Os Quatro Paralamas (2020). Dir: Roberto Berliner e Paschoal Samora. Netflix. Documentário que foca na amizade entre os três membros dos "Paralamas do Sucesso", Herbert Vianna, João Barone e Bi Ribeiro, além de um quarto personagem, o empresário José Fortes. O doc começa com um bate papo entre os quatro na casa de Bi Ribeiro e parte para um monte de imagens de arquivo, algumas com qualidade bastante ruim, mas válidas como registro, de ensaios, turnês, shows e conversas do grupo em quase 40 anos de história. Talvez falte um pouco de profundidade, mas é como ser uma mosca na parede escutando a conversa entre eles, entrecortada por apresentações musicais, cenas de bastidores, etc. Não podia ficar de fora, claro, o trágico acidente de ultraleve de 2001 que matou a mulher de Herbert, Lucy, e deixou o guitarrista à beira da morte. Contra todas as previsões, ele não só sobreviveu como voltou a tocar e cantar e se apresenta até hoje.
Eu vi uma versão um pouco melhor desta história (dirigida pelo mesmo Roberto Berliner) no Festival de Paulínia em 2009; o documentário se chamava "Herbert e eu" e, pelo que me lembro, era mais aprofundado, embora o foco fosse realmente Herbert Vianna, e não os Paralamas. Não que haja muita diferença. "Os Quatro Paralamas" é nostálgico e bem feito. Tá na Netflix.
Era de se imaginar que gostar ou não de "Somos tão jovens", filme de Antonio Carlos de Fontoura, passaria por gostar ou não da banda Legião Urbana, mas não é necessariamente o caso. Como cinema, a cinebiografia do cantor Renato Russo, que morreu vítima de AIDS em 1996, é um filme competente, embora por demais "quadradinho". O roteiro de Marcos Bernstein foca nos caminhos que levaram à formação da Legião, antes do sucesso nacional e a venda de 20 milhões de discos.
A Legião Urbana foi fruto de um movimento surgido em Brasília nos anos 1980 que gerou várias bandas de sucesso, como os Paralamas do Sucesso, a Plebe Rude e o Capital Inicial, entre outras. A propósito, um filme muito melhor sobre o assunto foi feito pelo documentarista Vladimir Carvalho em 2011, "Rock Brasília: Era de Ouro". Nesta dramatização de Antonio Carlos de Fontoura, Renato Russo é interpretado por Thiago Mendonça, que faz um bom trabalho ao imitar o cantor. Além da caracterização física, como penteado, roupas e óculos, Mendonça faz uma competente interpretação do tom de voz e modo de falar de Renato Russo. Fã de bandas "punk" inglesas como Sex Pistols e Joy Division, Russo é visto rasgando suas roupas e furando a orelha com alfinetes para imitar seus ídolos, enquanto anda pela capital do país à procura de uma banda que o faria famoso. Em princípio, se juntou ao sul africano Petrus (Sérgio Dalcin) e ao baterista Fernando Lemos (Bruno Torres) e formaram a banda Aborto Elétrico. A banda se apresentava pelas quadras de Brasília junto com o Plebe Rude e fizeram relativo sucesso, até que Petrus teve que voltar à África do Sul e Renato assumiu a guitarra e os vocais. Seu ego não era pequeno e vivia em atritos com o baterista Fê Lemos; ao mesmo tempo, cultivava uma paixão não correspondida pelo baixista Flávio Lemos (Daniel Passi). A questão da sexualidade de Renato Russo, aliás, era confusa. Como ele diria anos depois em música do álbum "Quatro Estações", ele gostava de "meninos e meninas", e o filme (de forma um pouco cômoda) foca mais no romance quase platônico que ele teve com Ana Cláudia (Laila Zaid), que o inspiraria a escrever "Ainda é Cedo", e fica longe de cenas homossexuais.
O roteiro de Marcos Bernstein segue os fatos de forma fiel, mas apesar do filme servir como homenagem correta a Renato Russo, falta certa ousadia. Que país é esse em que se passa a história? Os personagens citam a ditadura militar esporadicamente, mas não se vê nada da repressão da época (a não ser em algumas batidas policiais que existem até hoje). O filme fica devendo também na representação da cena roqueira dos anos 80, e quando a Legião finalmente sai de Brasília para conquistar o Rio de Janeiro e o resto do país, cenas da banda real são usadas em um pequeno trecho e o filme termina. Para um panorama melhor da época fica a sugestão, além do documentário citado acima, de "Herbert de Perto" e "Raul - O Início, o Fim e o Meio". Em cartaz no Topázio Cinemas, em Campinas.
A vida de Raul Seixas, com toda sua rebeldia e mensagens da contracultura é, do ponto das biografias do rock, comum. Ele seguiu a mesma linha que tantos outros que conheceram o sucesso, entraram no caminho do excesso, das drogas, da bebida e, finalmente, tiveram morte precoce. Isso posto, não significa que o homem Raul Seixas fosse convencional, pelo contrário. O documentário de Walter Carvalho e Evaldo Mocarzel é uma biografia aprofundada da vida e arte deste nordestino que nasceu com a música nas veias e, já menino, fazia parte de um clube do rock em Salvador, onde nasceu.
Com grande quantidade de material de arquivo composto por filmes, fotos e até mesmo gravações dos tempos em que Raulzito, como era chamado, era criança, "Raul - O início, o fim e o meio" conta a vida do artista, suas parcerias artísticas e amorosas, seu envolvimento com drogas, o exílio, o retorno ao sucesso e, finalmente, sua morte. Há depoimentos de mais de quarenta pessoas, entre familiares, amigos de infância, parceiros e ex-companheiras, que tentam compor uma descrição de quem é, provavelmente, o maior ídolo do rock brasileiro. Pedro Bial, que antes de ser babá de "brothers" e "sisters" era um bom jornalista, fala sobre como as músicas de Raul eram transgressoras e tão inteligentes que a censura não conseguia entendê-las. Músicas como "Ouro de Tolo", que Caetano Veloso tenta lembrar as longas letras que diziam "Eu devia estar contente/ Porque eu tenho um emprego/ Sou um dito cidadão respeitável/ E ganho quatro mil cruzeiros/ Por mês". Paulo Coelho, entrevistado em sua casa na Suíça, diz que não entendia nada de fazer letras quando começou a parceria com Raul, e que "Al Capone", a primeira, começou como uma longa poesia. Coelho também dá declarações fortes, como a que diz que apresentou todas as drogas a Raul, mas que não se sente culpado. "Ele era adulto, casado, tinha uma filha, sabia o que estava fazendo." Há uma cena muito engraçada em que uma mosca começa a rondar Paulo Coelho e pousa nele, que a chama de Raul. "Não há moscas aqui", diz ele.
As mulheres são um capítulo a parte. Raul foi casado com a filha de um pastor, no nordeste, chamada Edith. Depois com Gloria Vaquer, irmã do guitarrista da banda. O documentário então cita uma lista de amantes e companheiras com quem Raul se envolveu (Tânia, Kika, Lena, Dalva); todas, aparentemente, sabiam sobre as outras e não soam amargas nos depoimentos. Gloria, a americana, até diz que este é um comportamento normal entre os homens brasileiros. Todas acabam falando dos problemas de Raul com as drogas (era viciado em cocaína) e com a bebida. O cantor teve que extrair grande parte do pâncreas e as bebidas só pioravam sua condição. Há uma fase da vida de Seixas em que ele se envolveu com um grupo seguidor de Aleister Crowley, famoso satanista inglês que morreu de overdose de heroína. Paulo Coelho se mostra bastante incomodado de falar dessa época e diz que não tem mais nada a ver com isso, mas uma dupla bizarra que seria de um "culto ao demônio" diz que Coelho nunca pediu desfiliação do grupo. Irônico que a tal "Sociedade Alternativa", que tantos interpretaram como um manifesto contra a ditadura ou similar, na verdade, era ligado a esta seita. Há até cenas de sacrifícios de animais feitas pelo grupo, ao que Paulo Coelho chama de "magia fora de qualquer ética".
Por fim, o documentário mostra a fase em que Raul Seixas tocou com o roqueiro Marcelo Nova, ex-Camisa de Vênus, com quem fez uma série de 50 shows em nove meses. Há quem diga que estes shows terminaram por matar Raul Seixas e que Marcelo Nova estava se aproveitando do ídolo. Caetano Veloso acha bobagem. Há uma cena emocionante, filmada em 89, ano da morte de Raul, em que Paulo Coelho e Seixas se reencontram no palco do Canecão, no Rio de Janeiro, depois de anos separados, e cantam juntos "Sociedade Alternativa". Bom documentário, muito bem pesquisado e aprofundado. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.