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sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Bem-vindo a Nova York

Em maio de 2011, o diretor do FMI Dominique Strauss-Kahn foi preso em Nova York acusado de ter estuprado uma camareira de hotel. Além do cargo no Fundo Monetário Internacional, Strauss-Kahn era cotado como candidato à presidência da república da França. O escândalo forçou sua renúncia do FMI e acabou com suas ambições políticas.

O episódio ganha vida nas telas com roteiro e direção do veterano diretor americano Abel Ferrara ("O Rei de Nova York"), em um filme marcado por polêmicas. Ferrara não está interessado em fazer um thriller convencional, em que o espectador fica tentando descobrir a culpa ou inocência do protagonista. O filme abre com um letreiro explicando o caso, dizendo que o roteiro foi baseado o máximo possível nos fatos conhecidos publicamente, mas que o que aconteceu na intimidade era uma obra de ficção. O letreiro até termina com qualquer suspense ao dizer que o caso foi arquivado pois a justiça entendeu que não havia como provar a versão da camareira.

Do que trata, então, o filme de Ferrara? O grande ator francês Gérard Depardieu ("Minhas tardes com Margueritte") interpreta Devereaux, o diretor do Banco Mundial que está em uma viagem de negócios em Nova York. Desde a primeira vez que o vemos, Devereaux está cercado por prostitutas, mesmo em uma reunião de negócios. Ferrara filma de forma quase documental, com takes longos, uso de lentes zoom e correções de foco (embora não seja aquele estilo nervoso de câmera na mão comum nestes casos). Devereaux não é um homem agradável. Depardieu, enorme em talento e tamanho, enche a tela com um personagem abjeto, que vê toda mulher como algo a ser usada para o sexo.



A primeira meia hora de filme não é confortável de se ver; a câmera de Ferrara filma longas cenas de sexo em grupo, em imagens de gosto duvidoso. Depardieu interpreta Devereaux como um porco, inclusive gemendo de forma animalesca nas cenas de sexo. A necessidade destas sequências é questionável e Abel Ferrara enfrentou vários problemas para lançar o filme (que no Brasil recebeu a classificação etária de 18 anos).

Depois destas intermináveis cenas de sexo chega a cena chave do filme. Uma camareira, sem saber que Devereaux estava no quarto, entra para limpar e o encontra nu, saindo do chuveiro. Ele a vê como mais uma prostituta e parte para cima dela. Ela resiste, foge e o acusa de tentativa de estupro. Tudo é mostrado lentamente por Ferrara, que reproduz as cenas reais de tribunais sem aquele glamour associado a filmes do gênero. As cortes são austeras, rápidas e profissionais. Há uma longa sequência mostrando todos os passos pelos quais Devereaux passa ao ser preso. Novamente, parece que estamos vendo um documentário e há força nas imagens arquitetadas por Ferrara.

A veterana Jacqueline Bisset interpreta Simone, a esposa de Devereaux. É daquelas mulheres que fazem vista grossa para as várias infidelidades do marido e o tratam como um moleque malcriado. Depardieu e Bisset trabalharam com François Truffaut no passado e há até uma cena em que  Devereaux está assistindo a um filme do mestre francês, "Domicílio Conjugal". Os dois têm várias sequências juntos em longas cenas que, por vezes, parecem improvisadas.

Não fica muito claro, porém, o que Abel Ferrara quer dizer com esta história. A personagem da camareira desaparece pouco depois da acusação e nunca mais é vista, e o crime de estupro fica perdido em meio ao comportamento escandaloso "normal" de Devereaux. Há cenas que o mostram com outras mulheres, que vão para a cama com ele voluntariamente ou à força. Fica difícil entender qual é o atrativo que este homem desprezível tem. É tudo uma questão de dinheiro? É uma crítica ao sistema financeiro? À política? Por que o espectador deve se interessar por este personagem que, nas palavras do próprio, não sente nada por ninguém, nem por ele mesmo?

Mesmo irregular, porém, a direção segura de Ferrara e a entrega de Depardieu ao papel fazem de "Bem-vindo a Nova York" uma experiência interessante, apesar de não muito agradável. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Bullitt (ou Cut to the chace!)


Há uma expressão no cinema americano que diz “Cut to the chace!”. Literalmente, significa “Corte para a perseguição!”. A frase diz muito sobre o filme americano tradicional que, no fundo, nada mais é do que uma série de perseguições entrecortadas por algum diálogo. E isso vem desde os primórdios de Hollywood. “The Great Train Robbery” (“O grande roubo do trem”, de 1903), de Edwin Porter, assombrou as platéias do início do cinema com suas cenas de perseguição. O filme serviu de base para, basicamente, todo o cinema americano que se seguiu.

Falando em perseguição, um clássico vem à mente: o filme “Bullitt”, interpretado por Steve McQueen em 1968. Dirigido por Peter Yates, “Bullitt” tem uma das mais famosas cenas de perseguição do cinema. Steve McQueen era piloto de moto e carro e diz a lenda que ele pilotou seu Mustang pessoalmente durante toda a seqüência. Irônico pensar que a famosa perseguição dura por volta de onze minutos em um filme com aproximadamente duas horas; “O grande roubo do trem” de Porter tinha, no total, doze minutos de duração.

A seqüência deu ao filme o Oscar de montagem (edição) em 1969 e, apesar de conter certas falhas óbvias (reparem que o mesmo Fusca verde aparece pelo menos três vezes durante a seqüência), é um primor de ritmo e montagem. Curioso também como os papéis de perseguidor e perseguido se invertem. Steve McQueen interpreta um policial encarregado por Robert Vaughn de proteger uma testemunha chave que iria depor contra a “Organização” (provavelmente a máfia). A testemunha acaba sendo morta pelos dois assassinos profissionais que são perseguidos por McQueen na famosa cena. “Bullitt” foi dos precursores de um tipo de filme policial que se consolidaria nos anos 70 com Clint Eastwood e seu “Dirty Harry”.

Engraçado ver o nascimento de certos clichês como o policial que passa por cima da lei para conseguir seu objetivo, ou o chefe de polícia que dá um sermão a seu subordinado, para em seguida liberá-lo, e assim por diante. O filme tem uma bela e realista fotografia em Cinemascope de William A. Fraker e trilha do famoso compositor Lalo Schifrin. A montagem vencedora do Oscar é de Frank P. Keller. Notem também a presença de Robert Duvall como um motorista de táxi. Um DVD duplo foi lançado uns anos atrás com vários extras, como um documentário sobre a arte invisível da edição. O filme serviu de inspiração para várias outras produções, como “Fogo contra Fogo” (“Heat”, 1995), grande filme de Michael Mann com Robert DeNiro, Al Pacino e Val Kilmer. Toda a seqüência final passada no aeroporto de “Fogo contra Fogo”, por exemplo, é muito semelhante à seqüência final de “Bullitt”. A maravilhosa Jacqueline Bisset está em “Bullitt” apenas como “material decorativo”. Há só uma cena, francamente desnecessária, em que a personagem de Bisset fala mais do que alguns segundos, questionando a moral e os sentimentos de Bullittt. Steve McQueen era famoso por seu temperamento ruim e por ataques de ciúme contra companheiros de tela, principalmente em seus filmes em “grupo” como “Sete Homens e um Destino” e “Fugindo do Inferno”. Mas em “Bullittt” ele reina sozinho. E o que importa, de verdade, é quando o filme corta para a próxima cena de perseguição.
Cut to the chace!

Veja abaixo a perseguição em Bullitt

Veja "The Great Train Robbery":