domingo, 8 de fevereiro de 2015

O Jogo da Imitação

É sempre complicado falar sobre um filme feito sobre uma pessoa real. Deve-se encará-lo como uma obra de ficção qualquer, analisando apenas sua lógica interna, execução técnica, direção e elenco? Ou se deve levar em conta a relação do produto final com a história real que o inspirou? Creio que um pouco das duas coisas.

"O Jogo da Imitação" se baseia em três momentos da vida do matemático britânico Alan Turing; no final dos anos 1920, quando era um estudante; nos anos 1940, durante a 2ª Guerra Mundial e nos anos 1950, quando ele foi condenado por "indecência" por ser homossexual. 

Cinematograficamente falando, a fase passada durante a guerra é a melhor. O mundo estava sob a ameaça nazista e os alemães ganhavam a guerra. Milhares de civis britânicos morriam com os constantes bombardeios e a inteligência britânica montou uma força tarefa para tentar quebrar um código alemão criado por uma máquina chamada de Enigma. Os melhores matemáticos e criptologistas do país foram chamados para trabalhar com a máquina e tentar quebrar o código.

Benedict Cumberbatch ("12 Anos de Escravidão") interpreta o matemático Alan Turing como um gênio arrogante e de poucos amigos. Como o Sr. Spock de Star Trek, Turing não tem senso de humor e entende tudo de forma literal e lógica. Ele fica fascinado com a máquina Enigma, capaz de gerar trilhões de combinações possíveis; os alemães trocavam o código todos os dias à meia-noite, tornando impossível que seres humanos conseguissem decifrá-lo em tão pouco tempo. A lógica de Turing é de que apenas uma máquina conseguiria combater outra máquina e ele começa a construir o protótipo dos primeiros computadores, que ele chama de "Christopher". A máquina de Turing realmente existiu, embora não tenha sido criação única dele nem tenha surgido do "nada", como o filme sugere, mas foi baseada em uma máquina polonesa chamada "Bombe". De qualquer forma, o filme reconstrói a máquina de forma impressionante e é fascinante vê-la funcionando, embora demorasse horas para chegar a algum resultado. É provável que qualquer calculadora de bolso hoje tenha mais poder de processamento que a máquina de Turing, mas ela foi responsável por quebrar o código alemão e sem dúvida ajudou a terminar a guerra. (leia mais abaixo)


As outras duas fases do filme, que lidam com a infância de Turing e sobre o período pós-guerra, são decepcionantes. Há um vai e vem destas cenas, montadas com a fase da guerra, que por vezes mais servem para confundir do que para explicar a trama. Turing quando garoto (Alex Lawther) é ainda mais tímido e fechado e é constantemente atacado pelos colegas de turma. Seu único amigo (e amor precoce) é um garoto chamado Christopher, com quem troca mensagens criptografadas. O fato de Turing chamar sua máquina de "Christopher", mais tarde, é uma licença poética bastante previsível dos roteiristas. Nos anos 1950, um policial começa a suspeitar que Turing seja um espião soviético depois de investigar um roubo na casa dele. O suspense se torna um anticlímax quando ele descobre o que o espectador já sabia faz tempo, que o segredo de Turing era ser homossexual e não um agente duplo.

Assim, "O Jogo da Imitação" acaba se tornando bastante irregular, mesclando bons momentos de suspense e paranoia durante a guerra com outros que não chegam a lugar algum. Interessante também notar que, assim como na outra biografia de um gênio matemático britânico que está nos cinemas, "A Teoria de Tudo", "O Jogo da Imitação" usa de vários elementos de "Uma Mente Brilhante", filme em que Russell Crowe interpretou outro gênio matemático que era bom em decifrar códigos.

João Solimeo


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