sexta-feira, 8 de julho de 2011

Corações Sujos (Abertura Festival de Cinema de Paulínia)

"Corações Sujos", de Vicente Amorim, abriu ontem o 4º Festival de Cinema de Paulínia. Baseado no livro de Fernando Morais, o filme conta um capítulo pouco conhecido da história da colônia japonesa no Brasil. O Japão, durante a Segunda Guerra Mundial, fazia parte dos países alinhados ao "Eixo", liderados pela Alemanha nazista. Considerados inimigos pelo governo brasileiro, os imigrantes japoneses perderam diversos direitos, como o de se reunir, se locomover entre cidades e o de falar e estudar a língua japonesa. Quando o Japão perdeu a guerra, em 1945, o próprio Imperador japonês, considerado uma divindade por seus súditos, fez um pronunciamento inédito na rádio declarando a rendição do país e, além disso, sua condição de mero mortal. Só que parte dos imigrantes japoneses no Brasil não acreditaram nas evidências e, movidos por um patriotismo cego, consideraram inimigos qualquer japonês que dissesse que o Japão havia perdido a guerra. Estes "traidores" eram chamados de "Corações Sujos", e vários foram sumariamente executados.

O livro de Fernando Morais é uma grande reportagem sobre a organização "shindo ren-mei", grupo formado por estes fanáticos que, no final dos anos 1940, foram responsáveis pelo assassinato de vários compatriotas. O filme tomou a decisão de não falar sobre esta organização. "Eu queria contar a história destas pessoas", me disse Vicente Amorim. "Há controvérsias se a Shindo Ren-mei teria cometido estes crimes especificos, e se eu focasse muito na Shindo eu tiraria força da história que eu queria contar, então preferi focar nos personagens". Assim, "Corações Sujos" deixa de lado os aspectos puramente jornalísticos do livro de Morais e conta a história do ponto de vista de uma professora chamada Miyuki (a atriz japonesa Takako Tokiwa) e de uma menina chamada Akemi (a extraordinária Celine Fukumoto, de apenas 11 anos). Miyuki é casada com Takahashi (Tsuyoshi Ihara, de "Cartas de Iwo Jima"), um fotógrafo aparentemente pacato que, na verdade, é leal ao coronel japonês Watanabe (Eiji Okuda). O coronel é o líder de um grupo de japoneses leais ao Imperador que, mesmo morando no Brasil, se recusam a se integrar à vida local. É Watanabe que, após uma intervenção da polícia em uma festa japonesa, lidera um grupo que tenta invadir a delegacia da pequena cidade para matar um policial. Eles são impedidos pelo delegado interpretado por Du Moscovis, mas este é só o início de um banho de sangue causado pelo grupo de Watanabe contra os "corações sujos" da cidade.

A produção foi toda rodada no Pólo Cinematográfico de Paulínia, cidade do interior do estado de São Paulo que criou um ousado plano de fomento ao cinema nacional. A fotografia de Rodrigo Monte é muito boa (apesar de alguns planos distorcidos propositalmente que me pareceram desnecessários), ressaltando a luz do interior de São Paulo e, nas cenas noturnas, realçando a ameaça representada pelo grupo de japoneses. Há alguns planos inspirados, particularmente um em que um japonês é morto sobre um monte de algodão recém colhido, formando um belo contraste entre o sangue vermelho e o branco do algodão, lembrando a bandeira japonesa. O elenco é formado por vários atores genuinamente japoneses e por nikkeys brasileiros. Perguntei a Amorim como fez para dirigir um filme que é praticamente todo falado em japonês. "A gente ensaiou por mais de um mês e, através destes ensaios, foi possível afinar tudo e eu me acostumar com a prosódia". O roteiro de David França Mendes, como disse Amorim, é realmente focado nos personagens e há momentos que beiram o melodrama, mas as interpretações francas do elenco conseguem manter o filme no prumo.


Um comentário:

YouTube/Cinema disse...

O YouTube/Cinema está cobrindo o Festival de Paulínia 2011. No canal você pode ver a entrevista com o ator Tsuyoshi Ihara, de Corações Sujos.
É só entrar e conferir:
YouTube/Cinema