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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Licorice Pizza (2021)

Licorice Pizza (2021). Dir: Paul Thomas Anderson. O filme é uma delícia, embora desconfie que seja daquele tipo de filme mais amado por cinéfilos do que pelo público em geral. Paul Thomas Anderson produz, escreve, dirige e faz a fotografia deste retrato de Los Angeles no começo dos anos 1970. Não há exatamente uma "trama", mas uma série de eventos acompanhando um romance "diferente" entre um ex-ator infantil e uma moça (um pouco) mais velha. Ele é Gary Valentine (Cooper Hoffman, filho do grande Philip Seymour-Hoffman) e ela é Alana Kane (Alana Haim, cantora e música do trio de pop rock "Haim"). Os dois estão estrelando nos cinemas pela primeira vez, o que é impressionante; Alana é um furacão, natural como uma atriz veterana. Cooper Hoffman (ainda) não tem o talento do pai, mas está no caminho.

O roteiro mostra como pano de fundo para o "romance" entre Gary e Alana eventos dos EUA e do mundo nos anos 1970, como a Guerra do Vietnam e a crise do petróleo. Gary, que luta com a mãe solteira para sobreviver, está sempre atrás de um novo "esquema", e Alana (que aparentemente não quer romance mas está intrigada pelo garoto) se torna sua sócia. Juntos eles vendem colchões de água, fazem testes em filmes, se juntam a uma campanha para prefeito e embarcam na onda dos fliperamas. Astros como Sean Penn e Bradley Cooper fazem participações especiais. A família de verdade de Alana aparece como a família dela (pai, mãe e irmãs). Há momentos em que parece que estamos vendo um filme caseiro de alto orçamento. Há também algo de "Era uma vez... em Hollywood", de Quentin Tarantino, no modo como Anderson recria a Los Angeles da época. O filme está indicado aos Oscars de Melhor Filme, Diretor e Roteiro Original. Em cartaz nos cinemas.

 

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

O Abutre

Lou Bloon (Jake Gyllenhaal) é um trambiqueiro que vive de pequenos furtos em Los Angeles. Uma noite ele vê uma equipe de cinegrafistas gravando um acidente e tem uma inspiração. Com o dinheiro de uma bicicleta roubada ele compra um rádio de polícia, uma câmera de vídeo e passa as noites escutando os chamados de emergência, em busca de alguma ocorrência.

Uma de suas primeiras filmagens, um sangrento homicídio, chama a atenção de Nina (Rene Russo, por onde andava ela?) a editora de uma pequena rede de TV de Los Angeles. Ela é obcecada por audiência, como toda jornalista, mas sua falta de ética encontra eco nas imagens cruas de Lou. "Me traga mais material como este", ela diz ao rapaz.

Jake Gyllenhaal já provou ser bom ator em filmes como "Zodíaco", de David Fincher, e "O Homem Duplicado", de Denis Villeneuve, mas ele está irreconhecível na pele de Lou Bloon, desaparecendo em um personagem completamente sem escrúpulos. Lou não conhece limites éticos; seu objetivo é um só: chegar primeiro à ocorrência e conseguir as imagens mais chocantes. Com uma voz afetada, ele recita sem parar regras de negócios e frases de efeito que aprendeu online e, surpreendentemente, consegue até contratar um estagiário, Rick (Riz Ahmed); com um GPS na mão, Rick orienta Lou pelas ruas de Los Angeles, tentando encontrar o melhor caminho até uma ocorrência. As cenas noturnas que mostram Lou cruzando as ruas em um carro vermelho, aliás, lembram muito o visual do filme "Drive", de Nicolas Winding Refn. (leia mais abaixo)


Em um mundo cada vez mais interessado na imagem, qual o papel do jornalismo? Há uma ótima cena em que Lou, em um jantar, diz a Nina como ele é importante para a emissora; segundo ele, apenas uma pequena parte do jornal é dedicado às notícias de política e do mundo. O resto é preenchido com material sensacionalista sobre crimes e problemas da cidade. Observe como a cena começa como o que parece ser um encontro romântico (e até ingênuo) e termina com Lou chantageando Nina para que ela durma com ele em troca de imagens para seu telejornal.

"O Abutre" é o primeiro longa-metragem dirigido pelo roteirista Dan Gilroy (de "Gigantes de Aço" e "O Legado Bourne"). Ele é irmão de Tony Gilroy, diretor de "Conduta de Risco" e roteirista da trilogia "Bourne". O filme, quase todo noturno, é muito bem fotografado por Robert Elswit, colaborador habitual de Paul Thomas Anderson ("Magnólia", "Sangue Negro"). Há certo exagero (esperemos que sim) na capacidade maquiavélica de Lou em manipular as informações e até em criar situações que rendem boas imagens, mas "O Abutre" funciona muito bem como um alerta para a baixa qualidade do jornalismo atual. O filme ganhou muito elogios entre os críticos e é um dos candidatos sérios para o próximo Oscar.

João Solimeo

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

O Mestre

Um homem carismático, bem sucedido, capaz de convencer as pessoas das teorias mais improváveis. O outro é um veterano de guerra alcoólatra e com sérios problemas. Entre os dois surge uma amizade que é uma mistura de relação paternal, busca por aceitação, admiração mútua e, talvez até, interesse amoroso. "O Mestre" é o mais novo filme de um dos diretores americanos mais interessantes dos últimos 20 anos. Paul Thomas Anderson escreve e dirige os próprios filmes, caracterizados por uma estética apurada, duração longa e grandes interpretações. Filmes como "Boogie Nights" (1997), "Magnólia" (1999) e "Sangue Negro" (2007) exploraram temas adultos de forma ousada e, por vezes, bizarra.

"O Mestre" é a visão de Anderson sobre o criador da Cientologia, religião criada nos anos 1950 pelo escritor de ficção-científica L. Ron Hubbard; é citada frequentemente na mídia por causa de seguidores famosos como Tom Cruise ou John Travolta. No filme de Anderson, o personagem de Hubbard é chamado de Lancaster Dodd (o excelente Philip Seymour Hoffman, de "Tudo pelo Poder"), mas o foco principal está em Freddie Quell (Joaquin Phoenix, de "Amantes"). É do ponto de vista de Freddie que o espectador conhece Dodd, um homem bem falante, carismático e que conquistou um grupo de seguidores. Dodd escreveu um livro chamado "A Causa", que é uma filosofia que mistura autoconhecimento, cura de doenças e até "viagens no tempo" para buscar explicações para os problemas do presente. Dodd prega que os seres humanos são espíritos do passado que apenas mudam de corpos através do tempo, e que somos muito superiores aos animais, com seus instintos e desejo por prazer. Os dois se conhecem quando Freddie invade  o barco em que Dodd está celebrando o casamento da filha, e os dois (opostos completos) se tornam amigos. Há uma cena extremamente bem interpretada por Joaquin Phoenix e por Hoffman em que Dodd, em uma espécie de sessão de terapia, repete a mesma pergunta várias vezes: "Qual é o seu nome? Qual é o seu nome? Qual é o seu nome?". Dodd pode ser um charlatão, mas passa suas idéias com a confiança e charme dos vendedores de carros usados. Mais assustadora é a esposa, a aparentemente doce Peggy Dodd, interpretada por Amy Adams. O rosto angelical e a barriga grávida passam um ar de fragilidade, mas não conseguem mascarar seu fanatismo quando ela começa a pregar.

A trilha sonora de Johnny Greenwood (do Radiohead) é um capítulo a parte; ao invés do acompanhamento tradicional, a música compete com a imagem, causando um choque. A narrativa lenta e enigmática levou alguns críticos a julgar que o filme não tem o que dizer, mas o fato é que "O Mestre" é tão ilusório ou redentor quanto o culto criado por seu protagonista. É constantemente intrigante, tem um belo visual (filmado originalmente em 70mm, apesar da exibição ruim e sem foco vista aqui) e interpretações acima da média (Philip Seymour Hoffman, Joaquin Phoenix e Amy Adams foram indicados ao Oscar). Paul Thomas Anderson pode não ter feito um filme perfeito, mas recria o mundo do pós-guerra americano, com seus contrastes, riqueza, traumas e promessas vazias com maestria.


quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Rebels on the Backlot (livro)

De tantos em tantos anos surge uma geração que tenta mudar a cara do cinema americano. A "indústria", como Hollywood é conhecida, é uma máquina bem lubrificada de fazer filmes que, pontualmente, lança filmes prontos para as telas dos "multiplexes" mundo afora. São filmes comerciais, seguindo fórmulas testadas e aprovadas pelo público que, geralmente, não quer gastar seu dinheiro com um produto arriscado e desconhecido. Mas, felizmente, os tempos mudam. Tradições são quebradas, valores discutidos e o cinema, ainda que tardiamente, acaba seguindo ou revelando novas tendências. Foi assim no final dos anos 60 e na década de 70, quando cineastas como Martin Scorsese, Francis Ford Copolla, Steven Spielberg, George Lucas, Peter Bogdanovich e tantos outros mudaram a forma de se criar filmes nos Estados Unidos. Esta história foi muito bem contada no livro "Easy Riders, Raging Bulls", de Peter Biskind. Os anos 80 viram uma onda de filmes extremamente comerciais (alguns muito bons), mas que não inovavam muito na arte de cinema. Coube aos anos 90, a última década do século XX e do milênio, trazer uma nova geração de cineastas criativos para as telas.

"Rebels on the Backlot" conta a história de alguns destes cineastas, chamados pela autora Sharon Waxman de "rebeldes". Ao contrário da geração cinéfila e universitária dos anos 70, os rebeldes dos anos 90 eram frutos da cultura pop americana, uma mistura de fast food com histórias em quadrinhos, filmes de kung-fu chineses e clipes da MTV. Waxman escolheu destacar seis deles para contar sua história: Quentin Tarantino (Pulp Fiction), Steven Soderbergh (Traffic), David Fincher (O Clube da Luta), Paul Thomas Anderson (Boogie Nights), David O. Russel (Três Reis) e Spike Jonze (Quero ser John Malkovich). Ela também cita outros, como Sofia Coppola (As Virgens Suicidas, Encontros e Desencontros), Sam Mendes (Beleza Americana) e os irmãos Wachowski (Matrix), entre outros, mas o foco são naqueles seis que ela considera os mais influentes e revolucionários no cinema dos 90.

Dividido em 13 capítulos, com apêndices e até uma "linha do tempo" dos fatos narrados no livro, Waxman mistura artigos de revistas e jornais especializados com centenas de entrevistas feitas por ela mesma com os envolvidos. Há muitos detalhes dos bastidores e do processo raramente saudável de se fazer um filme. Assim como em "Easy Riders", há também grande quantidade de fofoca sobre diretores e produtores, geralmente envolvendo sexo e/ou drogas. Há também um ponto de vista mais feminino, claro, que o livro de Peter Biskind. Waxman gosta de falar sobre as mães, namoradas e esposas dos envolvidos, para mostrar as mulheres por trás dos homens por ela descritos.

A "estrela" do livro, de certa forma, é Quentin Tarantino. Foi ele quem, para o bem ou para o mal, nocauteou Hollywood com sua mistura de cultura pop com ultraviolência. Reconhecido pelos roteiros de "Amor à queima roupa" (True Romance, lançado em 1993) e "Assassinos por natureza" (Natural Born Killers, lançado em 1994), Tarantino conseguiu chamar a atenção do ator Harvey Keitel, que o ajudou a conseguir financiamento para "Cães de Aluguel" (Reservoir Dogs, 1992). O filme foi um sucesso inesperado, causando tanto admiração quanto repulsa por sua violência (por sua famosa cena em que Michael Madsen corta a orelha de um policial). Waxman descreve Tarantino como um rapaz sujo e pouco higiênico, pouco ligado a tomar banho ou se barbear. Ela também mostra como ele seria um sujeito traiçoeiro, pronto para esquecer dos amigos assim que chegou ao sucesso. Roger Avary, amigo de longa data, por exemplo, teria sido co-autor de grande parte do roteiro de "Pulp Fiction" (toda a trama envolvendo o boxeador de Bruce Willis teria sido criação de Avary). Como Tarantino queria que os créditos lessem "Escrito e Dirigido por Quentin Tarantino", o nome de Avary teria sido tirado dos créditos de roteiro e recebido apenas um crédito por "estória". Mas Waxman deixa evidente a genialidade de Tarantino como escritor de diálogos, mesmo que nem todas as as histórias fossem realmente dele.

Ganha também destaque no livro a disputa entre George Clooney, estrela da série médica "E.R." e o diretor David O. Russell, na produção de "Três Reis". Russell não gostava do estilo de interpretar de Clooney, mas precisava do apoio do astro para conseguir financiamento para o filme. A atuação de Clooney era questionada diariamente na frente de toda equipe, o que acabou causando atritos. Além disso, Russell seria extremamente cruel e tirânico, deixando de dar atenção a um figurante que teve um ataque epilético em cena. George Clooney teria ido ajudar o rapaz, o que causou uma briga no set de filmagem que chegou aos socos e gritos.

Steven Soderbergh é descrito como um "nerd" talentoso que se viu catapultado ao sucesso quando lançou seu pequeno filme "Sexo, mentiras e videotape", em 1989. O filme foi vencedor no Festival de Cannes e, de repente, Soderbergh era o diretor mais quente de Hollywood. Waxman, porém, o mostra como alguém que gosta de sabotar o próprio sucesso. Soderbergh seguiu "Sexo, mentiras e videotape" com bombas como "Kafka" (1991) ou "Schizopolis" (1996), um filme em que ele contava a história do próprio divórcio, tendo como atores ele próprio, sua ex-mulher e filha. Soderbergh voltaria ao sucesso no final da década de 90, quando lançou filmes como "Erin Brockovich" (que deu o Oscar a Julia Roberts) e "Traffic" (que deu a Soderbergh o Oscar de Melhor Diretor). "Traffic" começou com uma idéia desenvolvida pela produtora Laura Bickford, que queria adaptar para os Estados Unidos uma série britânica de mesmo nome. O filme sofreu diversas mudanças e passou pela mão de vários estúdios, que não queriam tocar no tema polêmico das drogas. Quando Soderbergh estava para fazer "Traffic" como um projeto pequeno pelo estúdio USA Films, Harrison Ford se interessou por um papel e, de repente, o filme se tornou de grande orçamento...somente para ver Ford desistir a um mês do início das filmagens. O papel acabou ficando com Michael Douglas.

São também interessantes as histórias sobre como "Clube da Luta", de David Fincher, custou 75 milhões de dólares e foi um fracasso enorme na bilheteria (para, depois, se tornar um sucesso "cult" nas vendas em DVD). A produção do bizarro roteiro de "Quero ser John Malkovich" também rende bons capítulos. E Paul Thomas Anderson mostra como conseguiu convencer os estúdios a aceitar que filmes como "Boogie Nights" e "Magnólia" fossem feitos.

"Rebels on the Backlot". Sharon Waxman. 386 páginas. Harper Perennial. Inglês.