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sábado, 6 de setembro de 2008

Linha de Passe

“Linha de Passe" vem dez anos depois do sucesso internacional de "Central do Brasil", filme que catapultou o diretor Walter Salles ao mercado internacional. Em uma década, Salles fez os filmes "O Primeiro Dia", "Abril Despedaçado", "Diários de Motocicleta" e o "americano" "Dark Water", com Jennifer Connelly. Todos contando com algum financiamento do exterior para serem produzidos. Salles retoma a parceria com Daniela Thomas (com quem fez "Terra Estrangeira" e "O Primeiro Dia") e com Vinícius de Oliveira, o garoto de "Central do Brasil", para pintar um quadro sobre a periferia paulista, na visão de uma mãe solteira e seus quatro filhos. A mãe é Cleuza (Sandra Corveloni, que ganhou o prêmio de Melhor Atriz em Cannes pelo trabalho), uma empregada doméstica que faz o que pode para manter os quatro filhos na linha. Grávida de um quinto filho, toda manhã ela pega um ônibus lotado para ir limpar o apartamento de uma médica de classe média alta no centro de São Paulo. Seus filhos são Dario (Vinícius de Oliveira), um aspirante a jogador profissional de futebol; Denis (João Baldasserini), um motoboy que tem um filho pequeno e uma namorada que ele tenta sustentar com o serviço perigoso que é pilotar uma moto pelo trânsito da capital; Dinho (José Geraldo Rodrigues) é um frentista que virou "crente" e entregou a vida a Jesus, mas está em dúvidas com relação a sua fé. E há o caçula, Reginaldo (Kaique Jesus Santos, roubando a cena), que é negro e passa o dia andando de ônibus pela cidade, à procura do pai.

O tema da procura pela figura paterna também estava presente em "Central do Brasil", e aqui é bastante forte. Não sabemos quem são os pais dos filhos de Cleuza, nem do que está para nascer. O mais novo é quem está mais determinado a descobrir suas origens, e há ecos do seu personagem com o de Josué de "Central do Brasil", como a vontade de aprender a dirigir. A trama é linear e acompanha a trajetória destes cinco personagens, mãe e filhos, na luta para sobreviver e tentar melhorar de vida. Não é um tema fácil, mas achei que Salles e Thomas carregaram um pouco na mão. O início é muito bom. Uma montagem paralela estabelece a relação entre os personagens e as paixões típicas do brasileiro: futebol e fé. Dario é visto disputando uma seletiva para tentar ser escolhido para um time de futebol. Enquanto isso vemos sua mãe Cleuza em meio à gigantesca torcida corinthiana, no Morumbi, em um clássico contra o São Paulo. A montagem intercala planos dos jogadores profissionais com os de Dario jogando na várzea, com grande efeito. Também é interessante a ligação entre a fé dos torcedores misturada com cenas da fé de Dinho em um culto evangélico.

A direção de fotografia, de Mauro Pinheiro Jr, dá ao filme um tom semidocumental, com muita câmera na mão e iluminação natural. São Paulo é vista sempre com um visual "sujo" e sob chuva. A trilha "new age" é do oscarizado Gustavo Santaolalla. O roteiro (de Daniela Thomas e George Moura), nem sempre dá conta de acompanhar os personagens como deveria. O destino do motoboy, por exemplo, e sua transição para o crime, me pareceu um tanto simplista. O melhor desenvolvido é Dario, que representa o brasileiro comum, com muito talento, mas com falta de oportunidades para se desenvolver. Todos sabem que ele é um bom jogador de futebol, mas ele tem contra a idade (que já passou do ponto de corte dos clubes) e a falta de dinheiro para "molhar a mão" dos olheiros. Por um momento achei que o tom pesado do filme seria levado às últimas conseqüências, mas o final, em aberto, deixa lugar para alguma esperança. Mas sem dúvida não é o mesmo tipo de esperança do final de "Central". Uma década depois, o olhar de Walter Salles me pareceu mais pessimista e desesperançoso com relação ao Brasil e seus habitantes.

sábado, 23 de agosto de 2008

Curtas em Sampa


Hoje fui ao Centro Cultural São Paulo assistir a alguns curtas da 19a. edição do Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo. O festival vai até dia 29 de Agosto, em várias salas da capital paulista. Acompanhei duas sessões de curtas, às 16h e 18h, divididos em "Panorama Paulista 2" e "Mostra Brasil 1". Minhas impressões:

Panorama Paulista 2


- Ecos da Terra - direção: Paulo Abel (dur: 9 minutos) : filme interessante e ecologicamente correto. Uma moça (Bia Gomes) é colocada na calçada de uma grande cidade no lugar de uma árvore. O curta mostra como as pessoas cometem todo tipo de abuso com a pobre "árvore", como cuspir, marcar as iniciais, amarrar, expor à poluição, e assim por diante. As ações parecem mais fortes porque são feitas com a garota.

- O Cineasta, A Menina, O Homem-Sanduíche - direção: Daniella Saba (dur: 14 min): curta de conclusão de curso de cinema da FAAP (onde estudei). Infelizmente o áudio da cópia estava muito ruim, principalmente a trilha sonora, que estava "rachando" o tempo todo. O roteiro é interessante, um tanto quanto simbólico. Uma garota de rua acredita que pode hipnotizar as pessoas. Um jovem cineasta tenta conseguir apoio financeiro para seu filme. Um senhor (que trabalha carregando placas de publicidade no peito e nas costas, o "homem sanduíche" do título) está tentando recuperar um grande amor. Os três falham, mas há lugar para esperança.

- São Carlos/68 - direção: João Massarolo (dur: 18 min): documentário sobre a greve dos funcionários do Frigorífico São Carlos, em 1968. O frigorífico abriu falência e os funcionários, sem receber há meses e passando fome, começaram a organizar passeatas em pleno regime militar. Estas manifestações foram duramente combatidas pela polícia. O documentário consiste de várias entrevistas entrecortadas por vinhetas que recriam os enfrentamentos com a polícia. Achei que estas vinhetas, apesar de bem feitas, chamam muita atenção e destoam um pouco com o visual do documentário.

- Mar de Dentro - direção: Paschoal Samora (dur: 13 min): classificado como documentário, o filme me pareceu mais um belo exercício visual sobre a relação de um grupo de pescadores com o mar. A fotografia de Cristiano Wiggers é maravilhosa e capta os personagens em elegantes movimentos de câmera, enquanto escutamos suas histórias. Paschoal Samora tem uma bela carreira como documentarista e assisti seu "Diários de Naná", sobre o músico Naná Vasconcelos, no festival "É Tudo Verdade". "Mar de Dentro" ainda tem alguns planos do deserto, um mar de areia, contrapondo com as cenas da água. Bom filme.

- Cotidiano - direção: Joana Mariani (dur: 17 min): antes da sessão começar a diretora disse à platéia que o projeto havia sido feito sem dinheiro oficial, apenas com a ajuda de um grupo de amigos. Eu já estava esperando um video digital de baixa qualidade, mas "Cotidiano" não tem nada de amador. Filmado em película e muito bem feito, o filme mostra um dia na vida de uma mulher comum (Carla Ribas), executando tarefas rotineiras como preparar o café, lavar a roupa e esperar pelo marido.

Terminada a sessão das 16h, soube que os convites para a sessão das 18h já haviam se esgotado. Já estava indo embora quando cruzei com Daniel Rezende na saída. Rezende é um grande montador brasileiro, responsável pela edição de filmes como "Cidade de Deus" e o inédito "Blindness", de Fernando Meirelles, e de "Tropa de Elite", de José Padilha. Na sessão das 18h seria exibido "Blackout", curta de estréia na direção de Rezende, que eu muito queria assistir. Não tive dúvida, fui atrás dele e expliquei a situação. "Mandou bem", disse ele, bem humorado, e me deu um convite para a sessão.

Mostra Brasil 1


- Les Terras di Nadie - direção: César Meneghetti (dur: 5 min): filme experimental muito interessante mostrando diversas situações de guerra e confronto. Uma voz de mulher sussura o tempo todo frases que são mostradas na tela, em cinco línguas diferentes.

- O Presidente dos Estados Unidos - direção: Camilo Cavalcante (dur: 23 min): tragicomédia absurda (e ótima) sobre um homem que enlouquece assistindo a George W. Bush declarar guerra ao Iraque, na televisão. O homem é um trabalhador comum que ficou um tempo afastado do trabalho e cuja esposa dedicada tenta fazê-lo retornar à realidade. Ele acha que é o Presidente dos Estados Unidos e que precisa ligar para o Pentágono para planejar a guerra. O público deu gargalhadas em vários momentos, como quando o marido faz a mulher ligar para o Pentágono (na verdade, uma escola com este nome que ele achou na lista telefônica) e chamar o General Eisenhower. O filme vai ficando cada vez mais sério e trágico conforme avança, tão absurdo quanto as notícias mostradas na televisão.

- Dossiê Rê Bordosa - direção: César Cabral (dur: 16 min): espetacular animação com bonecos que, em forma de documentário investigativo, tenta desvendar o caso da morte da personagem Rê Bordosa, do cartunista Angeli. A animação é muito boa e foi feita quadro a quadro pelo próprio diretor, em um processo que levou um ano (mais seis meses de pós produção). O roteiro, engraçadíssimo, conta com a presença de outros personagens de Angeli, como Bob Cuspe e Bibelô, além de amigos e colegas, todos transformados em bonecos animados. Clássico instantâneo.

- Café com Leite - direção: Daniel Ribeiro (dur: 18 min): conta a história de um casal de homossexuais, Danilo e Marcos, que tem que lidar com uma mudança brusca em suas vidas. Os pais de Danilo (Daniel Tavares) morrem e o rapaz fica responsável por cuidar do irmão pequeno, Lucas (Eduardo Melo). O roteiro é muito bom, o filme é muito bem dirigido e o elenco se porta de forma natural, com destaque para o garoto.

- Blackout - direção: Daniel Rezende (dur: 10 min): curioso que um montador famoso pelos cortes rápidos de "Cidade de Deus" tenha decidido fazer seu primeiro filme em um longo plano sequência. Um deputado suplente (Wagner Moura) e um Assessor da Assembléia Legislativa (Augusto Madeira) entram em uma sala em Brasília para fumar um baseado e fofocar sobre um outro deputado, que estaria em apuros. Há boatos de que este deputado estaria transando com a esposa de um governador e que um escândalo está para acontecer. É então que eles percebem que há uma bomba no fundo da sala. Para piorar, a bomba está amarrada ao deputado de quem eles estavam falando. Para piorar (sempre pode ficar pior, diz Wagner Moura em uma frase do filme), a porta da sala está emperrada e um blackout acontece em Brasília, deixando todos no escuro. O curta é todo filmado de um único ponto de vista, o da bomba no fundo da sala, e é muito bem dirigido. Rezende, em um debate após a sessão, disse que o plano sequência também tem edição, só que ela é feita no próprio set de filmagem. O curta foi rodado em apenas um dia, após alguns dias de ensaio, e tem a fotografia de César Charlone e montagem de Valéria de Barros. Charlone, a propósito, faz uma ponta no curta como o político amarrado à bomba.


Veja a programação completa do Festival aqui

domingo, 6 de abril de 2008

Antonioni, Bergman e a Livraria Cultura

Neste sábado fui à concorrida sessão no Cinesesc na Augusta assistir a três documentários curtos sobre (e com) os mestres Michelangelo Antonioni e Ingmar Bergman. O primeiro se chamava "O olhar de Michelangelo" (Michelangelo Eye to Eye), um filme de 15 minutos composto basicamente por uma série de planos e contra planos entre o rosto do próprio Antonioni com detalhes de estátuas de Michelangelo. Os 15 minutos, a bem da verdade, passam como se fossem uma hora. O cinema lotado fazia silêncio enquanto o filme rodava e, quando ele acabou, seguiram-se algumas palmas esparsas pela sala. Fica complicado falar mal de um filme de Antonioni, certo? Seriam aqueles três planos repetidos do mestre italiano colocando a mão no rosto algum lance genial ou o editor não tinha mesmo outra opção? Na dúvida, então, prefiro achar que eu estava aquém do curta e não se fala mais nisso.

"O Rosto de Karin" (Karin´s Face, 1984), de Ingmar Bergman, é um pouco mais acessível, mas não muito. É basicamente um "slide show" da família de Bergman acompanhado por notas dissonantes de um piano. O foco principal é a mãe do cineasta sueco, Karin, e as fotos vão mostrando cenas de sua vida da juventude à velhice.


O terceiro documentário, "Ingmar Bergman: Intermezzo", foi o mais interessante, consistindo em uma entrevista de 40 minutos com Bergman realizada por Gunnar Bergdahl em 2002. Bergman estava com 83 anos e extremamente lúcido, e logo ao se sentar para a entrevista resolveu mudar tudo o que estava programado. Pediu que uma luz fosse jogada também no entrevistador e inverteu o jogo, perguntando a Bergdahl sobre como ele havia se envolvido com cinema, qual havia sido o primeiro filme que ele havia visto na tela grande, e se ele se considerava um "viciado" em cinema. Bergman confessou que o cinema era o único lugar em que seus "demônios" o deixavam em paz. Falou também sobre ficar velho e continuar trabalhando. Para ele, era ótimo ser produtivo e estava tudo bem enquanto ele estava só escrevendo algum roteiro ou fazendo traduções em sua casa; a dificuldade em ficar velho era durante a produção de seus filmes e peças de teatro, porque há sempre muita gente envolvida e ele tinha de prestar contas a um monte de pessoas. É um prazer ver o velho sueco falando sobre suas influências, sobre como ele passou pouco a pouco a aceitar a chegada da morte e, sempre com um olhar "maroto" no rosto, ver como ele trata bem a equipe de gravação e faz, na verdade, uma espécie de auto-entrevista.

Saindo do cinema fui até o Conjunto Nacional, na esquina da Avenida Paulista com a Augusta, e entrei na mega livraria Cultura, instalada onde funcionava o saudoso Cine Astor. Sim, doeu ver o espaço do cinema ocupado por outra coisa, mas ao menos não havia ali um bingo ou alguma atividade evangélica qualquer. Essas mega livrarias me espantam e, ao mesmo tempo, me fascinam. Há tamanha profusão de cores, cheiros, o barulho de centenas de pessoas e um ar que mistura cultura com mercadão mesmo. São Paulo tem dessas coisas. É grande, fria, complicada, implacável, assustadora mas, ao mesmo tempo, em quantos lugares do mundo você pode sair de um festival de documentários em que viu Ingmar Bergman e, em seguida, ir para uma mega livraria daquela?

Mas... havia uma sensação estranha que não podia identificar até que escutei um casal atrás de mim dizendo:

"Você vai comprar este livro?"
"Eu tenho que comprar esse livro"
"Como assim?"
"Este é daqueles livros que eu tenho vergonha de não ter lido".

Era isso! Você se encontra em meio aos Joyce, Kant, Schopenhauer, Hemingway lado a lado com os caçadores de pipas, os John Grisham, Tom Clancy, Coelho, King, livros de bolso, de arte, de poesia, de ficção científica, de auto-ajuda, de cinema, de.... e você se sente perdido. Ou, como disse a moça, você se sente culpado por todos os livros "obrigatórios" que nunca leu, pelas teorias científicas que nunca pesquisou, pelos tratados filosóficos que não pensou e assim por diante. Você até está genuinamente interessado em um livro de contos de Yukio Mishima mas, em meio a rejeições e separações você sente que talvez não seja inteligente ler um livro de um cara que se matou em um suicídio ritual cortando a própria barriga. Você compra o Nick Hornby e vai para casa feliz, por enquanto. Que tal passar no McDonald´s antes?

Como cansa ser "culto"!