituição financeira que, por sua vez, as agrupa em "pacotes" que são revendidos para outras instituições. Estes pacotes são avaliados por firmas especializadas em dar "notas" para pacotes de investimento; os melhores são classificados como "AAA" (triplo A).

Está acompanhando? O problema é que isso causa uma negociação ilusória, que aparentemente não depende mais do pagamento do dinheiro que foi emprestado no início da cadeia. As financeiras juntam estes grandes pacotes de hipotecas (que são, na verdade, dívidas) e usam este "dinheiro" para jogar na bolsa de valores ou nas companhias de seguros. Em vários casos, era mais lucrativo para uma empresa de seguros (como a gigante AIG, por exemplo) torcer contra seus investimentos. Muitos executivos financeiros apostavam milhões de dólares na falência dos mesmos papéis que eles passavam para frente como "rentáveis".

Quando o inevitável aconteceu e as pessoas não puderam pagar suas hipotecas (no início da cadeia), tudo desmoronou. Bancos como "Lehman Brothers" e seguradoras como a "AIG" não tinham dinheiro para honrar seus papéis e entraram em falência, mesmo tendo seus investimentos sido avaliados como "triplo A" poucos dias antes. O governo americano foi chamado para "resgatar" estas empresas e um pacote de 700 bilhões de dólares foi dividido entre as empresas "culpadas" pela crise, como Goldman Sachs, AIG, Merrill Lynch e outras. O mais assustador no documentário, no entanto, é o fato de que a maioria dos executivos destas empresas trabalharam ou trabalham em altos cargos do próprio governo americano, servindo como diretores do tesouro ou presidentes do "Federal Reserve" por décadas. Outro ponto preocupante levantado é que as escolas de economia como Harvard ou Columbia, formadoras dos executivos de amanhã, também são geridas por estas mesmas pessoas, que são contrárias a qualquer tipo de regulamentação e tem como objetivo proteger as instituições financeiras, e não o público.

Nem o presidente Barack Obama, que subiu à Casa Branca prometendo terminar com a "farra" em Wall Street, sai ileso; a resposta de Washington depois da crise foi quase nula e vários dos envolvidos ocupam agora postos chaves do governo. Enquanto milhares de pessoas perderam seus empregos e suas casas, os executivos continuam ganhando milhões de dólares em bônus todos os anos. Um retrato assustador de como funciona o mercado financeiro americano e como suas ações refletem em todo o mundo.


2 comentários:

Celbi P. disse...

É um tema muito interessante e que a maioria das pessoas não consegue entender - como começou a crise? e por que a resolução é tão estranha? Uma parte da minha monografia da pós tratou desse tema olhando pelo lado do Brasil. Espero que esse documentário encontre um bom público.

João Solimeo disse...

O Oscar pode ajudar a encontrar público, mas mesmo um filme como "Lixo Extraordinário", considerado bem sucedido, teve "só" 50 mil espectadores no Brasil.

"Trabalho Interno" foi chamado de "didático" por muito críticos, mas achei um filme sóbrio e sério sobre o assunto. O diretor não quis fazer só "oba oba" no estilo Michael Moore, mas fez praticamente uma tese sobre os motivos da crise e seus desdobramentos. Gostei bastante.