quarta-feira, 30 de abril de 2008

GATTACA


Esses dias revi Gattaca, esta inteligente ficção-científica escrita e dirigida por Andrew Niccol em 1997. Niccol é o competente roteirista por trás de "O Show de Truman", dirigido por Peter Weir em 1998, que tratava de um reality show que acompanhava a vida inteira de um rapaz (Jim Carrey) sem que ele soubesse. Niccol se dedica a tocar na ferida de certos aspectos da nossa sociedade, como a exposição da mídia (em "O Show de Truman" ou em "SIMONE", escrito e dirigido por ele), ou as consequências do comércio de armas (em "O Senhor da Guerra", com Nicholas Cage, roteiro e direção de Niccol). Em "Gattaca", Niccol imaginou uma sociedade em que, segundo uma frase do próprio roteiro, a discriminação foi levada ao nível da ciência. O código genético não só já foi todo desvendado como os pais podem encomendar os filhos segundo as maiores probabilidades de sucesso físico e mental. Os membros desta nova geração são chamados de "válidos" e, por força do próprio código genético, têm lugar garantido nos melhores postos da nova sociedade. As crianças geradas no modo tradicional são chamadas de "filhos de fé", "filhos do amor" ou, mais preconceituosamente, de "inválidos". A eles são destinados os postos de faxineiros e outras ocupações "menores", a não ser que haja um modo de burlar o sistema.

É aqui que entra Vincent (Ethan Hawke), um "inválido" que desde criança sonhava em trabalhar em GATTACA, a empresa responsável por enviar astronautas para o espaço. O nome GATTACA foi criado por Niccol a partir das bases do DNA, Guanina, Timina, Adenina e Citosina. Todos os funcionários, ao entrar na firma, têm que colocar o polegar em um identificador que tira uma gota de sangue e analisa o DNA. Para enganar o sistema, uma terceira classe de indivíduos existe nessa sociedade; eles são chamados de "escadas emprestadas", fraudadores que usam amostras de sangue, tecido, unhas, urina e qualquer outra forma de identificação genética de outras pessoas. Vincent usa a identidade de um antigo nadador chamado Jerome Morrow (Jude Law, no papel que o revelou no cinema). Jerome tentou se matar após pegar "apenas" segundo lugar em uma competição no exterior, mas acabou em uma cadeira de rodas. Ele vive escondido da sociedade e "empresta" (aluga, na verdade) seu material genético para Vincent, que usa pontas de dedo falsas, por exemplo, para enganar os identificadores genéticos de GATTACA. No início do filme vemos como Vincent limpa impecavelmente sua estação de trabalho para tirar os seus traços genéticos. Ao mesmo tempo ele discretamente espalha fios de cabelo e pedaços de unha de Jerome pelo local. O esquema está funcionando bem e Vincent, por seus próprios méritos (apesar do código genético "inferior"), vai subindo de posição na empresa e é o selecionado para a próxima missão a Saturno. O problema é que, mesmo nesta sociedade "superior", um brutal assassinato acontece em GATTACA e uma investigação cuidadosa é iniciada. Será que Vincent vai conseguir enganar até a polícia e seus métodos de investigação cuidadosos?

O filme tem orçamento relativamente baixo mas é muito inteligente no uso de cenários (a escada do apartamento de Jerome, por exemplo, lembra uma dupla hélice de DNA), no figurino "retrô" baseado nos filmes de detetive, no roteiro inteligente e no elenco que inclui Uma Thurman, Alan Arkin e Gore Vidal. Niccol levanta questões relevantes nessa sua parábola tecnológica. Até que ponto o mundo proposto por ele é plausível? Já há hoje uma espécie de "seleção genética" que discrimina pessoas apenas pela aparência, idade, porte físico e cor da pele. Empresas realizam processos de seleção cada vez mais elaborados que incluem o estudo da grafologia (o modo de escrever), dinâmicas de grupo, jogos, entrevistas e, sim, um exame médico completo. O que as impedirá de, em um futuro próximo, selecionar (ou discriminar?) pela informação genética? Niccol também levanta pontos interessantes sobre o determinismo. Uma pessoa bem nascida, portadora de um código genético "perfeito", tem garantia de ser uma pessoa bem sucedida? E quanto à força de vontade? Ela existe ou também pode ser meramente genética?

É um filme extremamente inteligente que pode render várias leituras. É interessante notar certos detalhes que Niccol acrescentou ao roteiro. Jerome, em sua cadeira de rodas, se considera um "inválido" mas empresta seu código genético "válido" para Vincent (que é visto como "inválido pela genética). Há também uma história paralela envolvendo um irmão de Vincent que foi criado geneticamente e, assim, seria "superior" a ele. Mas ele não consegue vencer Vincent em uma prova de natação no mar. Interessante notar que Jerome, quando ainda era atleta, era justamente um nadador e agora é praticamente um "irmão" de Vincent.

O filme foi lançado recentemente em DVD duplo e imagem restaurada. Recomendo também os outros filmes de Niccol citados acima (apesar de "SIMONE" ser fraquinho). Niccol nos faz pensar como poucos nos dias de hoje.

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