sábado, 5 de novembro de 2011

A Pele que Habito

Há diversos momentos de repulsa em A Pele que Habito. Momentos em que a sensação de se estar testemunhando algo errado se faz sentir. Uma coisa de pele. Ao mesmo tempo, este é Pedro Almodóvar, com seus maravilhosos movimentos laterais de câmera, com a trilha impecável (à Bernard Hermann) de Alberto Iglesias e fotografia de José Luis Alcaine. E as mulheres de Almodóvar; neste filme, na falta de uma Penélope Cruz, há Elena Anaya, que interpreta Vera, uma misteriosa mulher que habita um quarto de uma mansão em Toledo, Espanha. Vera pratica yoga, faz esculturas, vê documentários e lê muito; veste uma roupa que, como uma segunda pele, a cobre do pescoço aos pés. Ela é prisioneira ou se mantém por vontade própria na casa de Robert (Antonio Banderas)? Ele é um cirurgião plástico que está estudando um método revolucionário de fabricar uma pele artificial, usando métodos discutíveis.

Como em vários filmes de Almodóvar, A Pele que Habito é multifacetado e flerta com o gênero do suspense; este, com toques claros de "filmes B" de terror. Banderas é o "cientista louco" que quer revolucionar a medicina estudando diretamente com seres humanos; Vera é sua cobaia. Ou será que não é assim tão simples? Aparentemente ao acaso, diversas tramas paralelas se amontoam no roteiro, e o filme, por certo tempo, parece não ter rumo. Há um filho perdido que à casa torna, vestindo uma segunda pele na forma de uma fantasia de tigre, durante o carnaval. Há flashbacks que revelam que Robert já fora casado e tinha uma filha, sendo que a duas morreram de forma trágica. A esposa foi carbonizada em um acidente de carro; a filha, após ter sido estuprada, pulou para a morte da janela da mansão de Robert. Há também uma trama envolvendo Vicente (Jan Cornet), um rapaz que vai a uma festa e, drogado, tenta transar com uma garota linda no jardim, contra a vontade dela. Ela é Norma, a filha de Robert, que planeja uma vingança contra o rapaz.

O filme é, ao mesmo tempo, fascinante e indigesto. Há certo atropelo no roteiro, que Almodóvar escreveu baseado no livro "Tarântula", do francês Thierry Jonquet, que não tem a mesma elegância genial de Má Educação, por exemplo. Há também uma tendência forte para o bizarro, e sequências improváveis, como a volta do personagem Zeca (Roberto Álamo), para visitar a mãe Maria (a ótima Marisa Paredes), empregada do Dr. Robert. Em poucos e atropelados minutos descobre-se que ele é fugitivo da lei e Almodóvar cria uma sequência de sexo das mais bizarras de seu cinema, que não é econômico em cenas do tipo. O filme se revela genial da metade para o fim, quando as histórias paralelas se encontram e formam um quadro cruel e assustador. Robert é parte Hannibal Lecter, parte Scottie Feguson (personagem que James Stewart interpretou em Um Corpo que Cai, de Alfred Hitchcock) um homem tão obcecado com a imagem da antiga amada que tenta reconstruí-la.

O tema da sexualidade (e suas perversões) tão presentes nos filmes de Almodóvar, voltam com tudo em A Pele que Habito, mas não da forma cômica que é marca registrada do diretor espanhol. Os personagens são frios e cortantes como um bisturi. Só Vera tem alguns momentos mais passionais, como na incrível cena em que, aparentemente livre, ela entra em seu quarto e fica olhando para as paredes cobertas por inscrições, datas e desenhos feitos nos anos em que ali passou. Em cartaz no Topázio Cinemas.


PS: O trailer abaixo é muito ruim e não reflete o filme de forma adequada.

Um comentário:

Fernando Vasconcelos disse...

Filmaço. Um tanto frio enquanto visto, mas um caleidoscópio infinito de bom cinema por horas, dias, depois da sessão. Verei de novo com prazer, já é um dos meus preferidos do ano.