domingo, 6 de abril de 2008

Antonioni, Bergman e a Livraria Cultura

Neste sábado fui à concorrida sessão no Cinesesc na Augusta assistir a três documentários curtos sobre (e com) os mestres Michelangelo Antonioni e Ingmar Bergman. O primeiro se chamava "O olhar de Michelangelo" (Michelangelo Eye to Eye), um filme de 15 minutos composto basicamente por uma série de planos e contra planos entre o rosto do próprio Antonioni com detalhes de estátuas de Michelangelo. Os 15 minutos, a bem da verdade, passam como se fossem uma hora. O cinema lotado fazia silêncio enquanto o filme rodava e, quando ele acabou, seguiram-se algumas palmas esparsas pela sala. Fica complicado falar mal de um filme de Antonioni, certo? Seriam aqueles três planos repetidos do mestre italiano colocando a mão no rosto algum lance genial ou o editor não tinha mesmo outra opção? Na dúvida, então, prefiro achar que eu estava aquém do curta e não se fala mais nisso.

"O Rosto de Karin" (Karin´s Face, 1984), de Ingmar Bergman, é um pouco mais acessível, mas não muito. É basicamente um "slide show" da família de Bergman acompanhado por notas dissonantes de um piano. O foco principal é a mãe do cineasta sueco, Karin, e as fotos vão mostrando cenas de sua vida da juventude à velhice.


O terceiro documentário, "Ingmar Bergman: Intermezzo", foi o mais interessante, consistindo em uma entrevista de 40 minutos com Bergman realizada por Gunnar Bergdahl em 2002. Bergman estava com 83 anos e extremamente lúcido, e logo ao se sentar para a entrevista resolveu mudar tudo o que estava programado. Pediu que uma luz fosse jogada também no entrevistador e inverteu o jogo, perguntando a Bergdahl sobre como ele havia se envolvido com cinema, qual havia sido o primeiro filme que ele havia visto na tela grande, e se ele se considerava um "viciado" em cinema. Bergman confessou que o cinema era o único lugar em que seus "demônios" o deixavam em paz. Falou também sobre ficar velho e continuar trabalhando. Para ele, era ótimo ser produtivo e estava tudo bem enquanto ele estava só escrevendo algum roteiro ou fazendo traduções em sua casa; a dificuldade em ficar velho era durante a produção de seus filmes e peças de teatro, porque há sempre muita gente envolvida e ele tinha de prestar contas a um monte de pessoas. É um prazer ver o velho sueco falando sobre suas influências, sobre como ele passou pouco a pouco a aceitar a chegada da morte e, sempre com um olhar "maroto" no rosto, ver como ele trata bem a equipe de gravação e faz, na verdade, uma espécie de auto-entrevista.

Saindo do cinema fui até o Conjunto Nacional, na esquina da Avenida Paulista com a Augusta, e entrei na mega livraria Cultura, instalada onde funcionava o saudoso Cine Astor. Sim, doeu ver o espaço do cinema ocupado por outra coisa, mas ao menos não havia ali um bingo ou alguma atividade evangélica qualquer. Essas mega livrarias me espantam e, ao mesmo tempo, me fascinam. Há tamanha profusão de cores, cheiros, o barulho de centenas de pessoas e um ar que mistura cultura com mercadão mesmo. São Paulo tem dessas coisas. É grande, fria, complicada, implacável, assustadora mas, ao mesmo tempo, em quantos lugares do mundo você pode sair de um festival de documentários em que viu Ingmar Bergman e, em seguida, ir para uma mega livraria daquela?

Mas... havia uma sensação estranha que não podia identificar até que escutei um casal atrás de mim dizendo:

"Você vai comprar este livro?"
"Eu tenho que comprar esse livro"
"Como assim?"
"Este é daqueles livros que eu tenho vergonha de não ter lido".

Era isso! Você se encontra em meio aos Joyce, Kant, Schopenhauer, Hemingway lado a lado com os caçadores de pipas, os John Grisham, Tom Clancy, Coelho, King, livros de bolso, de arte, de poesia, de ficção científica, de auto-ajuda, de cinema, de.... e você se sente perdido. Ou, como disse a moça, você se sente culpado por todos os livros "obrigatórios" que nunca leu, pelas teorias científicas que nunca pesquisou, pelos tratados filosóficos que não pensou e assim por diante. Você até está genuinamente interessado em um livro de contos de Yukio Mishima mas, em meio a rejeições e separações você sente que talvez não seja inteligente ler um livro de um cara que se matou em um suicídio ritual cortando a própria barriga. Você compra o Nick Hornby e vai para casa feliz, por enquanto. Que tal passar no McDonald´s antes?

Como cansa ser "culto"!

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