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terça-feira, 18 de novembro de 2008

Romance

Guel Arraes e Jorge Furtado são, possivelmente, os dois melhores roteiristas brasileiros hoje. Os dois tem a característica de saber misturar o popular com o erudito de forma inteligente e engraçada. Arraes vem de programas como a adaptação de "As Comédias da Vida Privada" para a televisão, do humorístico "TV Pirata" e da minissérie (também lançada como filme) "O Auto da Compadecida". Furtado é o roteirista/diretor do curta brasileiro mais premiado do cinema, "Ilha das Flores", e de longas como "O Homem que Copiava" e "Saneamento Básico". Agora os dois se juntaram para escrever o roteiro de "Romance", em que exploram a lenda romântica de "Tristão e Isolda" e a transferem para os dias atuais. O filme é dirigido por Guel Arraes.

Pedro (Wagner Moura) é um diretor de teatro apaixonado pelo seu ofício que está montando uma versão de Tristão e Isolda. Ele faz um teste com Ana (Letícia Sabatella), que ganha não só o papel como o coração de Pedro. Os dois se apaixonam no processo de ensaio, trocando diálogos que misturam suas frases com as dos personagens que estão interpretando, em um jogo metalinguistico típico dos roteiros de Jorge Furtado. Também típicas dele são as referências externas que, como hyperlinks, aparecem na tela na forma de animações. A bela fotografia (de Adriano Goldman) compõe planos atísticos que se mesclam citando quadros famosos, como "O Beijo", de Gustav Klimt, ou figuras medievais. Ana e Pedro se entregam a um amor ao mesmo tempo tradicional, cheio de romantismo e poesia, e físico. Letícia Sabatella, belíssima, está amadurecida e mais mulher em várias cenas de nudez com Wagner Moura. Tudo parce correr bem mas, como os próprios personagens comentam, no romance ocidental não há paixão sem dor ou sofrimento, e logo algo tem que dar errado. Os problemas começam quando um famoso produtor da televisão (José Wilker) vai assistir à peça e contrata Ana para fazer uma novela no Rio de Janeiro. Sua fama começa a atrair muitos espectadores para a peça, o que seria bom mas, ao mesmo tempo, causa ciúmes e sofrimento em Pedro, e os dois se separam.

Três anos depois, Ana é uma famosa artista da televisão e Pedro ainda é dedicado ao teatro. Os dois voltam a trabalhar juntos em uma adaptação de Tristão e Isolda para a TV, transposta para o nordeste brasileiro do século passado. É interessante ver como Arraes e Furtado brincam com os temas do sofrimento por amor e do triângulo amoroso presentes em Tristão e Isolda, que teria influenciado grandes partes das histórias de amor criadas desde o século XII (como "Romeu e Julieta", de Shakespeare, ou as lendas do Rei Arthur, traído por Guinevere e Lancelot). O filme é rico em situações e metalinguagens que misturam o teatro, a televisão e o próprio cinema. Há também uma ótima apropriação por parte do roteiro de outra peça famosa, "Cyrano de Bergerac", escrita por Edmond Rostand no final do século XIX. Na peça, Cyrano, um guerreiro feio e com um grande nariz, escrevia cartas apaixonadas para a bela Roxane. Só que, incapaz de declarar seu amor, Cyrano se escondia por trás do jovem Cristian, que acabava colhendo os frutos deste amor.

Em "Romance", a trama de Cyrano de Bergerac é resgatada pelo fato de que Pedro, ao escrever o roteiro de "Tristão e Isolda" para sua amada Ana, acaba vendo ela se apaixonar pelo ator que está interpretando Tristão, o sertanejo José de Arimatéia (Vladimir Brichta). Há mais sobre este personagem, mas prefiro não revelar aqui. O elenco ainda conta com Andréa Beltrão, muito bem como uma produtora que só pensa em audiência e sucesso, e com a participação especial de Marco Nanini, fazendo um ator cheio de manias e exigências. Como sugestão de referências, sugiro a versão de 1990 de "Cyrano de Bergerac", dirigida por Jean-Paul Rappeneau, com o grande Gérard Depardieu no papel principal. A lenda de Tristão e Isolda teve uma versão cinematográfica fraquinha realizada em 2006 por Kevin Reynolds. Mas o grande mestre do suspense Alfred Hitchcock se inspirou no mito para criar sua obra prima, o grande "Um Corpo que Cai" (Vertigo, 1958), em que James Stewart e Kim Novak vivem uma versão moderna e tortuosa do romance tradicional. Reparem como a trilha de Bernard Herrmman é fortemente baseada na ópera "Tristão e Isolda", de Richard Wagner.

Romance é um filme que fica para ser saboreado aos poucos, e ter suas dezenas de referências reconhecidas e aproveitadas. Belo trabalho de Guel Arraes, Jorge Furtado e elenco.


trailer de Romance:


Vertigo, de Alfred Hitchcock:

domingo, 18 de maio de 2008

Paixão Proibida



Em meio à névoa, distinguimos as formas de uma mulher de costas, se banhando. A câmera vai se aproximando da imagem em meio ao vapor que sobe da água e não sabemos se a figura é real ou apenas um sonho. Não me lembro agora quem foi que disse que o oriente nada mais é do que uma miragem do ocidente, mas é o que esta imagem inicial me passou. Há "algo" no oriente que provoca uma reação nos ocidentais, uma impressão de mistério, de algo que deve ser revelado. O problema é que, de perto, talvez o mistério não seja assim tão interessante, ou o que se esperava. É desse mistério que "Paixão Proibida" ("Silk", seda, no título original) trata. O filme é uma história de amor... mas qual amor? Será o amor que o jovem Herve Joncour (Michael Pitt) sente pela bela esposa Helene (Keira Knightly)? Ou o amor que ele encontra, ou acha que encontra, do outro lado do mundo, no Japão?


Herve mora em uma pequena cidade francesa, no século 19, e está de licença do exército. Ele se apaixona por Helene e os dois se casam, mas eles estão fadados a passarem pouco tempo juntos. Um empresário local, Baldabiou (Alfred Molina) reativou a produção de seda local e está trazendo grande riqueza para a cidade. O problema é que uma doença desconhecida está matando os bichos da seda e Baldabiou precisa que Herve parta para o Japão para buscar ovos saudáveis para continuar a produção. A viagem é longa e passa por toda Europa e Ásia, em pleno inverno, até chegar ao outro lado do mundo. A fotografia do filme é muito boa e vemos belas paisagens pela França, Áustria, Rússia, China e finalmente Japão. Fica difícil no mundo globalizado em que vivemos imaginar como tudo deveria ser lento e trabalhoso naquela época, e talvez o filme seja lento exatamente por isso. Herve finalmente chega a uma pequena vila onde consegue comprar os ovos do bicho da seda. Lá ele conhece um samurai chamado Hara Jubei (Kôji Yakusho), que está às voltas com problemas políticos internos, e sua concubina. É então que Herve se apaixona, ou acha que se apaixona, pela garota (de quem nem sabemos o nome, interpretada por Sei Ashina).


Herve volta à Europa e para a esposa e embora tudo pareça ir bem ele não consegue se esquecer do Japão e da moça misteriosa. O filme, assim, é basicamente um embate entre esses dois mundos. Herve ama a esposa de verdade, mas não consegue se livrar da "miragem" do outro lado do mundo, e a necessidade de buscar mais ovos o manda ao Japão por outras ocasiões. "Paixão Proibida" é, ao mesmo tempo, bonito e decepcionante. Não deixa de ser bom, de vez em quando, ver no cinema um filme sobre pessoas e sentimentos, e não apenas efeitos especiais e explosões. O problema é que o filme talvez seja sutil demais, lento demais, mesmo que, o tempo todo, nos apresente magníficas imagens para se olhar. Alguns pontos da história me lembraram "A Época da Inocência", de Martin Scorsese, que também lidava com um jovem casal e a fascinação de um homem por outra mulher. Havia até uma cena, perto do final, em que o personagem de Daniel Day-Lewis estava olhando umas gravuras japonesas e pensando em largar tudo para partir para uma longa viagem.


"Paixão Proibida" é um filme bonito e bem feito, mas o roteiro deixa um pouco a desejar. Há algumas questões que são levantadas, mas não são bem explicadas. Por exemplo, qual a razão de apresentar uma vizinha de Herve e Helene que foi abandonada pelo marido? Ela tem um filho pequeno e, por vezes, têm-se a impressão que algo vai ser "revelado" sobre eles, mas nada acontece. Há também uma cena em que, no Japão, um comerciante de armas alemão diz a Herve que a concubina não seria japonesa. De onde ela veio então? E qual a relevância disso para o roteiro?


A direção é de François Girard, que baseou a história em um livro de Alessandro Baricco, e a produção é internacional (França, Itália, Japão). A trilha sonora é do veterano Ryuichi Sakamoto e é bonita, embora seus solos de piano, como o filme, também se estendam demais.