sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

O Artista

"O Artista" é uma das mais puras homenagens feitas pelo cinema ao próprio cinema. É daqueles filmes que fazem o espectador querer sair dançando da sala e, por um momento, esquecer dos problemas do mundo. Dançando e pensando, pois apesar de parecer um culto ao escapismo de Hollywood, "O Artista" é muito mais, é uma reflexão sobre o próprio cinema e sobre a arte em geral.
Escrito e dirigido pelo francês Michel Hazanavicius, "O Artista" é um bilhete em uma máquina do tempo para o início do século XX e o surgimento de Hollywood. Uma época em que os filmes podiam ser mudos, mas nunca eram silenciosos. Hollywood, por mais que representasse o cinema "americano", foi o lugar para onde fugiram pessoas das mais variadas origens e credos; ela podia se localizar nos Estados Unidos, mas era universal. Atores que falavam com carregado sotaque europeu como o italiano Rodolfo Valentino (1885-1926) podiam ser estrelas de cinema pois suas vozes eram apenas imaginadas pelo público, que mantinha os olhos grudados na tela e eram auxiliados por uma orquestra ao vivo que acompanhava a projeção. Tudo isso mudou em 1927, quando um filme chamado "The Jazz Singer" apresentou alguma cenas faladas e cantadas; o público ficou encantado e a indústria cinematográfica teve que se adaptar à nova tecnologia.

"O Artista" começa exatamente em 1927, quando George Valentin (Jean Dujardin) era a maior estrela do cinema. O tom de metalinguagem já é estabelecido desde a primeira cena, que mostra a exibição de um filme de Valentin em uma daquelas salas gigantes, lotada, e Valentin e a equipe aguardam o término da projeção atrás da tela. "O Artista" não só é em preto e branco como também é mudo, assim como o filme que passa dentro do filme. A trilha de Ludovic Bource acompanha as imagens fielmente, estabelecendo o tom e reforçando as emoções. Valentin conhece por acaso a bela aspirante a atriz Peppy Miller (Bérénice Bejo) e os dois chegam a fazer uma pequena cena juntos, mas a indústria está mudando. A chegada do som joga Valentin no limbo das estrelas do cinema mudo, enquanto Miller representa a nova geração do cinema falado.

Please Be Silent
Há uma enorme quantidade de pequenos detalhes que mostram com que carinho e dedicação este filme foi feito. Durante a projeção no início, por exemplo, quando se mostra a equipe aguardando o final do filme, há uma placa que, ironicamente, diz "Faça silêncio quando estiver atrás da tela". E o que dizer da cena em que Valentin é dispensado pelo estúdio e encontra Miller em uma escada? Repare como, nesta cena, a garota está em um nível acima do ator, que se encontra em um momento complicado da carreira, abaixo. Em outra cena mais à frente, os dois estão em um restaurante, e a atriz está dando uma entrevista a um repórter de rádio (que representa o cinema falado), enquanto Valentin está de costas para a garota; ele está, literalmente, dando as costas para a nova tecnologia. Quando o ator se desespera e acaba indo parar em um hospital, a garota vai visitá-lo no quarto 27, extamente o ano em que surgiu o cinema falado.

Cena de "Cidadão Kane", 1941
Há pelo menos três homenagens ao filme "Cidadão Kane", de Orson Welles, de 1941. Mesmo não sendo um filme mudo, "Cidadão Kane" foi pioneiro em uma série de efeitos sonoros trazidos por Welles do rádio. A famosa sequência que mostra o distanciamento de Kane e a esposa através de cenas passadas na mesa do jantar é reproduzida em sequência parecida em "O Artista". O plano em que o dono do fictício estúdio Kinograph (interpretado por John Goodman) mostra para Valentin um trecho de um filme falado lembra muito, na cenografia e fotografia, a cena em que os jornalistas discutem a vida de Kane; o plano tem a mesma imagem escura cortada pelas fortes luzes da sala de projeção. Há também uma cena em que Valentin, em um acesso de fúria, destrói seu apartamento de forma bem similar à cena em que Kane destrói o quarto da mulher. Um pouco mais difícil de entender é o uso de uma faixa da ótima trilha de "Um Corpo que Cai" (1958), de Alfred Hitchcock, em uma cena dramática. O fato até causou controvérsia com a publicação de uma carta de repúdio da atriz Kim Novak a respeito. Como "O Artista" homenageia o cinema, e a música de Bernard Herrmann se encaixa perfeitamente na cena (que termina com uma cartela ótima, representando um efeito sonoro), pode-se dizer que Hazanavicious, o diretor, está desculpado pelo empréstimo.

A metalinguagem é também muito bem utilizada em uma cena em que George Valentin, logo depois de saber do aparecimento dos filmes falados, vai para seu camarim. Ele toma uma bebida e, ao colocar o copo sobre a mesa, leva um susto ao ouvir o som do vidro sobre a madeira. De repente, é como se todo o mundo ganhasse som, e o espectador partilha da surpresa de Valentin ao conseguir escutar o barulho do trânsito da rua, de pessoas falando e do latido do animal de estimação do ator. Impossível falar de "O Artista" sem citar, também, "Cantando na Chuva" (1952), de Stanley Donen e Gene Kelly. O musical da Metro também tratou da transição entre o cinema mudo para o falado de forma bem humorada, embora seja um tanto cruel com os artistas do cinema mudo. 

"O Artista" recebeu dez indicações para o próximo Oscar, inclusive para melhor filme e melhor diretor. Seu principal concorrente, "As Aventuras de Hugo Cabret", de Martin Scorsese, curiosamente, também é uma homenagem aos primórdios do cinema. Parece que a Hollywood do século XXI está com saudades de suas origens. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.


2 comentários:

Fernando Vasconcelos disse...

Gostei do trailer "LEGENDADO"... kkkk Já vi Brokeback Mountain, O Pianista e A Rede Social perderem o Oscar, mas alow Academia, esse ano não dá, é O ARTISTA na cabeça! (Podia ser HUGO também, mas ainda prefiro a simplicidade de O ARTISTA). Abs

Zeca Jas disse...

Achei fofo o filme um verdadeiro charme, podia ter mais músicas de Hithcock. OBrigada