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sábado, 8 de fevereiro de 2014

Ela

Theodore Twombly (Joaquin Phoenix, de "O Mestre") é ótimo em expressar os sentimentos...dos outros. Ele é o empregado número 612 de uma empresa que, por um preço, escreve  belas cartas de amor. Theodore é um dos melhores escritores da firma. Estamos em um futuro próximo, indeterminado, em uma Los Angeles imaginária (filmada em Shanghai, China) em que tudo é visto em tons pastéis e agradáveis. As pessoas andam pelas ruas aparentemente falando sozinhas, checando e-mails ou navegando pela internet a partir de um fone de ouvido e um aparelho que se parece com um smartphone. "Toque uma música melancólica", pede Theodore ao seu fone de ouvido, no elevador da empresa.

Um dia, Theodore vê o anúncio de um novo sistema operacional que, ao contrário das vozes impessoais no seu ouvido, promete ser consciente e inteligente. O manual parece uma bula de um antidepressivo leve, prometendo sanar todos os seus problemas. Ele instala o sistema e assim nasce "Samantha" (voz de Scarlett Johansson, de "Os Vingadores"), uma voz feminina bonita, divertida e engraçada, que ri das piadas de Theodore, organiza seus e-mails e, aos poucos, vai lhe fazendo companhia. Recém separado de um amor da infância, Catherine (Rooney Mara, de "Os Homens que não Amavam as Mulheres"), por quem ainda está apaixonado, Theodore se agarra à Samantha como a uma tábua de salvação. Não demora muito e "eles" estão apaixonados.

"Ela" é escrito e dirigido por Spike Jonze, que trabalhava no filme desde 2009, quando lançou "Onde Vivem os Monstros". O futuro imaginado por Jonze não está muito distante do presente, em que já se vêem pessoas "falando sozinhas" pelas ruas. Em uma sociedade aparentemente rica e sem problemas materiais, a solidão impera e homens e mulheres como Theodore navegam como fantasmas por um grande mundo virtual. Joaquim Phoenix compõe um personagem que é um retrato sensível do homem do século XXI, bem sucedido e "feliz" por fora, mas deprimido e solitário por dentro. As cenas de Theodore andando pelos corredores vazios do seu prédio, ou à janela olhando a cidade, lembram "Encontros e Desencontros" (2003), filme da ex-mulher de Spike Jonze, Sofia Coppola, também estrelado por Scarlett Johansson. Os dois têm o mesmo clima melancólico, quase depressivo, que caracteriza o novo milênio. (leia mais abaixo)


Curioso também que alguns personagens tenham o mesmo nome dos atores que os interpretam, como Amy Adams (bastante diferente do seu trabalho em "Trapaça") ou mesmo Samantha que, durante as filmagens, foi interpretada por Samantha Morton. Scarlett Johansson foi chamada para substituir Morton durante a edição do filme (que, segundo artigos, teve grande ajuda do diretor Steven Soderbergh). Fico curioso em ouvir a interpretação de Morton, mas Johansson faz um ótimo trabalho usando apenas a voz.

(ATENÇÃO: SPOILERS) O roteiro de Spike Jonze não segue o esperado, principalmente com relação a Samantha. O contato constante com Theodore faz com que ela comece a adquirir características cada vez mais humanas; o que começa como um amor inocente se torna cada vez mais complicado, principalmente quando Samantha começa a também "querer" coisas. Assim, o filme não é apenas a história de um homem solitário que se apaixona por um ser inanimado. Samantha não só se torna "humana" como, por causa da inteligência artificial, evolui rapidamente para algo que, no final, fica difícil definir o que é. Este arco da personagem, apesar de interessante, meio que contradiz a suposta mensagem humanizadora do filme. Há duas ótimas cenas em que Theodore se encontra com mulheres reais; a primeira em um encontro (que termina mal) com Olivia Wilde e uma ótima cena em que ele se encontra com a ex-esposa, Catherine. Rooney Mara está excelente no pouco tempo de filme e, ao saber que o ex-marido está "namorando" um sistema de computador, ela lhe diz umas verdades que, talvez, acabem se perdendo no desenrolar da trama.

É um filme que, desconfio, vá gerar tanto amor quanto ódio. Tem ideias muito interessantes espalhadas pela trama, mas muitos vão considerá-lo "bonitinho" demais. "Ela" está indicado a cinco Oscars, Melhor Filme, Roteiro, Trilha Sonora, Canção e Design de Produção. A ótima fotografia de Hoyte Van Hoytema, infelizmente, foi esquecida.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Rebels on the Backlot (livro)

De tantos em tantos anos surge uma geração que tenta mudar a cara do cinema americano. A "indústria", como Hollywood é conhecida, é uma máquina bem lubrificada de fazer filmes que, pontualmente, lança filmes prontos para as telas dos "multiplexes" mundo afora. São filmes comerciais, seguindo fórmulas testadas e aprovadas pelo público que, geralmente, não quer gastar seu dinheiro com um produto arriscado e desconhecido. Mas, felizmente, os tempos mudam. Tradições são quebradas, valores discutidos e o cinema, ainda que tardiamente, acaba seguindo ou revelando novas tendências. Foi assim no final dos anos 60 e na década de 70, quando cineastas como Martin Scorsese, Francis Ford Copolla, Steven Spielberg, George Lucas, Peter Bogdanovich e tantos outros mudaram a forma de se criar filmes nos Estados Unidos. Esta história foi muito bem contada no livro "Easy Riders, Raging Bulls", de Peter Biskind. Os anos 80 viram uma onda de filmes extremamente comerciais (alguns muito bons), mas que não inovavam muito na arte de cinema. Coube aos anos 90, a última década do século XX e do milênio, trazer uma nova geração de cineastas criativos para as telas.

"Rebels on the Backlot" conta a história de alguns destes cineastas, chamados pela autora Sharon Waxman de "rebeldes". Ao contrário da geração cinéfila e universitária dos anos 70, os rebeldes dos anos 90 eram frutos da cultura pop americana, uma mistura de fast food com histórias em quadrinhos, filmes de kung-fu chineses e clipes da MTV. Waxman escolheu destacar seis deles para contar sua história: Quentin Tarantino (Pulp Fiction), Steven Soderbergh (Traffic), David Fincher (O Clube da Luta), Paul Thomas Anderson (Boogie Nights), David O. Russel (Três Reis) e Spike Jonze (Quero ser John Malkovich). Ela também cita outros, como Sofia Coppola (As Virgens Suicidas, Encontros e Desencontros), Sam Mendes (Beleza Americana) e os irmãos Wachowski (Matrix), entre outros, mas o foco são naqueles seis que ela considera os mais influentes e revolucionários no cinema dos 90.

Dividido em 13 capítulos, com apêndices e até uma "linha do tempo" dos fatos narrados no livro, Waxman mistura artigos de revistas e jornais especializados com centenas de entrevistas feitas por ela mesma com os envolvidos. Há muitos detalhes dos bastidores e do processo raramente saudável de se fazer um filme. Assim como em "Easy Riders", há também grande quantidade de fofoca sobre diretores e produtores, geralmente envolvendo sexo e/ou drogas. Há também um ponto de vista mais feminino, claro, que o livro de Peter Biskind. Waxman gosta de falar sobre as mães, namoradas e esposas dos envolvidos, para mostrar as mulheres por trás dos homens por ela descritos.

A "estrela" do livro, de certa forma, é Quentin Tarantino. Foi ele quem, para o bem ou para o mal, nocauteou Hollywood com sua mistura de cultura pop com ultraviolência. Reconhecido pelos roteiros de "Amor à queima roupa" (True Romance, lançado em 1993) e "Assassinos por natureza" (Natural Born Killers, lançado em 1994), Tarantino conseguiu chamar a atenção do ator Harvey Keitel, que o ajudou a conseguir financiamento para "Cães de Aluguel" (Reservoir Dogs, 1992). O filme foi um sucesso inesperado, causando tanto admiração quanto repulsa por sua violência (por sua famosa cena em que Michael Madsen corta a orelha de um policial). Waxman descreve Tarantino como um rapaz sujo e pouco higiênico, pouco ligado a tomar banho ou se barbear. Ela também mostra como ele seria um sujeito traiçoeiro, pronto para esquecer dos amigos assim que chegou ao sucesso. Roger Avary, amigo de longa data, por exemplo, teria sido co-autor de grande parte do roteiro de "Pulp Fiction" (toda a trama envolvendo o boxeador de Bruce Willis teria sido criação de Avary). Como Tarantino queria que os créditos lessem "Escrito e Dirigido por Quentin Tarantino", o nome de Avary teria sido tirado dos créditos de roteiro e recebido apenas um crédito por "estória". Mas Waxman deixa evidente a genialidade de Tarantino como escritor de diálogos, mesmo que nem todas as as histórias fossem realmente dele.

Ganha também destaque no livro a disputa entre George Clooney, estrela da série médica "E.R." e o diretor David O. Russell, na produção de "Três Reis". Russell não gostava do estilo de interpretar de Clooney, mas precisava do apoio do astro para conseguir financiamento para o filme. A atuação de Clooney era questionada diariamente na frente de toda equipe, o que acabou causando atritos. Além disso, Russell seria extremamente cruel e tirânico, deixando de dar atenção a um figurante que teve um ataque epilético em cena. George Clooney teria ido ajudar o rapaz, o que causou uma briga no set de filmagem que chegou aos socos e gritos.

Steven Soderbergh é descrito como um "nerd" talentoso que se viu catapultado ao sucesso quando lançou seu pequeno filme "Sexo, mentiras e videotape", em 1989. O filme foi vencedor no Festival de Cannes e, de repente, Soderbergh era o diretor mais quente de Hollywood. Waxman, porém, o mostra como alguém que gosta de sabotar o próprio sucesso. Soderbergh seguiu "Sexo, mentiras e videotape" com bombas como "Kafka" (1991) ou "Schizopolis" (1996), um filme em que ele contava a história do próprio divórcio, tendo como atores ele próprio, sua ex-mulher e filha. Soderbergh voltaria ao sucesso no final da década de 90, quando lançou filmes como "Erin Brockovich" (que deu o Oscar a Julia Roberts) e "Traffic" (que deu a Soderbergh o Oscar de Melhor Diretor). "Traffic" começou com uma idéia desenvolvida pela produtora Laura Bickford, que queria adaptar para os Estados Unidos uma série britânica de mesmo nome. O filme sofreu diversas mudanças e passou pela mão de vários estúdios, que não queriam tocar no tema polêmico das drogas. Quando Soderbergh estava para fazer "Traffic" como um projeto pequeno pelo estúdio USA Films, Harrison Ford se interessou por um papel e, de repente, o filme se tornou de grande orçamento...somente para ver Ford desistir a um mês do início das filmagens. O papel acabou ficando com Michael Douglas.

São também interessantes as histórias sobre como "Clube da Luta", de David Fincher, custou 75 milhões de dólares e foi um fracasso enorme na bilheteria (para, depois, se tornar um sucesso "cult" nas vendas em DVD). A produção do bizarro roteiro de "Quero ser John Malkovich" também rende bons capítulos. E Paul Thomas Anderson mostra como conseguiu convencer os estúdios a aceitar que filmes como "Boogie Nights" e "Magnólia" fossem feitos.

"Rebels on the Backlot". Sharon Waxman. 386 páginas. Harper Perennial. Inglês.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Onde vivem os monstros

O mundo de um garoto pode ser um lugar bastante assustador. Nada foi feito para o tamanho dele, os adultos estão muito ocupados com "coisas de adultos", irmãos mais velhos podem ser cruéis e os professores vivem dizendo que o planeta vai ser destruído de diversas formas diferentes, isso se o Sol não morrer antes. Assim é a vida de Max (o excelente ator infantil Max Records), um garoto comum, filho de pais separados, que tenta dia a dia sobreviver neste mundo complicado. Ele ama a irmã mais velha mas, como toda adolescente, ela está mais preocupada com o telefone e com os amigos que com ele. Sua mãe (Catherine Keener) vive as agruras de ser uma mulher separada que tem que equilibrar carreira, vida amorosa e filhos. Um dia Max veste uma fantasia de lobo e começa a aprontar pela casa, até ser repreendido pela mãe. Ele foge, entra em uma floresta e, de repente, está à beira do mar. Ele pega em barquinho que está na praia e parte mar adentro, indo parar em uma estranha ilha habitada por monstros. A princípio eles querem devorá-lo mas, esperto, ele consegue convencê-los de que é um Rei de uma terra distante, e que agora é rei daquele lugar também.

Esta história simples, baseada em um livro de Maurice Sendak, foi transformada em filme por Spike Jonze (de "Quero ser John Malkovich"), um diretor considerado "alternativo" que fez um filme que os executivos em Hollywood devem ter quebrado a cabeça para classificar. Por um lado, é para todos os efeitos uma história infantil. Há um garoto, há monstros, há canções e cenas de ação. Por outro, é um filme feito com extremo "realismo" por um exército de técnicos em efeitos especiais, misturando bonecos com computação gráfica. Os monstros Carol (voz de James Gandolfini), Judith (Katherine O´Hara), Ira (Forest Whitaker), Douglas (Chris Cooper), Alexander (Paul Dano), KW (Lauren Ambrose) e uma espécie de "Touro" gigante (Michael Berry Jr) são uma mistura de animais diferentes, cada um com sua personalidade. O "chefe" Carol me lembrou muito "Totorô", o monstro bom criado por Hayao Miyazaki em animação de 1988. Um pouco como no "ET, O Extraterrestre" de Steven Spielberg, a história infantil é tratada por Jonze com seriedade, da mesma forma como as crianças levam suas brincadeiras extremamente a sério. Há momentos de pura diversão, quando o "rei" Max ordena que todos caiam na bagunça, destruindo árvores, rolando pelo chão e pulando, misturados com cenas ternas como quando todos pulam em cima uns dos outros e acabam dormindo juntos, como as crianças gostam de fazer.

Mas, como disse, é um filme difícil de classificar. Aqui no Brasil, para complicar mais as coisas, o filme foi lançado apenas em algumas cidades e com cópias legendadas, o que indica claramente que é considerado um filme adulto. Creio que nenhum garoto teria problemas em se identificar com Max e suas fantasias na ilha dos Monstros. Tecnicamente é um filme muito bem feito, com bela fotografia de Lance Acord (o mesmo de "Encontros e Desencontros") e trilha sonora inspirada de Karen O e Carter Burwell. Os efeitos especiais conseguem o feito de criar monstros que são, ao mesmo tempo, falsos mas realistas, uma mistura que só poderia sair da imaginação de uma criança.