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sábado, 22 de dezembro de 2012

As aventuras de Pi

"As Aventuras de Pi" é um filme com dois lados. Um é uma ótima aventura de fantasia que mostra a convivência forçada entre um garoto indiano e um tigre de bengala. O outro lado é um filme confuso sobre a disputa entre a Razão e a Religião. Baseado em um livro de Yann Martel, o roteiro de David Magee, provavelmente fiel ao material original, é bastante irregular. Acrescenta-se o fato de que o diretor Ang Lee, que já fez obras tão diversas quanto "Razão e Sensibilidade" (1995), "O Tigre e o Dragão" (2000) ou mesmo "Hulk" (2003) ter decidido testar em "As aventuras de Pi" todo tipo de efeito especial digital possível e o produto final, repetimos, é uma salada mista, por vezes brilhante, em outras entediante, frequentemente exagerado.

Pi (Suraj Sharma) é um rapaz indiano que cresceu em um zoológico administrado pela família. As finanças vão mal e o pai decide fechar o zoo e partir para o Canadá, onde pretende vender os animais e começar uma vida nova. Durante uma tempestade no Oceano Pacífico, o cargueiro em que viajam é tragado pelas ondas e Pi vai parar em um bote salva-vidas na companhia de um orangotango, uma zebra, uma hiena e do tigre do zoológico. A cena do naufrágio é assustadora e realmente impressionante. Há um plano que mostra Pi, sob as ondas, vendo o grande navio iluminado afundar na escuridão do mar, que é fantástico. De volta ao bote salva-vidas, Pi tem não só que cuidar da própria vida como administrar os animais a bordo que, aos poucos, vão sendo devorados primeiro pela hiena e depois pelo tigre. Quando sobram apenas Pi e o tigre, é um conflito entre a inteligência do garoto contra a força e os instintos do animal que, como mostrado em uma cena anterior, é um predador eficiente e letal. Pi constrói uma balsa com os coletes salva-vidas e os remos e passa grande parte do tempo nela, deixando o bote para o tigre. É uma convivência complicada, mas o roteiro (ao menos nesta parte da trama) é inteligente e mostra como Pi tem que pensar não só em saciar a própria fome (ele come biscoitos do bote salva-vidas) como a do tigre, que ele alimenta com peixes pescados com uma vara improvisada. Não é apenas uma boa ação; se o tigre ficar com fome demais ele pode tentar alcançar Pi na balsa e devorá-lo. Há belas cenas em que a tela do cinema se transforma em uma espécie de pintura em que Ang Lee mistura as cores do céu e do mar, ou as nuvens e as águas vivas. Há um clima um pouco "new age" demais, mas é certamente bonito. Se "As Aventuras de Pi" fosse feito apenas desta longa sequência passada no mar, seria um filme ótimo.

(ATENÇÃO SPOILERS) O problema é que há outra trama, passada no presente, que mostra um Pi adulto (Irrfan Khan) narrando sua história para um escritor canadense. Isto causa vários problemas; para começar, revela que Pi sobreviveu à aventura no mar, já que é visto vivo, e adulto, logo no início do filme. Além disso, passa-se um bom tempo (tempo demais) acompanhando a narração de Pi falando sobre a infância e seu envolvimento com várias religiões. Mas o pior é uma sequência final em que, depois de contar sua aventura fantástica ao escritor canadense, o Pi adulto resolve contar uma outra versão, possivelmente a "verdadeira", sobre o que realmente teria acontecido a ele e sua família durante o naufrágio. Seria uma decisão corajosa por parte de Ang Lee ou um terrível erro de cálculo? O resultado é que "As aventuras de Pi" termina com um tremendo anti clímax, lembrando aquelas histórias antigas que acabavam com "e foi tudo um sonho". 

De qualquer forma, "As aventuras de Pi" é ambicioso e muito bem feito. Os efeitos especiais chegaram a um nível em que praticamente tudo que pode ser imaginado pode ser materializado; fato que, se não for usado com cuidado, pode ser um problema.

sábado, 11 de julho de 2009

Desejo e Perigo

Quando ficamos sabendo, em "Notorious", de Alfred Hitchcock, que Ingrid Bergman terá que se passar por esposa de Claude Rains para espioná-lo, intelectualmente sabemos que ela vai ter que dormir com ele. Mas em um filme de 1946, isto é apenas um detalhe que, na verdade, não podia ser mostrado de fato.

Em um filme de 2007 de Ang Lee, o cinema e a sociedade mudaram o suficiente para que este "detalhe" não seja apenas insinuado. Homens e mulheres se relacionam sexualmente na vida real e, nos dias de hoje, também no cinema. O ato, e suas consequências físicas e psicológicas, mudam quando vemos com nossos próprios olhos. Assim, o sexo em "Desejo e Perigo" está no limite do explícito. Na prática, é bem possível que os atores Tony Leung e Tang Wei, assim como seus personagens, também levaram o ato até o fim.

Isso posto, "Desejo e Perigo" ("Lust, Caution", no original, que descreve perfeitamente o enredo) é muito mais do que sexo. Ang Lee, depois de ganhar o Oscar nos EUA por "O Segredo de Brokeback Mountain", está de volta à China para fazer um dos melhores filmes sobre espionagem, guerra e relacionamentos dos últimos anos. Ele é impecável na recriação da China ocupada pelos japoneses antes e durante a II Guerra Mundial, nos figurinos, na bela direção de fotografia de Rodrigo Pietro e na música de Alexandre Desplat.

O enredo trata da jovem estudante Wong Chia Chi (Tang Wei) que, ao entrar para um grupo de teatro,  também se envolve com o movimento contra a ocupação japonesa. Seus colegas de teatro estão dispostos a matar um colaboracionista chinês chamado Yee (Tony Leung, sempre excelente) e eles trocam as peças de teatro por uma "peça" muito mais perigosa e mortal. Wong Chia Chi começa a interpretar o papel da "Sra. Mak", a esposa de um rico homem de negócios e, nesta condição, consegue se aproximar da família do Sr. Yee. O filme é extremamente detalhado em mostrar esta aproximação e também a enorme e reprimida paixão que surge entre ela e o Sr. Yee. As ações do resto do grupo também são detalhadas e, por vezes, ingênuas. Há uma cena de assassinato extremamente violenta que também me lembrou Hitchcock, quando o grupo literalmente suja as mãos de sangue pela primeira vez e descobre, a duras penas, que matar um homem não é tão fácil quanto parece.

Há uma passagem temporal para três anos depois, em 1941, e a Sra. Mak volta a assediar e espionar o Sr. Yee em Shanghai. É então que a atração entre eles se consuma de forma violenta e apaixonada. Ang Lee não  quer simplesmente nos chocar com as cenas de sexo. Há no ato dos dois algo de desesperado, seja do lado da garota, que tem que se entregar a alguém que ela está tentando matar, seja do lado do chinês que desconfia de tudo e de todos. É como se os dois soubessem que, no fundo, são inimigos, mas há um fogo e uma atração entre eles que os levam ao limite do amor físico. Mas seria realmente apenas físico? É possível se entregar a tal ponto a alguém sem que haja sentimento? Por que a "Sra. Mak" se doa com tanta paixão ao inimigo mas mantém uma relação apenas platônica com seu companheiro de resistência?

O filme não foi bem nos Estados Unidos por causa da classificação NC-17 (geralmente associada a filmes pornográficos) e não repetiu o sucesso de filmes como "O Tigre e o Dragão" ou "Brokeback Mountain", mas Ang Lee venceu o Leão de Ouro no Festival de Veneza. Aqui no Brasil, chegou com dois anos de atraso. (Em Campinas, o filme está em pré-estréia no Topázio Cinemas.)

Irretocável.