Mostrando postagens com marcador truman. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador truman. Mostrar todas as postagens

domingo, 25 de setembro de 2016

Truman (2015)

Ainda meio sem saber o que falar sobre "Truman", esta co-produção Espanha/Argentina estrelada por Ricardo Darín. "Maravilhoso" seria um bom adjetivo. Filme sensível, tocante, triste sem ser piegas, engraçado sem ser histérico. É, antes de mais nada, Darín mostrando porque é um dos melhores atores do mundo. 

[Atenção, SPOILERS] Ele interpreta Julian, um ator argentino que mora na Espanha. Ele é divorciado, tem um filho de 22 anos morando em Amsterdan e um cachorro chamado Truman, que ele diz que é como se fosse outro filho. Um dia Julian recebe em seu apartamento Tomás (Javier Cámara), um amigo de longa data que veio visitá-lo do Canadá. Os dois se abraçam, Julian deixa o cachorro com uma vizinha e eles saem por Madrid para resolver alguns negócios pendentes. Primeiro visitam o veterinário de Truman, a quem Julian pergunta como é que um cachorro lida com a questão do luto. Julian pretende dar o cachorro para adoção e está preocupado com o modo como o cachorro vai sentir sua falta "depois que ele partir". Ao longo do filme eles visitam uma funerária, onde Julian precisa decidir se quer um enterro comum ou cremação. Finalmente visitam o médico de Julian, a quem o ator declara sua decisão de parar com a quimioterapia. "De que vai adiantar? Eu vou morrer de qualquer maneira, não vou?".

É assim que, lentamente, o espectador toma conhecimento de que Julian tem uma doença terminal e que, para espanto de amigos e família, ele está resignado com o diagnóstico e desistiu de lutar com o inevitável. Escrito e dirigido pelo catalão Cesc Gay (de "O que os homens falam"), "Truman" me lembrou um pouco de "As Invasões Bárbaras", do canadense Denys Arcand. Mas ao contrário daquele filme, quase todo passado em um hospital e nas derradeiras horas de um homem, "Truman" mostra Julian enquanto ele ainda parece saudável e com a vida toda pela frente, o que torna tudo ainda mais assustador. Julian se apresenta todas as noites no teatro (em uma versão da peça "Ligações Perigosas") e ainda tem forças para, em um impulso, pegar um avião e ir almoçar com o filho em Amsterdan (em uma das cenas mais tocantes do filme).

Vale repetir que, apesar do tema triste, este não é um filme piegas ou melodramático. A morte está à espreita no horizonte de Julian (e de todos nós um dia, não?) e ele tenta, no pouco tempo que lhe resta, resolver o destino de seu cachorro, colocar em ordem suas coisas e, principalmente, retomar a amizade com Tomás, que mais se parece como um irmão. O filme nos poupa da parte realmente ruim, quando a doença vai destruir este homem ("Eu era um galã!", diz Julian em dado momento). É uma história sobre o poder da amizade e da dificuldade em se dizer adeus, seja para um amigo, um filho ou um cachorro. (filme disponível no Google Play).

João Solimeo

quarta-feira, 30 de abril de 2008

GATTACA


Esses dias revi Gattaca, esta inteligente ficção-científica escrita e dirigida por Andrew Niccol em 1997. Niccol é o competente roteirista por trás de "O Show de Truman", dirigido por Peter Weir em 1998, que tratava de um reality show que acompanhava a vida inteira de um rapaz (Jim Carrey) sem que ele soubesse. Niccol se dedica a tocar na ferida de certos aspectos da nossa sociedade, como a exposição da mídia (em "O Show de Truman" ou em "SIMONE", escrito e dirigido por ele), ou as consequências do comércio de armas (em "O Senhor da Guerra", com Nicholas Cage, roteiro e direção de Niccol). Em "Gattaca", Niccol imaginou uma sociedade em que, segundo uma frase do próprio roteiro, a discriminação foi levada ao nível da ciência. O código genético não só já foi todo desvendado como os pais podem encomendar os filhos segundo as maiores probabilidades de sucesso físico e mental. Os membros desta nova geração são chamados de "válidos" e, por força do próprio código genético, têm lugar garantido nos melhores postos da nova sociedade. As crianças geradas no modo tradicional são chamadas de "filhos de fé", "filhos do amor" ou, mais preconceituosamente, de "inválidos". A eles são destinados os postos de faxineiros e outras ocupações "menores", a não ser que haja um modo de burlar o sistema.

É aqui que entra Vincent (Ethan Hawke), um "inválido" que desde criança sonhava em trabalhar em GATTACA, a empresa responsável por enviar astronautas para o espaço. O nome GATTACA foi criado por Niccol a partir das bases do DNA, Guanina, Timina, Adenina e Citosina. Todos os funcionários, ao entrar na firma, têm que colocar o polegar em um identificador que tira uma gota de sangue e analisa o DNA. Para enganar o sistema, uma terceira classe de indivíduos existe nessa sociedade; eles são chamados de "escadas emprestadas", fraudadores que usam amostras de sangue, tecido, unhas, urina e qualquer outra forma de identificação genética de outras pessoas. Vincent usa a identidade de um antigo nadador chamado Jerome Morrow (Jude Law, no papel que o revelou no cinema). Jerome tentou se matar após pegar "apenas" segundo lugar em uma competição no exterior, mas acabou em uma cadeira de rodas. Ele vive escondido da sociedade e "empresta" (aluga, na verdade) seu material genético para Vincent, que usa pontas de dedo falsas, por exemplo, para enganar os identificadores genéticos de GATTACA. No início do filme vemos como Vincent limpa impecavelmente sua estação de trabalho para tirar os seus traços genéticos. Ao mesmo tempo ele discretamente espalha fios de cabelo e pedaços de unha de Jerome pelo local. O esquema está funcionando bem e Vincent, por seus próprios méritos (apesar do código genético "inferior"), vai subindo de posição na empresa e é o selecionado para a próxima missão a Saturno. O problema é que, mesmo nesta sociedade "superior", um brutal assassinato acontece em GATTACA e uma investigação cuidadosa é iniciada. Será que Vincent vai conseguir enganar até a polícia e seus métodos de investigação cuidadosos?

O filme tem orçamento relativamente baixo mas é muito inteligente no uso de cenários (a escada do apartamento de Jerome, por exemplo, lembra uma dupla hélice de DNA), no figurino "retrô" baseado nos filmes de detetive, no roteiro inteligente e no elenco que inclui Uma Thurman, Alan Arkin e Gore Vidal. Niccol levanta questões relevantes nessa sua parábola tecnológica. Até que ponto o mundo proposto por ele é plausível? Já há hoje uma espécie de "seleção genética" que discrimina pessoas apenas pela aparência, idade, porte físico e cor da pele. Empresas realizam processos de seleção cada vez mais elaborados que incluem o estudo da grafologia (o modo de escrever), dinâmicas de grupo, jogos, entrevistas e, sim, um exame médico completo. O que as impedirá de, em um futuro próximo, selecionar (ou discriminar?) pela informação genética? Niccol também levanta pontos interessantes sobre o determinismo. Uma pessoa bem nascida, portadora de um código genético "perfeito", tem garantia de ser uma pessoa bem sucedida? E quanto à força de vontade? Ela existe ou também pode ser meramente genética?

É um filme extremamente inteligente que pode render várias leituras. É interessante notar certos detalhes que Niccol acrescentou ao roteiro. Jerome, em sua cadeira de rodas, se considera um "inválido" mas empresta seu código genético "válido" para Vincent (que é visto como "inválido pela genética). Há também uma história paralela envolvendo um irmão de Vincent que foi criado geneticamente e, assim, seria "superior" a ele. Mas ele não consegue vencer Vincent em uma prova de natação no mar. Interessante notar que Jerome, quando ainda era atleta, era justamente um nadador e agora é praticamente um "irmão" de Vincent.

O filme foi lançado recentemente em DVD duplo e imagem restaurada. Recomendo também os outros filmes de Niccol citados acima (apesar de "SIMONE" ser fraquinho). Niccol nos faz pensar como poucos nos dias de hoje.