segunda-feira, 21 de abril de 2008

Apenas uma Vez (Once)


Apenas uma vez” (Once - Irlanda - 2006) é um delicioso filme musical irlandês feito com apenas 160 mil dólares, usando atores amadores e câmeras digitais, pelo diretor John Carney. Em várias partes tem-se a sensação de se estar assistindo a um documentário passado em Dublin sobre um músico de rua que conhece uma imigrante tcheca. Ele é interpretado pelo músico Glen Hansard, que em 1991 fez parte da banda fictícia “The Commitments” no ótimo filme de mesmo nome dirigido por Alan Parker (de The Wall, veja resenha abaixo). A moça é interpretada pela música tcheca Marketá Irglová. Os dois se conhecem em uma rua cheia de pedestres de Dublin. A equipe de filmagem gravou tudo sem permissões oficiais ou barreiras separando atores do público. Assim, os pedestres que vemos na rua são todos “reais” e, de vez em quando, pode-se ver alguns deles olhando para a câmera. Hansard e Irglová não são atores profissionais, mas estão muito naturais em seus papéis, talvez porque sejam bem próximos deles na vida real. As músicas tocadas no filme foram todas compostas e cantadas por Glen Hansard e Irglová, que já se conheciam antes e já compuseram juntos.

O diretor John Carney é o baixista da banda irlandesa “The Frames”, liderada por Hansard, e teria pedido originalmente ao ator Cillian Murphy (de “Batman Begins”) para interpretar o músico de rua. Quando Murphy pulou fora o filme perdeu os financiadores e Carney pediu que Hansard fizesse o papel. Na minha opinião tanto Hansard quanto Irglová estão ótimos como o músico de rua e a imigrante. Os dois, curiosamente, não têm os nomes revelados ou ditos durante o filme, fato que só fui notar nos créditos finais (que os chama simplesmente de “guy” e “girl”).

No filme, Hansard faz um músico de rua que compõe canções de amor para a ex-namorada, que o traiu com um amigo e partiu seu coração. Ele voltou para Dublin e mora com o pai, que tem uma loja que conserta aspiradores de pó. Uma noite ele está tocando uma de suas canções e atrai a atenção de Irglová, que gosta da música e começa a conversar com ele. Ela trabalha vendendo flores na rua e fazendo serviços diversos, mas toda semana também toca piano em uma loja de instrumentos musicais. Hansard e Irglová vão a esta loja, começam a tocar e um daqueles momentos “mágicos” acontece: os dois se descobrem tanto como parceiros musicais quanto como amigos, e cantam juntos a música “Falling Slowly”, que venceu o Oscar de Melhor Canção no início deste ano. Este é daqueles filmes que trata da delicada relação entre amor e amizade entre homens e mulheres. O músico de rua e a imigrante são claramente “almas gêmeas” e foram feitos um para o outro, mas como transformar amizade em amor sem estragar a amizade? Uma coisa não deveria ser continuação da outra? Claro que nada é tão simples e em alguns momentos “Apenas uma vez” lembra o ótimo filme “Encontros e Desencontros”, de Sofia Coppola, em que um homem mais velho e uma garota gostam um do outro, têm afinidades e atração mútua, mas hesitam em partir para algo físico. Teria o fato do sexo ser hoje tão “acessível” complicado as relações amorosas?

O caso é que a garota também está saindo de um amor do passado e ambos acabam se aproximando musicalmente. Ele decide que vai voltar para Londres em busca da ex-namorada e atrás de uma carreira musical, e os dois vão para um estúdio gravar algumas canções. Quem já esteve em um estúdio de gravação ou edição sabe o trabalho que dá gravar, mas também conhece a satisfação de ver um trabalho pronto (seja um CD ou um curta metragem, por exemplo) depois de longas horas de dedicação. Alguns momentos (como a seqüência em que Hansard está cantando e assistindo vídeos da ex-namorada) são um pouco longos, e algumas músicas poderiam ser mais curtas, mas o filme é bastante tocante e gostoso de se ver. Os atores amadores são uma revelação e o toque “caseiro” da produção é bem vindo e apreciado. E o filme prova novamente que, com um bom roteiro (e um bom trabalho de som) a imagem digital pode render bom cinema, desde que feito com talento. Visto no Cine Jaraguá, em Campinas.

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