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domingo, 2 de janeiro de 2022

Tempo (Old, 2021)

 

Tempo (Old, 2021). Dir: M. Night Shyamalan. Depois de tantos "filmes Netflix" ou similares, que bom ver um filme começando com a vinheta da Universal e com um diretor que, aos trancos e barrancos, sabe o que está fazendo. "Tempo", de M. Night Shyamalan, está longe de ser perfeito, mas enquanto ele é bom, ele é bom (e então fica
genericamente ruim).

Uma família modelo chega a um resort de luxo (que me lembrou muito a série "The White Lotus", da HBO). Eles são Gabriel Garcia Bernal (Guy) e Prisca (Vicky Krieps), acompanhados por um filho e uma filha. O casamento, apesar de parecer feliz, está com problemas, e talvez esta seja a última viagem deles como uma família. O gerente do hotel lhes oferece um dia em uma praia exclusiva e eles são levados para lá em uma van guiada por M. Night Shyamalan em pessoa (ele gosta de fazer pontas em seus filmes). Eles não estão sozinhos, no entanto. Na praia também estão um médico (Rufus Sewell), a esposa mais nova, a mãe idosa e outra criança. O grupo também é formado por um enfermeiro, uma psicóloga e um rapper.

Não demora muito para eles perceberem algo assustador. As crianças estão crescendo a olhos vistos. Todos, na verdade, estão envelhecendo rapidamente. Quando alguém tenta fugir da praia, a pessoa acaba acordando de volta nela, com dor de cabeça. É um cenário de "Além da Imaginação" que Shyamalan filma muito bem. A câmera, inquieta, faz vários movimentos entre os personagens e, por vezes, as crianças já são vistas interpretadas por outros atores mais velhos (como a ótima Thomasin McKenzie). Os adultos tentam achar uma explicação racional para o que está acontecendo. As crianças procuram nos pais um porto seguro (e não encontram).

Todos nós ficamos mais velhos, um dia de cada vez, então é fácil se identificar com o terror dos personagens, envelhecendo anos em questão de horas. O filme funciona muito melhor nestas sequências em que ninguém sabe o que está acontecendo. O problema é que Shyamalan tenta jogar para a plateia (que gosta de tudo mastigado) e termina com uma "explicação" decepcionante (qualquer explicação seria, provavelmente). Mas, como disse, enquanto é bom, o filme é bom. Há uma bela sequência na praia, quando as crianças estão brincando, em que câmera para sobre uma delas, brincando de "estátua", como se quisesse parar o tempo. Filme lançado só nos cinemas (mas já estão circulando cópias boas internet afora).

sexta-feira, 2 de abril de 2021

Meu Pai (The Father, 2020)


O terror está nos detalhes. Na cor e posição de móveis. No tamanho de quartos, salas. Nos quadros da parede. De quem é este apartamento? Quem é essa pessoa? Quem sou...eu? "Meu pai" é, ao mesmo tempo, lindo e assustador. Ao nos colocar no lugar de um homem que, pouco a pouco, está perdendo a memória, o filme mostra como as aparências enganam e como tudo, no fundo, depende da interpretação que fazemos das coisas.

Anthony (um estupendo Anthony Hopkins) é um senhor que mora sozinho em um apartamento enorme em Londres. Sua filha, Anne (Olivia Colman, sempre certeira) vem visitá-lo todos os dias; ela está brava com ele porque ele não consegue se dar bem com nenhuma cuidadora que ela contrata. Ela também lhe diz que está de mudança para Paris porque ela conheceu um homem, com quem vai se casar. Só que, na cena seguinte, Anthony está conversando com um homem que diz ser marido da filha dele. Paris? Não, eles não vão a Paris. A filha chega das compras e Anthony não a reconhece.

"Meu Pai" é escrito e dirigido por Florian Zeller, baseado em uma peça escrita por ele. Não sei como era no teatro, mas Zeller faz um trabalho brilhante e bastante cinematográfico ao puxar o tapete debaixo de nossos pés cena após cena. Pequenas mudanças na direção de arte trocam a posição dos móveis e a cor das paredes. Assim como Anthony, ficamos perdidos espacialmente e, através da edição, temporalmente. Algumas cenas se repetem, com pequenas mudanças; a montagem não é linear.Nada disso funcionaria, porém, sem a brilhante interpretação de Anthony Hopkins, que passa toda gama de emoções através do olhar e da linguagem corporal. O elenco ainda conta com Olivia Williams, Rufus Sewell, Imogen Poots e Mark Gatiss em papéis que se alternam, dependendo da cena.

Este não é, porém, um filme "truque" tipo "Memento", de Christopher Nolan, onde o que importa é a forma. "Meu Pai" usa da técnica para criar empatia. É de cortar o coração, e assustador, ver como toda uma vida, memórias e a própria noção de quem você é vão se perdendo no final da jornada. A última imagem é muito triste, e muito bela. Por todo filme, Anthony fica obsecado por encontrar seu relógio de pulso, é como se ele tentasse segurar o Tempo com as mãos. "Meu Pai" recebeu seis indicações ao Oscar; filme, ator (merecidíssimo, para Hopkins), atriz coadjuvante (Colman), roteiro adaptado, edição e direção de arte. Disponível na Apple TV e, para quem quiser se arriscar, em breve nos cinemas.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Roger Ebert (1942-2013)

Não há como este ser um texto "jornalístico", baseado simplesmente em datas, feitos, acontecimentos. Morreu Roger Ebert, possivelmente o crítico de cinema mais famoso de todos os tempos e grande influência no meu modo de ver e escrever sobre filmes.

Comecei a ler as críticas de Roger Ebert através de um CD-ROM (lembram deles) chamado "Cinemania", produzido pela Microsoft e que continha resenhas de centenas de filmes escritas por vários críticos. Lendo os textos, percebi uma afinidade pelo modo de escrever e pelo gosto de Roger Ebert, o crítico do jornal Chicago Sun-Times desde 1967. Ebert ficaria famoso pelo programa de televisão que teve em parceria com Gene Siskel. Os dois criaram o modelo para um modo informal de falar sobre cinema na televisão, eram apenas dois críticos dando cada um sua visão sobre determinado filme e, basicamente, dizendo se recomendavam ou não. Sim, era por vezes simplista, mas fez grande sucesso e tinha o diferencial de não se tratar apenas de filmes blockbusters dos grandes estúdios. Siskel e Ebert também falavam sobre filmes europeus, sobre o início do cinema independente americano, e assim por diante, criando no público o hábito de experimentar filmes novos.

Com a morte de Gene Siskel, em 1999, Ebert teve outros parceiros no programa de televisão, mas se reencontrou em uma nova mídia: a internet. Praticamente todas as suas críticas escritas para o Sun-Times podem ser encontradas em RogerEbert.com, e se tornou um hábito, logo após voltar do cinema ou desligar o DVD, ir checar o que Roger havia achado do filme. Ebert não tinha medo de novas tecnologias e, com mais de 60 anos, era das personalidades mais visitadas no seu site, no twitter, Facebook e em seu blog, em que não falava só sobre cinema. Quando "Cidade de Deus" não foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, em 2003, eu escrevi um e-mail a Ebert perguntando o que havia acontecido, e ele respondeu em seu site que o processo de votação para esta categoria do Oscar estava ultrapassado. Fontes da Miramax haviam lhe informado que muitos dos votantes da Academia haviam sequer visto o filme até o final.

Roger Ebert descobriu um câncer em 2002, e lutou desde então contra a doença. Perdeu o maxilar e a capacidade de comer alimentos sólidos, assim como a capacidade de falar. Ao invés de desaparecer da mídia, Ebert se tornou mais presente do que nunca na internet. Escrevia centenas de críticas de filmes por ano, além de discutir sobre assuntos diversos como religião, política, racismo e outros temas em seu blog. Seus textos eram extremamente claros e podia-se notar o amor que ele tinha pela palavra escrita, pelo jornalismo à moda antiga, por encontrar a frase certa.

Há apenas dois dias Roger escreveu um post em seu blog em que agradecia a todos pelos 46 anos de carreira e avisava que iria desacelerar um pouco a produção de textos pois novamente lutaria contra o câncer. "Desacelerar", para Ebert, significava continuar a escrever sobre filmes (agora "só os que ele tivesse vontade"), além de supervisionar o Ebertfest, um festival de cinema que ele mantinha há mais de uma década. Hoje, infelizmente, vem a notícia de que Roger Ebert faleceu. Não só o cinema perde um grande crítico, mas o mundo perde um grande escritor, jornalista, ensaísta e, principalmente, cinéfilo.

Até mais, Roger Ebert.