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sexta-feira, 15 de abril de 2022

Cyrano (2021)

Cyrano (2021). Dir: Joe Wright. Eu assisti à peça "Cyrano de Bergerac", estrelada por Antônio Fagundes, quando tinha uns 15 anos de idade. Vi depois a bela adaptação francesa estrelada por Gerárd Depardieu de 1990, e a comédia de Steve Martin chamada "Roxanne". A peça original foi escrita em 1897 por Edmond Rostand e conta a história de um espadachim (e poeta) chamado Cyrano de Bergerac, que é apaixonado por uma mulher chamada Roxanne. O problema é que ela gosta de outro homem, Christian. Cyrano tem um "defeito" na face, um nariz enorme, e acredita que Roxanne nunca se apaixonaria por ele por causa disso. Ele então ajuda Christian, que é um homem bonito, a conquistar Roxanne através de longas cartas apaixonadas.

Esta versão de 2021 troca o nariz longo de Cyrano pela baixa estatura (1,35 m) de Peter Dinklage; o roteiro foi transformado em um musical mas, a não ser por estas diferenças, ele é bastante fiel à peça original. O Cyrano de Dinklage também é perdidamente apaixonado por Roxanne (Haley Bennet), que ele conhece desde criança. Ele acredita que ela não possa gostar dele por sua estatura; além disso, ela se apaixona à primeira vista por Christian (Kelvin Harrison Jr.), que é bonito, mas não sabe se expressar bem. Assim como na peça, Cyrano então passa a ajudar Christian enviando cartas apaixonadas em nome dele. Mas será que Roxanne está apaixonada só pela aparência de Christian ou pelas palavras de Cyrano?

A produção é belíssima, tendo sido filmada na Itália durante a pandemia. É também um filme feito em família. A adaptação do roteiro foi escrita pela esposa de Dinklage, Erica Schmidt. O diretor, Joe Wright, é casado com Haley Bennet, que interpreta Roxanne. Wright já fez vários outros filmes históricos como "Orgulho e Preconceito", "Desejo e Reparação" e "Anna Karenina", e está à vontade na bela recriação de época, figurinos e fotografia. Peter Dinklage, como sempre, está excelente e é uma pena que ele tenha sido ignorado pelo Oscar (a única indicação do filme, aliás, foi pelo figurino). As músicas, de Bryce Dessner e Aaron Dessner, nem sempre funcionam, mas há alguns momentos inspirados (como a música pouco antes de um ataque, em uma cena de guerra).

Apesar da presença de Peter Dinklage, famoso por seu papel em "Game of Thrones", "Cyrano" foi um fracasso de bilheteria. O público, pelo jeito, não se interessou em vê-lo como um poeta e espadachim apaixonado. A versão com Gerárd Depardieu é, no geral, melhor, mas gostei bastante deste filme, principalmente pelo carisma e interpretação de Peter Dinklage.
 

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Romance

Guel Arraes e Jorge Furtado são, possivelmente, os dois melhores roteiristas brasileiros hoje. Os dois tem a característica de saber misturar o popular com o erudito de forma inteligente e engraçada. Arraes vem de programas como a adaptação de "As Comédias da Vida Privada" para a televisão, do humorístico "TV Pirata" e da minissérie (também lançada como filme) "O Auto da Compadecida". Furtado é o roteirista/diretor do curta brasileiro mais premiado do cinema, "Ilha das Flores", e de longas como "O Homem que Copiava" e "Saneamento Básico". Agora os dois se juntaram para escrever o roteiro de "Romance", em que exploram a lenda romântica de "Tristão e Isolda" e a transferem para os dias atuais. O filme é dirigido por Guel Arraes.

Pedro (Wagner Moura) é um diretor de teatro apaixonado pelo seu ofício que está montando uma versão de Tristão e Isolda. Ele faz um teste com Ana (Letícia Sabatella), que ganha não só o papel como o coração de Pedro. Os dois se apaixonam no processo de ensaio, trocando diálogos que misturam suas frases com as dos personagens que estão interpretando, em um jogo metalinguistico típico dos roteiros de Jorge Furtado. Também típicas dele são as referências externas que, como hyperlinks, aparecem na tela na forma de animações. A bela fotografia (de Adriano Goldman) compõe planos atísticos que se mesclam citando quadros famosos, como "O Beijo", de Gustav Klimt, ou figuras medievais. Ana e Pedro se entregam a um amor ao mesmo tempo tradicional, cheio de romantismo e poesia, e físico. Letícia Sabatella, belíssima, está amadurecida e mais mulher em várias cenas de nudez com Wagner Moura. Tudo parce correr bem mas, como os próprios personagens comentam, no romance ocidental não há paixão sem dor ou sofrimento, e logo algo tem que dar errado. Os problemas começam quando um famoso produtor da televisão (José Wilker) vai assistir à peça e contrata Ana para fazer uma novela no Rio de Janeiro. Sua fama começa a atrair muitos espectadores para a peça, o que seria bom mas, ao mesmo tempo, causa ciúmes e sofrimento em Pedro, e os dois se separam.

Três anos depois, Ana é uma famosa artista da televisão e Pedro ainda é dedicado ao teatro. Os dois voltam a trabalhar juntos em uma adaptação de Tristão e Isolda para a TV, transposta para o nordeste brasileiro do século passado. É interessante ver como Arraes e Furtado brincam com os temas do sofrimento por amor e do triângulo amoroso presentes em Tristão e Isolda, que teria influenciado grandes partes das histórias de amor criadas desde o século XII (como "Romeu e Julieta", de Shakespeare, ou as lendas do Rei Arthur, traído por Guinevere e Lancelot). O filme é rico em situações e metalinguagens que misturam o teatro, a televisão e o próprio cinema. Há também uma ótima apropriação por parte do roteiro de outra peça famosa, "Cyrano de Bergerac", escrita por Edmond Rostand no final do século XIX. Na peça, Cyrano, um guerreiro feio e com um grande nariz, escrevia cartas apaixonadas para a bela Roxane. Só que, incapaz de declarar seu amor, Cyrano se escondia por trás do jovem Cristian, que acabava colhendo os frutos deste amor.

Em "Romance", a trama de Cyrano de Bergerac é resgatada pelo fato de que Pedro, ao escrever o roteiro de "Tristão e Isolda" para sua amada Ana, acaba vendo ela se apaixonar pelo ator que está interpretando Tristão, o sertanejo José de Arimatéia (Vladimir Brichta). Há mais sobre este personagem, mas prefiro não revelar aqui. O elenco ainda conta com Andréa Beltrão, muito bem como uma produtora que só pensa em audiência e sucesso, e com a participação especial de Marco Nanini, fazendo um ator cheio de manias e exigências. Como sugestão de referências, sugiro a versão de 1990 de "Cyrano de Bergerac", dirigida por Jean-Paul Rappeneau, com o grande Gérard Depardieu no papel principal. A lenda de Tristão e Isolda teve uma versão cinematográfica fraquinha realizada em 2006 por Kevin Reynolds. Mas o grande mestre do suspense Alfred Hitchcock se inspirou no mito para criar sua obra prima, o grande "Um Corpo que Cai" (Vertigo, 1958), em que James Stewart e Kim Novak vivem uma versão moderna e tortuosa do romance tradicional. Reparem como a trilha de Bernard Herrmman é fortemente baseada na ópera "Tristão e Isolda", de Richard Wagner.

Romance é um filme que fica para ser saboreado aos poucos, e ter suas dezenas de referências reconhecidas e aproveitadas. Belo trabalho de Guel Arraes, Jorge Furtado e elenco.


trailer de Romance:


Vertigo, de Alfred Hitchcock: