sexta-feira, 14 de outubro de 2011
sábado, 6 de setembro de 2008
Linha de Passe

O tema da procura pela figura paterna também estava presente em "Central do Brasil", e aqui é bastante forte. Não sabemos quem são os pais dos filhos de Cleuza, nem do que está para nascer. O mais novo é quem está mais determinado a descobrir suas origens, e há ecos do seu personagem com o de Josué de "Central do Brasil", como a vontade de aprender a dirigir. A trama é linear e acompanha a trajetória destes cinco personagens, mãe e filhos, na luta para sobreviver e tentar melhorar de vida. Não é um tema fácil, mas achei que Salles e Thomas carregaram um pouco na mão. O início é muito bom. Uma montagem paralela estabelece a relação entre os personagens e as paixões típicas do brasileiro: futebol e fé. Dario é visto disputando uma seletiva para tentar ser escolhido para um time de futebol. Enquanto isso vemos sua mãe Cleuza em meio à gigantesca torcida corinthiana, no Morumbi, em um clássico contra o São Paulo. A montagem intercala planos dos jogadores profissionais com os de Dario jogando na várzea, com grande efeito. Também é interessante a ligação entre a fé dos torcedores misturada com cenas da fé de Dinho em um culto evangélico.
A direção de fotografia, de Mauro Pinheiro Jr, dá ao filme um tom semidocumental, com muita câmera na mão e iluminação natural. São Paulo é vista sempre com um visual "sujo" e sob chuva. A trilha "new age" é do oscarizado Gustavo Santaolalla. O roteiro (de Daniela Thomas e George Moura), nem sempre dá conta de acompanhar os personagens como deveria. O destino do motoboy, por exemplo, e sua transição para o crime, me pareceu um tanto simplista. O melhor desenvolvido é Dario, que representa o brasileiro comum, com muito talento, mas com falta de oportunidades para se desenvolver. Todos sabem que ele é um bom jogador de futebol, mas ele tem contra a idade (que já passou do ponto de corte dos clubes) e a falta de dinheiro para "molhar a mão" dos olheiros. Por um momento achei que o tom pesado do filme seria levado às últimas conseqüências, mas o final, em aberto, deixa lugar para alguma esperança. Mas sem dúvida não é o mesmo tipo de esperança do final de "Central". Uma década depois, o olhar de Walter Salles me pareceu mais pessimista e desesperançoso com relação ao Brasil e seus habitantes.
sábado, 23 de agosto de 2008
Curtas em Sampa

- Dossiê Rê Bordosa - direção: César Cabral (dur: 16 min): espetacular animação com bonecos que, em forma de documentário investigativo, tenta desvendar o caso da morte da personagem Rê Bordosa, do cartunista Angeli. A animação é muito boa e foi feita quadro a quadro pelo próprio diretor, em um processo que levou um ano (mais seis meses de pós produção). O roteiro, engraçadíssimo, conta com a presença de outros personagens de Angeli, como Bob Cuspe e Bibelô, além de amigos e colegas, todos transformados em bonecos animados. Clássico instantâneo.
- Blackout - direção: Daniel Rezende (dur: 10 min): curioso que um montador famoso pelos cortes rápidos de "Cidade de Deus" tenha decidido fazer seu primeiro filme em um longo plano sequência. Um deputado suplente (Wagner Moura) e um Assessor da Assembléia Legislativa (Augusto Madeira) entram em uma sala em Brasília para fumar um baseado e fofocar sobre um outro deputado, que estaria em apuros. Há boatos de que este deputado estaria transando com a esposa de um governador e que um escândalo está para acontecer. É então que eles percebem que há uma bomba no fundo da sala. Para piorar, a bomba está amarrada ao deputado de quem eles estavam falando. Para piorar (sempre pode ficar pior, diz Wagner Moura em uma frase do filme), a porta da sala está emperrada e um blackout acontece em Brasília, deixando todos no escuro. O curta é todo filmado de um único ponto de vista, o da bomba no fundo da sala, e é muito bem dirigido. Rezende, em um debate após a sessão, disse que o plano sequência também tem edição, só que ela é feita no próprio set de filmagem. O curta foi rodado em apenas um dia, após alguns dias de ensaio, e tem a fotografia de César Charlone e montagem de Valéria de Barros. Charlone, a propósito, faz uma ponta no curta como o político amarrado à bomba.
Veja a programação completa do Festival aqui
domingo, 6 de abril de 2008
Antonioni, Bergman e a Livraria Cultura

"O Rosto de Karin" (Karin´s Face, 1984), de Ingmar Bergman, é um pouco mais acessível, mas não muito. É basicamente um "slide show" da família de Bergman acompanhado por notas dissonantes de um piano. O foco principal é a mãe do cineasta sueco, Karin, e as fotos vão mostrando cenas de sua vida da juventude à velhice.
O terceiro documentário, "Ingmar Bergman: Intermezzo", foi o mais interessante, consistindo em uma entrevista de 40 minutos com Bergman realizada por Gunnar Bergdahl em 2002. Bergman estava com 83 anos e extremamente lúcido, e logo ao se sentar para a entrevista resolveu mudar tudo o que estava programado. Pediu que uma luz fosse jogada também no entrevistador e inverteu o jogo, perguntando a Bergdahl sobre como ele havia se envolvido com cinema, qual havia sido o primeiro filme que ele havia visto na tela grande, e se ele se considerava um "viciado" em cinema. Bergman confessou que o cinema era o único lugar em que seus "demônios" o deixavam em paz. Falou também sobre ficar velho e continuar trabalhando. Para ele, era ótimo ser produtivo e estava tudo bem enquanto ele estava só escrevendo algum roteiro ou fazendo traduções em sua casa; a dificuldade em ficar velho era durante a produção de seus filmes e peças de teatro, porque há sempre muita gente envolvida e ele tinha de prestar contas a um monte de pessoas. É um prazer ver o velho sueco falando sobre suas influências, sobre como ele passou pouco a pouco a aceitar a chegada da morte e, sempre com um olhar "maroto" no rosto, ver como ele trata bem a equipe de gravação e faz, na verdade, uma espécie de auto-entrevista.
Saindo do cinema fui até o Conjunto Nacional, na esquina da Avenida Paulista com a Augusta, e entrei na mega livraria Cultura, instalada onde funcionava o saudoso Cine Astor. Sim, doeu ver o espaço do cinema ocupado por outra coisa, mas ao menos não havia ali um bingo ou alguma atividade evangélica qualquer. Essas mega livrarias me espantam e, ao mesmo tempo, me fascinam. Há tamanha profusão de cores, cheiros, o barulho de centenas de pessoas e um ar que mistura cultura com mercadão mesmo. São Paulo tem dessas coisas. É grande, fria, complicada, implacável, assustadora mas, ao mesmo tempo, em quantos lugares do mundo você pode sair de um festival de documentários em que viu Ingmar Bergman e, em seguida, ir para uma mega livraria daquela?
Mas... havia uma sensação estranha que não podia identificar até que escutei um casal atrás de mim dizendo:
"Você vai comprar este livro?"
"Eu tenho que comprar esse livro"
"Como assim?"
"Este é daqueles livros que eu tenho vergonha de não ter lido".
Era isso! Você se encontra em meio aos Joyce, Kant, Schopenhauer, Hemingway lado a lado com os caçadores de pipas, os John Grisham, Tom Clancy, Coelho, King, livros de bolso, de arte, de poesia, de ficção científica, de auto-ajuda, de cinema, de.... e você se sente perdido. Ou, como disse a moça, você se sente culpado por todos os livros "obrigatórios" que nunca leu, pelas teorias científicas que nunca pesquisou, pelos tratados filosóficos que não pensou e assim por diante. Você até está genuinamente interessado em um livro de contos de Yukio Mishima mas, em meio a rejeições e separações você sente que talvez não seja inteligente ler um livro de um cara que se matou em um suicídio ritual cortando a própria barriga. Você compra o Nick Hornby e vai para casa feliz, por enquanto. Que tal passar no McDonald´s antes?
Como cansa ser "culto"!