domingo, 31 de maio de 2009

Um ato de liberdade

Filmes do diretor Edward Zwick são sinônimo de bela fotografia, roteiro com tendências épicas, longa duração e uma dose a mais de açúcar do que o recomendado, mas são bons trabalhos. Foi assim com Tempo de Glória (1989), Lendas da Paixão (1994), O Último Samurai (2003) e Diamante de Sangue (2006).

Zwick está na direção agora de "Um ato de liberdade" (Defiance, 2008), em que retrata a resistência russa diante da invasão nazista em 1941, na II Guerra Mundial. Curiosamente, há algumas semanas passou em Campinas "Katyn", de Andrzey Wajda, também enfocando os russos na II Guerra Mundial, e está em cartaz "Falsários", outro drama a respeito da guerra. Sem falar em "Milagre em Santa Anna", de Spike Lee. Será que depois de tantos anos de guerras inglórias e injustas como a do Iraque o cinema está com saudade dos tempos mais "honrosos" da II Guerra?

"Um ato de liberdade" conta a história dos quatro irmãos judeus da família Bielski, Tuvia (Daniel Craig), Zus (Liev Schreiber), Asael (Jamie Bell) e Aron (George MacCay), que tiveram os pais mortos pelos nazistas e, se refugiando na floresta, se tornaram ponto de referência e a salvação de centenas de refugiados. O cabeça do grupo é o justo e controlado Tuvia (Craig, em bom trabalho) que tenta controlar o temperamento quente do irmão Zus (Schreiber, curiosamente repetindo o papel de "irmão complicado" que fez em "Wolverine"), que só pensa em vingança e em fazer os alemães pagarem na mesma moeda. Escondidos nas florestas da bielorússia, os irmãos se tornam guardiães de um grupo cada vez maior de refugiados judeus que, fugindo dos guetos, lutam para sobreviver ao frio e à fome. Como acontece com praticamente todo filme americano que trata de estrangeiros, os atores usam do recurso de falar com um sotaque russo nem sempre convincente. Em outras sequências, no entanto, eles se comunicam em russo, com legendas em inglês. Não entendi muito o critério para a escolha desses momentos (estaria Zwick simulando a situação de que os judeus se comunicavam entre si com uma língua e em russo com os não judeus?).

A bela fotografia é do português Eduardo Serra, que já trabalhou com Zwick em filmes anteriores. O impiedoso inverno russo é filmado em belas tomadas em que o branco da neve contrasta com o sangue da guerra e com a desolação dos refugiados que, famintos, não sabem o que é pior: o frio e a fome ou enfrentar os nazistas. O roteiro (de Zwick e Charles Frohman) é baseado em uma história real e o filme, felizmente, vai melhorando conforme se desenrola. Os refugiados têm que passar por dilemas morais e sobre decisões de vida e morte provocadas pela guerra. A diáspora judaica encontra ecos na história de Moisés e a libertação dos escravos no Egito. A trilha sonora de James Newton-Howard me lembrou seu ótimo trabalho em "A Vila", pelo qual foi indicado ao Oscar.


domingo, 17 de maio de 2009

Katyn

Em setembro de 1939, a Polônia foi invadida pela Alemanha nazista, dando início à II Guerra Mundial. Na época, a União Soviética ainda não estava do lado Aliado, pois mantinha um pacto de não-agressão com a Alemanha. Só quando Hitler avançou Europa adentro que os soviéticos cortaram relações com a Alemanha. Em 1939, os poloneses se encontravam divididos entre os nazistas, que invadiram pelo oeste, e pelos soviéticos, que vieram pelo leste.

Na primeira cena do filme "Katyn", do veterano diretor polonês Andrzej Wajda (que está com 83 anos), vemos um grupo de refugiados poloneses sobre uma ponte, enfrentando a difícil decisão: fugir para o leste ou para o oeste? Uma delas é Anna (Maja Ostaszewska) que, com a filha Veronika, está à procura do marido, Andrzey (Artur Zmijewski), um oficial polonês prisioneiro dos soviéticos. Ele e outros oficiais são removidos para campos de prisioneiros na região de Smolensk, na União Soviética. Andrzei mantém um diário e envia várias cartas à esposa enquanto está preso. Entre quinze e vinte mil oficiais poloneses foram mantidos em campos soviéticos até que, misteriosamente, eles "desaparecem". As cartas pararam de chegar após abril de 1940, e milhares de corpos foram encontrados enterrados na floresta de Katyn. Os nazistas acusaram os soviéticos de um massacre; os russos, por sua vez, disseram que foram os nazistas os culpados.

O pai do diretor Andrzey Wajda era um dos oficiais mortos nesse massacre, no início da II Guerra Mundial. Wajda tem uma extensa carreira cinematográfica, que inclui filmes como "Danton" (1983), sobre a Revolução Francesa, com Gerárd Depardieu, e várias obras feitas sob a ocupação soviética na Polônia. Em "Katyn" ele filma com frieza e sobriedade, revelando aos poucos o drama das famílias polonesas que ficaram sem receber notícias de seus entes queridos por anos. Há cenas muito bonitas, como uma em que o exército polonês, trancafiado durante a véspera de Natal, se reúne para cantar com seu general. A câmera de Wajda sobe e a configuração dos prisioneiros entre os beliches do alojamento formam uma cruz. Pequenas histórias também são contadas, como a do oficial soviético que, usando de sua influência, consegue impedir que Anna e sua filha sejam presas pelo exército russo; há até lugar para um romance que dura apenas alguns minutos, quando uma garota salva um rebelde polonês da polícia soviética. Eles combinam de se encontrar no dia seguinte mas, em período de guerra, poucas promessas podiam ser cumpridas.

O filme não é linear e as cenas que descrevem o massacre foram deixadas para o final. Filmadas do ponto de vista dos soldados executados, elas são extremamente realistas e cruas, mostrando como cada soldado foi morto com um tiro na cabeça e jogado em uma vala comum pelos oficiais soviéticos. O massacre de Katyn foi motivo de debate por vários anos, sobre quem teria sido o verdadeiro autor. Tendo Hitler e um lado e Stalin do outro, fica realmente difícil imaginar quem foi pior para a Polônia. Wajda dá sua versão do massacre, baseada em estudos realizados no pós-guerra.



quinta-feira, 14 de maio de 2009

Milagre em Santa Anna

O pelotão “Búfalo” (um grupo de soldados negros combatentes na 2ª. Guerra Mundial), trava uma feroz batalha com os nazistas em um rio na região da Toscana, Itália. Eles estão enfrentando dois inimigos. Na frente, as metralhadoras nazistas fazem os soldados atingidos em pedaços; atrás, sofrem com o “fogo amigo” da própria artilharia americana. Quatro deles conseguem atravessar o rio e vão se refugiar perto de um celeiro. O recruta Sam Train (Omar Miller), um negro de físico enorme, mas com uma personalidade infantil, acaba resgatando um garoto italiano que está preso nos destroços provocados pelo bombardeio. O garoto está ferido e falando de forma incoerente, e Train acha que ele é uma espécie de “santo”. Os quatro soldados acabam se refugiando em uma vila por perto, na casa de um velho fascista e sua família.

O filme é dirigido por Spike Lee que, obviamente, ficou interessado em contar a história deste pelotão de soldados negros lutando em uma “guerra de brancos”, como declara um deles. O filme tem co-produção italiana e é falado em três línguas, inglês, italiano e alemão, conforme a trama acompanha cada lado envolvido na guerra. Baseado no livro de James McBride (que assina o roteiro), “Milagre em Santa Anna” é muito bem feito tecnicamente e tem o foco voltado para os personagens. O problema é que, por vezes, o tom “panfletário” de Spike Lee acaba atrapalhando. É fato que os negros que lutaram na 2ª. Guerra Mundial raramente são lembrados; os filmes dedicados ao gênero, em sua grande maioria, são estrelados apenas por atores brancos e pouco se fala da participação negra no conflito. Mas há alguns “discursos” no filme fora de lugar, fora o fato de que os poucos brancos retratados geralmente são apenas idiotas estereotipados.

O lado lúdico do filme, justamente o tal “milagre” do título, acaba sofrendo em um filme que mistura cenas panfletárias com outras extremamente violentas e realistas. As cenas de batalha são muito bem feitas e mostram todo horror da guerra. Os italianos se encontravam entre o fogo cruzado dos americanos, dos nazistas e dos próprios compatriotas, que se dividiam entre os dois grupos. Quando tudo isso se junta em cena é um verdadeiro massacre, mostrado com detalhes pela câmera de Lee. Em meio a isso tudo (é um filme longo, 166 minutos) há cenas muito interessantes e calmas entre o garoto, que se chama Ângelo (Matteo Sciabordi) e o recruta Train. Os dois não entendem a língua um do outro, mas conseguem se comunicar por gestos e expressões. A atriz italiana Valentina Cervi interpreta Renata, uma mulher que não sabe se o marido está vivo ou não e que se torna o motivo de atração (e discórdia) entre o Sargento Bishop (Michael Ealy) e o Sangento Stamp (Derek Luke). Há também um líder dos partisans (a resistência italiana) que chega à vila com um prisioneiro nazista. Em seu grupo está um traidor, responsável por uma tragédia revelada no final do filme.

Como se não bastassem todos estes personagens e tramas, o filme infelizmente ainda tenta fazer uma ponte com uma época 40 anos depois, quando um dos soldados apresentados no filme, agora já velho, mata a queima-roupa uma pessoa em uma agência dos correios. Estas cenas, passadas na década de 80, começam e terminam o filme de forma irregular e desnecessária. Spike Lee poderia ter se concentrado em fazer apenas um filme na 2ª. Guerra Mundial, com uma duração menor, menos panfletagem e mais atenção ao lado lúdico da trama.


sábado, 9 de maio de 2009

Star Trek

"Space, the final frontier"... por qual outra frase começar um texto sobre "Jornada nas Estrelas" que não esta? Star Trek não é apenas uma série de ficção científica. Surgida nos anos 60, em plena corrida espacial, a série intergaláctica criada pelo ex-piloto militar e civil Gene Roddenberry se tornou um ícone. Roddenberry quebrou vários tabus, não só colocando uma mulher (uma mulher negra, ainda por cima) como membro de uma tripulação espacial, mas também um russo. Sua criação mais famosa, o vulcano Sr. Spock, com suas orelhas pontudas e sobrancelhas demoníacas, foi perseguido por várias instituições tradicionais, como a Igreja. Enquanto americanos e soviéticos brigavam em terra e no espaço durante a Guerra Fria, a tripulação mista da USS Enterprise semanalmente enfrentava dilemas morais (nos melhores episódios) ou, no mínimo, era uma boa e velha série de aventura espaço afora, a "última fronteira". A série original durou apenas três temporadas (entre 1966 e 1969), quando foi cancelada pela rede NBC. Mas com o sucesso de "Guerra nas Estrelas", de George Lucas, em 77, o elenco original da série partiu para a telona dos cinemas, rendendo lucros fabulosos para o estúdio Paramount e gerando vários outros produtos e novas séries de televisão. Os "trekkers", como são chamados os fãs do universo Star Trek, a tratam quase como uma religião e realizam convenções no mundo inteiro, muitas delas com a presença dos atores da série e dos filmes originais.

Com o envelhecimento e morte de vários destes atores e uma queda na popularidade dos filmes feitos para o cinema, decidiu-se por uma reformulação da franquia e por uma manobra ousada; Star Trek voltaria à origem dos personagens da série clássica, agora interpretados por atores jovens, repaginados e prontos para o século XXI. A idéia, a bem da verdade, não é nova. Em seu livro "Memórias dos Filmes", William Shatner (o capitão James T. Kirk original) revela que após "Jornada nas Estrelas V: A Última Fronteira" (1989), o produtor Harve Bennet começou a desenvolver um filme em que atores jovens viveriam os personagens antes de se tornarem membros da Enterprise. Mas a idéia foi abandonada e a tripulação original voltou em "Jornada nas Estrelas VI: A Terra Desconhecida" (1991). Depois disso os membros da série "A Nova Geração" passaram a habitar a telona e a idéia de Bennet foi posta de lado pelos produtores.

Coube ao criador da série "Lost", J.J. Abrams, a missão de retomar a franquia do zero. O resultado é um filme ótimo, que consegue não só mostrar a origem dos personagens como, através de um "truque" da ficção-científica, dar ao roteiro uma trama surpreendente. Ao contrário do caráter previsível que atrapalhou séries como "Star Wars" ou o novo "Wolverine", no "Star Trek" de Abrams tudo pode acontecer, graças a uma "mudança temporal" que ocorre no início. Esse recurso cria uma espécie de universo paralelo em que o destino dos personagens clássicos Kirk, Spock, McCoy, Sulu, Chekov, Uhura e Scott pode ser reinventado ao gosto dos roteiristas. James T. Kirk (Chris Pine, substituindo William Shatner) é mostrado como um rapaz revoltado de Iowa, órfão do pai que morreu heróicamente durante uma batalha com os Romulanos. Spock (Zachary Quinto, incrivelmente parecido com Leonard Nimoy) sofre com sua genética mista, humana (emocional) e vulcana (lógica). Os dois vão parar na Academia da Federação dos Planetas Unidos, onde vemos como Kirk consegue passar no teste do "Kobayashi Maru", uma simulação teoricamente impossível de vencer criada pelo jovem Spock. Ao longo da trama vemos também Leonard McCoy (Karl Urban) e uma bela e sexy Uhura (Zoe Saldana), que vai mexer com o coração mulherengo de James Kirk. E é surpreendente ver como o novo elenco consegue recriar uma das chaves do sucesso da série clássica, a "química" existente entre William Shatner, Leonard Nimoy, DeForest Kelley e os outros membros da Enterprise.

"Star Trek" é suficientemente bom para interessar a quem não tem conhecimento anterior da série. O próprio J.J. Abrams não era profundo conhecedor do universo trekker. O que não significa que os fãs não irão reconhecer dezenas de ótimas referências, desde o design dos uniformes, naves e armas aos efeitos sonoros inconfundíveis como o teletransporte, o comunicador, o sinal de alerta e outros. A produção tem um curioso design que mistura modernidade com o ar "retrô" dos episódios dos anos 60. Mas a cereja do bolo realmente é participação especial de Leonard Nimoy, o Spock original. Nimoy se tornou mundialmente conhecido por causa do personagem, o que inclusive lhe causou problemas profissionais e psicológicos no início da carreira. Ele chegou a escrever um livro chamado "Eu não sou Spock" e foi o último ator a aceitar voltar ao elenco quando a série passou para o cinema, nos anos 70. Com o passar dos anos, no entanto, Nimoy se tornou o "portador da chama" de Star Trek, tendo inclusive dirigido dois dos melhores filmes para o cinema, "Jornada nas Estrelas III: À Procura por Spock" (1984) e "Jornada nas Estrelas IV: A Viagem para Casa" (1986). Sua presença no novo "Star Trek" é como o "selo de qualidade" que faltava para dar autenticidade ao filme e desejar sorte ao novo elenco.

Assim, "Star Trek" ressurge como um dos melhores filmes de ficção-científica dos últimos anos, homenageando o passado com respeito e pavimentando o caminho para uma nova série de filmes. Vida longa e próspera.

Câmera Escura

quinta-feira, 7 de maio de 2009

X-Men Origens: Wolverine

Com o sucesso dos longas metragens da série X-Men (dirigidos por Brian Singer e Brett Ratner), a Fox resolveu apostar em um filme baseado no mutante mais popular da saga, “Wolverine”, interpretado por Hugh Jackman. A trama é baseada em uma série de quadrinhos que explicava a origem de James Logan, um mutante com capacidade de se curar de todos os ferimentos e que tem garras retráteis que saem de seus punhos. Infelizmente, “X-Men Origens: Wolverine” é bem inferior aos filmes originais da série, e é fácil perceber porque.

“Wolverine” começa no século 19, no Canadá, quando os poderes de Logan aparecem pela primeira vez. Ele testemunha a morte do homem que julga ser seu pai e, em um ataque de fúria, lâminas de osso crescem de suas mãos e ele as usa para matar o assassino. Após o crime, ele foge do Canadá com seu meio irmão, “Dentes de Sabre” (Liev Schreiber), e eles vão para os Estados Unidos. Em uma ótima seqüência de abertura (a melhor cena do filme, diga-se de passagem), vemos como os dois passaram por uma série de guerras ao longo dos anos, como a Guerra de Secessão, as duas guerras mundiais e a Guerra do Vietnã. Descobrimos, assim, que além de indestrutíveis eles são também praticamente imortais, o que é um dos problemas do filme. O que fazer com um personagem imortal e indestrutível? Como sabemos que nada vai acontecer ao herói, como atrair o interesse e a empatia da platéia? Infelizmente, isso é feito com diversos clichês, como a inevitável namorada que vai ser morta e provocar a ira de Wolverine, o desejo de vingança, e assim por diante.

Outro problema é que os produtores, com medo de que uma censura alta pudesse prejudicar as bilheterias, insistiram para que o filme não fosse muito violento. O que provoca cenas francamente ridículas em que, após alguma luta em que deveria haver sangue e pedaços de corpos para todos os lados, vemos no máximo alguns hematomas e suor no rosto de Logan. Após a morte da namorada e sedento de vingança, ele aceita passar por um procedimento doloroso em que seus ossos são trocados por uma liga metálica indestrutível, o “Adamantium”, que veio do espaço em um meteoro. O processo na verdade é parte dos planos do Coronel Striker (Danny Huston), de construir a arma perfeita mas, como sabiamente diz um personagem, eles gastam um dinheirão para deixar Wolverine indestrutível só para passar o resto do filme tentando matá-lo? Esse tipo de “lógica” talvez funcione em uma HQ, mas não em um filme com pretensões sérias como este. E que saudade do elenco dos filmes anteriores, que contavam com atores do quilate de Ian McKellen, Patrick Stewart, Famke Janssen, Halle Berry, Anna Paquin, só para citar alguns. “Wolverine” está povoado de atores desconhecidos e fracos, interpretando uma série de mutantes igualmente desinteressantes.

Assim, “Wolverine” tenta se segurar só no carisma de Hugh Jackman para se manter de pé. Jackman é bom ator e está em casa interpretando Logan/Wolverine, mas só isso não garante o sucesso do filme, que inclusive apela para o físico do ator (que chega a aparecer nu em algumas cenas rápidas e sem camisa em várias, para agradar o lado feminino da platéia). Para finalizar (e se você não assistiu “Wolverine” sugiro que pare de ler por aqui, alerta de SPOILER), o final é extremamente decepcionante. Qual a razão de se fazer um filme que mostre o passado de um personagem se ele não vai aprender nada com ele? Sim, já sabíamos em X-Men que Logan não se lembrava do passado, mas isso só comprova que este filme não tinha razão de ser. Novamente, não há como ter muita empatia com um personagem indestrutível, imortal e que, depois de tudo, ainda se esquece de tudo o que aconteceu.


domingo, 3 de maio de 2009

A Janela

O velho escritor Antonio (Antonio Larreta) tem um sonho. De algum lugar de sua memória, ele revê uma imagem que não via há 80 anos: uma figura feminina que estava tomando conta dele, criança, enquanto uma festa acontece no andar de baixo. Onde estaria escondida essa memória? Por que lembrar dela justo hoje? Antonio se encontra em uma cama, se recuperando de um ataque recente do coração. Ele vive em uma casa antiga, em uma fazenda no interior da Argentina, tão afastada que sequer tem um telefone. Duas criadas tomam conta dele, Maria Del Carmen e Emilse, e o velho está ansioso porque o filho, um renomado pianista que mora na Europa, está vindo visitá-lo.

A Janela é dirigido por Carlos Sorin. É um filme pequeno, curto, que é uma contemplação sobre a chegada da morte. Com poucos atores e feito todo em uma locação, Sorin se baseia em um elenco sólido, na bela fotografia de Julián Apezteguia e em um som impressionante. Como praticamente não há música (a não ser na cena do sonho), o som tem uma importância fundamental em nos transportar para aquele mundo privado e instrospectivo do escritor. Há uma cena muito bonita em que Antonio foge de seu quarto para dar uma volta pela fazenda e quase podemos sentir o cheiro do mato, da pequena horta e das flores por onde Antonio anda, tal a perfeição das imagens e da recriação sonora. A figura de um velho piano também é importante para a trama e para o estado de espírito do filme. Como o filho está vindo da Europa, Antonio contrata um afinador para olhar o instrumento, e há um paralelo interessante entre a visita do médico, com suas agulhas e instrumentos, para examinar Antonio, e a figura do afinador tentando trazer o piano à velha forma.

O filho chega ao final do dia, trazendo uma namorada que não se conforma com o fato de seu celular não ter sinal. Os sons da natureza, grilos, sapos, pássaros noturnos e do vento, vão se tornando cada vez mais fortes enquanto a noite cai, trazendo com ela uma escuridão que nós, habitantes do mundo moderno, já nos desacostumamos. Sorin, com seu filme, nos reapresenta a certas verdades esquecidas pelo mundo moderno. O dia é claro, a noite é escura e a morte chega a todos um dia. Aos seres humanos resta saber transformar o tempo entre o nascer e o pôr do sol em algo útil e belo, através do trabalho, da cultura e da arte.