terça-feira, 19 de agosto de 2014

O Grande Truque (Netflix)

AVISO: Este é um filme com muitos segredos e reviravoltas; fica difícil escrever a respeito sem revelar alguns. Assim, esteja avisado da possibilidade de SPOILERS.

Entre "Batman Begins" (2005) e "Batman: O Cavaleiro das Trevas" (2008), Christopher Nolan fez este sombrio retrato da rivalidade entre dois mágicos. Curiosamente, ele foi lançado com apenas alguns meses de diferença de "O Ilusionista" (2006), outro filme sobre mágicos, passado mais ou menos na mesma época, estrelado por Edward Norton e dirigido por Neil Burger.

"O Grande Truque" sofre do problema de quase todo filme de Nolan: ele peca pelo excesso. O que não impede que ele seja intrigante, inteligente e interessante de se assistir (novamente, como quase toda produção do diretor). O roteiro (de Nolan, escrito em parceria com o irmão Johathan) fala não só sobre a mágica como um ofício, mas também sobre obsessão, show business, ciência, ciúmes e rivalidade. Robert Algiers (Hugh Jackman, de "X-Men: Dias de um futuro esquecido") e Alfred Borden (Christian Bale, de "Império do Sol") são assistentes de um mágico na Inglaterra do final do século 19. Uma rivalidade surge entre os dois quando a mulher de Robert morre durante um truque em que ela deveria escapar de um tanque de vidro cheio de água. Robert culpa Alfred por ter apertado muito forte o nó que amarrava a esposa e os dois iniciam uma disputa que vai durar o resto da vida deles.

Michael Caine ("O Último Amor de Mr. Morgan") faz seu tradicional papel de figura paterna como o engenheiro de Hugh Jackman, Cutter, mas ele também faz as vezes de narrador do filme. Ele explica que todo bom truque de mágica precisa ter três partes ("apresentação", "virada" e "truque", em tradução livre para "the pledge", "the turn" e "the prestige"), o que basicamente segue toda cartilha de roteiro de Hollywood, com primeiro, segundo e terceiro atos. Não basta mostrar um passarinho e fazê-lo desaparecer. É necessário trazê-lo de volta. O que "O Grande Truque" quer mostrar é que nem tudo é tão inocente. No caso do canário, Nolan mostra que é necessário matar um animal a cada apresentação, o que não só mostra que truques de mágica podem ser cruéis como também dá o tom para os eventos do próprio filme (que discutiremos mais à frente).



Quando vi este filme nos cinemas, em 2006, confesso que não gostei muito do que vi. Ou, talvez, eu simplesmente não estivesse olhando direito, o que é um dos temas do filme. Revendo agora pela Netflix, me surpreendi como ele funciona muito melhor da segunda vez e creio que haja uma explicação para isto. Na primeira você tenta descobrir o segredo da trama e, quando chega o final (que tem vários problemas), há grandes chances de você se decepcionar. Na segunda vez, livre do peso de tentar decifrar o filme, você fica mais livre para perceber como o roteiro é engenhoso. É um filme sobre duplos, sobre truques e sobre mágica. E também sobre sacrifícios enormes em nome da fama, ou simplesmente da satisfação de ser melhor do que o outro. O personagem de Christian Bale é frio e metódico. Já Hugh Jackman é sanguíneo e apaixonado. Há uma cena em que os dois vão assistir à apresentação de um mágico chinês que consegue fazer coisas impossíveis para a idade dele. Depois do show, Bale e Jackman o veem saindo do teatro, velhinho, caminhando lentamente em direção à carruagem, e Bale diz: "Este é o verdadeiro truque". Os irmãos Nolan também fazem um truque com o personagem de Bale durante todo o filme, mas poucos percebem. Seu personagem, Bolder, cria um show do "Homem Transportado" que atrai multidões e leva Robert à loucura, tentando descobrir como ele o realiza. Nolan já havia dado a dica antes de que o personagem de Bale estaria interpretando um papel a vida toda. Um papel duplo que leva até ao suicídio da  esposa, interpretada por Rebecca Hall.

A busca de Robert o leva aos Estados Unidos, onde procura o cientista Nikolas Tesla (figura real interpretada por um surpreendente David Bowie), que conseguia feitos com a eletricidade que podiam passar por mágica. Há uma bela cena noturna em que Hugh Jackman está com Andy Sekis (sim, o ator do Gollun de "O Senhor dos Anéis" e do César de "Planeta dos Macacos") em um campo e Tesla acende centenas de lâmpadas espalhadas pela paisagem. Robert quer que Tesla lhe construa uma máquina que o faria o melhor mágico do mundo. Tesla lhe pergunta se ele estaria disposto a pagar o preço. "Dinheiro não é problema", responde Robert. "Mas você está disposto a pagar o custo?", pergunta Tesla.



Novamente, aviso de SPOILERS.

O caso é que tanto Bolder quanto Robert estão fazendo jogos duplos. Bolder tem um irmão gêmeo que só é revelado nos instantes finais, apesar de haver várias pistas durante o filme. A mulher de Bolder, por exemplo, diz que há dias em que ela acredita no "eu te amo" do marido. Em outros dias, não. O mesmo vale para a amante dele(s), interpretada por Scarlett Johansson. Quanto ao "duplo" de Robert é que o filme é mais ousado (e onde, ao mesmo tempo, peca mais). O crítico americano Roger Ebert chega a dizer que o "segredo" do filme é uma trapaça, e ele pode ser encarado desta forma. Eu acho que, se não é uma trapaça, é no mínimo uma contradição. Cenas como a morte do canário, no início do filme, mostram como um truque de mágica não tem nada de "mágico". Já o segredo do truque de "teletransporte" que Hugh Jackman apresenta - usando a máquina construída por Tesla - acaba sendo que não há nenhum segredo. A máquina realmente funciona, é "mágica" de verdade (ou, no máximo, ficção-científica). Há apenas um porém; a máquina não transporta Jackman de um lugar para outro, mas o duplica. O que faz com que ele crie um sistema que representa o sacrifício final de um performer para com sua platéia. Toda noite, ao entrar na máquina, ele tem consciência de que seu duplo vai continuar vivendo, mas ele não. Interessante que o modo como ele escolheu para morrer todas as noite seja afogado, assim como aconteceu com sua esposa. Interessante notar também o paralelismo entre os duplos de Robert e os gêmeos de Bolder. Há uma cena em que Bolder perde dois dedos da mão esquerda quando um truque dá errado, o que significa que seu duplo também teria que perder estes dois dedos. Até que ponto vai o compromisso com a arte?

É um conceito e tanto, embora conduzido pela mão pesada e séria de Nolan. E só funciona, repito, se o espectador conseguir aceitar a "trapaça" de que o truque de Tesla é real. Creio que teria sido mais interessante se a revelação do truque fosse outra. Ou, talvez, eu esteja apenas reagindo da forma que Michael Caine diz em uma parte do filme: a partir do momento em que um truque é revelado, ele não vale nada. "O Grande Truque" está disponível na Netflix.

Câmera Escura

3 comentários:

bitfreeze disse...

(SPOILERS AQUI)
Apenas uma suposta correção: o sósia de Bolder não é irmão gêmeo dele.
O que indica isso é o ponto no qual. se não me engano, Tesla diz a Robert que "um amigo dele" já o procurara.

A premissa de que a máquina de Tesla funciona realmente é um pacto ficcional necessário para a trama, mas é apenas pano de fundo. O filme não tenta vender a ideia de que a máquina de Tesla cria clones; ao contrário, ele relata isso como fato. Se não acreditar nessa premissa que o filme exige, então vá assistir a um documentário da Discovery :) ... É um filme sobre psicologia, e não mágica, tecnologia ou ficção..

A diferença entre Robert e Bolder, e que também considero a dualidade central do filme - pleonasmos à parte - é que o primeiro não consegue "conviver consigo mesmo", e sua primeira reação é matar. Já o outro consegue, e vê nisso uma oportunidade de vida.

João Solimeo disse...

Tudo bom? Do roteiro do filme:
ANGIER (CONT'D)
A brother. A Twin.

Mais para frente, também do roteiro:
Borden opens the first cabinet and pulls up the false bottom.
His TWIN BROTHER, in indentical stage clothes, uncurls himself
from the hidden compartment and hauls himself out.

Concordo que é um filme também sobre psicologia. Mas o é a partir da vivência do mundo real de ilusionistas, que aparentemente criam "mágica" através de truques, alguns deles bastante cruéis (como o truque do "desaparecimento" dos passarinhos, que na verdade são mortos a cada novo número). Meu problema com o filme é que ele parte da premissa de que mágica não existe mas o grande "segredo" do filme depende de uma "mágica" real (ou um feito científico impossível). É um pouco de "trapaça". Para mim foi como ver um filme de suspense, daqueles em que a gente tenta descobrir como é que alguém cometeu um crime perfeito, e a explicação fosse "mágica".

Vale acrescentar que eu tive esta sensação na primeira vez em que vi o filme (e ainda acho que rolou uma trapaça). Mas consegui gostar mais do filme na segunda vez, em que já sabia o "truque" (que não é truque) desde o início. Abraço.

Unknown disse...

A história realmente vale a pena."The Prestige" oferece uma série de atividades para competição profissional extrema no espírito de vingança e tom familiar de mistério, a propósito me lembra de "O Hipnotizador" uma nova série de televisão que têm temas semelhantes. Em suma, o filme é uma história divertida, em primeira instância, com diálogos bombásticas e tomaram conjecturas nosso diretor executa um enigma estilo de trabalho, mas sem ir aos extremos, com a fotografia cuidadosa, cenários apresentados com o requinte de um grande arquiteto, fazer precisas e confiáveis, é óbvio que toda a produção se esforça para fazer o trabalho à tona sem a desvantagem de falta de ajuste, mas com a intenção de delicadeza, suspense e tensão, amantes taquicardia cuja percepção inspecionar mesmo o menor pormenor, que vai ser crucial no filme. As virtudes do filme são óbvios, o script é uma obra escapista / ilusionista com o único propósito de enganar o espectador e fazê-lo sentir emoções diferentes; direção de atores é requintado