Andor (2022). Dir: Tony Gilroy. Disney+. Escrevendo sobre algumas séries e filmes que vi este ano antes que ele acabe. "Andor" é, de longe, a melhor série baseada no universo Star Wars já feita. Esqueça fan service desnecessário, esqueça piadinhas bobas, esqueça até dos Jedi e dos sabres de luz. Não deveria ser surpresa, pois ela é baseada no melhor filme derivado de Star Wars, "Rogue One", dirigido por Gareth Edwards em 2016. O ás na manga aqui está no roteirista/produtor/diretor Tony Gilroy; diz a lenda que Gilroy resgatou "Rogue One", que tinha um roteiro perdido e sem foco, reescrevendo grande parte do filme e criando um final emocionante. Deu certo.
"Andor" volta alguns anos na história de "Rogue One" e apresenta o surgimento de um de seus heróis, Cassian Andor (Diego Luna), que está mais para um anti-herói, na verdade. Andor é um órfão que vive de golpes e pequenos roubos. Ele não tem aquele ar "perfeito" de um Luke Skywalker, muito pelo contrário. Como visto em "Rogue One", ele não pensa duas vezes antes de matar alguém a sangue frio, se isso for necessário. A série também foca no início da Rebelião contra o Império, uma época entre os três primeiros episódios de Star Wars e a trilogia composta por "Uma Nova Esperança", "O Império Contra-Ataca" e "O Retorno de Jedi".
A Rebelião é representada por um ótimo novo personagem, Luthen, interpretado pelo grande Stellan Skarsgård. Luthen é idealista, mas é também um personagem bastante ambíguo. Curiosa a participação de uma personagem secundária dos filmes originais, a Senadora Mon Mothma (Genevieve O'Reilly), que é colocada em evidência aqui. A série é bastante "pé no chão"; há a sensação (bem-vinda) de que personagens importantes podem morrer a qualquer momento. A série, com 12 episódios, é dividida em alguns "blocos"; há uma história que parece ter saído diretamente de algum filme de 2ª Guerra Mundial (tipo "Comando 10 de Navarone"), quando Andor se junta a um grupo que pretende atacar uma represa e roubar uma fortuna do Império. Há também um "bloco" passado em uma prisão em que conhecemos outro bom personagem, Kino Loy, interpretado por Andy Serkis (a voz de Gollun, de "O Senhor dos Anéis"). Há episódios que lidam com os bastidores da política em Coruscant, a capital do Império, em que vemos a senadora Mothma tentando levantar dinheiro para a Rebelião; e assim por diante.
Como disse, não há em "Andor" espaço para aparições de Darth Vader ou Obi-wan Kenobi. Não há versões fofinhas de um bebê Yoda. Não há cenas com Luke Skywalker rejuvenescido em computação gráfica. O que temos é uma série com roteiros sólidos, boas interpretações e a sensação de que há realmente algo em jogo. Muito bom. Disponível na Disney+.
Light & Magic (2022). Dir: Lawrence Kasdan. Disney+. Maravilhosa minissérie documental sobre a "Industrial Light & Magic", empresa de efeitos especiais criada por George Lucas, nos anos 1970, para fazer Star Wars. Já li livros a respeito e sou muito nerd cinematográfico, então muita coisa não foi novidade pra mim; de qualquer forma, a série trás depoimentos atuais de pessoas lendárias no ramo como Denis Muren, Phil Tippett, Joe Johnston, Richard Edlund, John Dykstra, Lorne Peterson, Ken Ralston, Harrison Ellenshaw e muitos outros contando a história da empresa. George Lucas, claro, também fala bastante sobre a ILM e sobre sua visão do cinema que, para o bem ou para o mal, ele mudou completamente. Pessoalmente não sou muito fã de Lucas como pessoa; ao contrário do colega (que também aparece no documentário) Steven Spielberg, que claramente AMA cinema e está sempre animado e energético nas cenas de bastidores, Lucas é um "mala" que nunca está satisfeito. Ele não gosta de dirigir filmes (nem é muito bom nisso) e sempre achou que a tecnologia do cinema era arcaica e atrasada. Dessa insatisfação, muito dinheiro e a capacidade de escolher as pessoas certas saíram a edição eletrônica, o cinema digital e a computação gráfica (e uma pequena empresa chamada PIXAR).
Dividida em cinco capítulos, a série mostra desde os primórdios, quando um grupo de nerds foi chamada à costa Oeste dos Estados Unidos para trabalhar em Star Wars. John Dykstra desenvolveu uma câmera computadorizada que conseguia trazer realismo às ideias de Lucas para o filme; ao contrário das naves lentas e majestosas de "2001 - Uma Odisseia no Espaço", Lucas imaginou lutas espaciais rápidas e energéticas como as batalhas aéreas da 2ª Guerra Mundial. Ao contrário do que muitos imaginavam, "Star Wars" não só foi um campeão de bilheteria como se tornou um fenômeno cultural, e Lucas tinha ainda mais dinheiro para investir da continuação; O Império Contra Ataca, provavelmente o melhor Star Wars de todos, tinha efeitos ainda mais desafiadores. A ILM começou a se diversificar e fazer filmes "de fora" como "Star Trek II", "Cocoon", "Caçadores da Arca Perdida", "ET" e dezenas de outros.
No final dos anos 1980 e começo dos 1990, outra revolução: a computação gráfica, inicialmente usada em algum planos de "Willow", "O Enigma da Pirâmide" e "O Segredo do Abismo", assombra o mundo com o robô de metal líquido de "O Exterminador do Futuro 2". Então chega "Jurassic Park" e o jogo muda completamente. O veterano Phil Tippett, que havia sido contratado por Spielberg para fazer os dinossauros com bonecos de stop motion, foi colocado para escanteio por dois técnicos da ILM que criaram o primeiro T-Rex completamente feito em computação gráfica. Foi uma revolução (muito embora grande parte dos efeitos eram práticos, criaturas robóticas enormes criadas por Stan Winston). A série mostra como os computadores acabaram tirando o emprego de dezenas de artistas, criadores de maquetes, modelos em escala, diretores de fotografia, etc. O doc termina com a mais nova invenção da empresa, um cenário virtual chamado de "O Volume", criado para a série "The Mandalorian".
O documentário é um pouco "chapa branca" e, sem dúvida, não mostra os problemas e "podres" que devem existir na empresa. Há apenas uma menção ao fato de que John Dykstra, que havia chefiado a equipe em Star Wars, não foi convidado a continuar na empresa depois disso (ele e Lucas se desentenderam feio). Há uma quantidade enorme de imagens de bastidores que nunca havia visto e ótimas entrevistas. É uma homenagem ao passado e uma espiada no futuro. Imperdível. Disponível na Disney+.
Obi-Wan Kenobi (2022). Dir: Deborah Chow. Disney+. Se fosse lançado há alguns anos, provavelmente "Obi-Wan Kenobi" teria sido um filme para cinema, nos moldes de "Rogue One" ou "Solo". O fracasso deste último, a pandemia e o crescimento do streaming, no entanto, acabaram levando o projeto à telinha. O que é uma pena, porque a trama é esticada (e enfraquecida) para seis episódios redundantes, em que claramente se vê que o que realmente importa foi deixado para os dois últimos capítulos. Isso, aliás, tem sido comum nas produções da Disney (vide "Cavaleiro da Lua" ou mesmo "The Mandalorian"). AVISO DE SPOILERS à frente.
Pois bem, a série mostra os eventos que aconteceram com Obi-Wan Kenobi (Ewan McGregor) depois de "Episódio III – A Vingança dos Sith" e o Star Wars original de 1977, depois conhecido como "Episódio IV - Uma Nova Esperança". McGregor está muito bem no papel que, originalmente, pertenceu ao grande Alec Guinness. A série também traz de volta Hayden Christensen ao papel de Anakin Skywalker/Darth Vader, pelo qual foi muito criticado nas "prequels". Pode ser nostálgico, mas o principal problema com esta série é que acaba enfraquecendo um dos melhores momentos do Star Wars original, o reencontro de Obi-Wan Kenobi com Darth Vader na Estrela da Morte. Há também outra complicação: a série cria um nova ligação entre Kenobi e uma jovem Princesa Leia, com dez anos de idade, interpretada por Vivien Lyra Blair. A menina é uma graça e é interessante ver a relação entre o velho Obi-Wan e a garota, mas isso muda (ou deveria mudar), também, o encontro entre eles nos filmes originais anos depois.
Colocando estas questões de lado, o que fica da série Obi-Wan Kenobi? Somos apresentados aos "inquisidores" (que já eram conhecidos de quem viu a série animada "Clone Wars", não é o meu caso) e à personagem Reva (Moses Ingram). Muito se falou do racismo de parte do público com relação à atriz, o que é lamentável, mas o problema é que a personagem dela é muito mal escrita. Fora o fato de que ela é aparentemente imortal, tendo sobrevivido DUAS vezes a ser atravessada por um sabre de luz tanto pelo jovem Anakin quanto por Darth Vader. O próprio Darth Vader é visto tão poderoso, capaz de segurar uma nave decolando a todo vapor só com o poder da Força, que faz com que o personagem dele fique inverossímil. Para quê ele se incomoda com lutas corpo a corpo, com sabres de luz, se ele é capaz de derrubar uma nave?
A melhor parte, assim, fica entre a relação entre Obi-Wan e seu antigo aprendiz, Anakin. Há um belo duelo entre os dois no último capítulo e um momento interessante quando Obi-Wan revela metade do rosto de Anakin/Vader com um golpe de sabre de luz. O problema é que essa rivalidade já havia sido exposta ao final do Episódio III. Pior, fica a questão: por que Obi-Wan Kenobi deixa Vader vivo ao final da série? Vader admite que Anakin "está morto" e Obi-Wan sabe que ele vai ser um grande instrumento para o Império, por que poupá-lo? É como se ele soubesse que, em alguns anos, o Episódio IV precisa acontecer, então vamos deixar as coisas como estão. A verdade é que, no fundo, isso não importa muito para o estúdio, que quer ganhar seu dinheiro e, provavelmente, para a grande maioria dos fãs, que só quer rever estes personagens, independente de lógica ou das consequências. Disponível na Disney+.
Top Gun: Maverick (2022). Dir: Joseph Kosinski. "Tom Cruise: Maverick" talvez fosse um título mais apropriado. Digam o que quiserem sobre Cruise, seu egocentrismo, perfeccionismo em fazer cenas de ação e, provavelmente, um pacto para parecer jovem eternamente. O fato é que ele construiu seu lugar como o último astro de cinema. Mais de 30 anos depois do sucesso dos anos 1980, Top Gun, Cruise volta parecendo quase o mesmo, embora mais maduro, seguro e determinado em entregar um filme anti-Netflix, um espetáculo audiovisual para ser visto no telão do cinema.
"Top Gun: Maverick" não tem nada de memorável e bebe abertamente da fonte da nostalgia de onde tantos buscam "inspiração" hoje. Mas, caramba, como é eficiente. É também um filme "para meninos", não espere grandes mensagens inclusivas ou coisas do gênero; no máximo, entre os garotões cheios de testosterona que aparecem na tela há também uma mulher no cockpit de um dos caças. É tecnicamente bonito de se ver, com bela fotografia e uma edição que consegue o feito de não deixar o espectador perdido entre tantos aviões passando pela tela.
O roteiro? Bom, há uma missão que lembra muito o clímax de Star Wars (que já havia copiado filmes de aviação da 2ª Guerra Mundial); um inimigo não identificado está para colocar uma usina nuclear clandestina em funcionamento em poucas semanas. Maverick tem que treinar uma equipe de pilotos para voar por um desfiladeiro estreito, desviando de baterias antiaéreas e acertar um alvo com apenas três metros. "Use a Força, Cruise". As cenas aéreas são brilhantes e foram feitas dentro de caças de combate de verdade. Fica nítida a sensação de realidade na expressão dos atores quando enfrentam altas "forças G" e tem o rosto distorcido pela velocidade.
Há também o lado humano da trama, representado pela presença de Miles Teller interpretando o filho de "Goose", parceiro de Maverick que morreu no primeiro filme. Jennifer Connelly não tem muito o que fazer além de ser Jennifer Connelly como o "interesse amoroso" de Cruise (no lugar de Kelly McGillis que, aos 64 anos, está sendo vítima de várias postagens maldosas na internet). Jon Hamn, ainda tentando se encontrar pós Mad Men, é um almirante. O grande Val Kilmer, que interpretou o antagonista de Maverick em 1986, tem uma participação especial em uma cena realmente comovente com Cruise. Ao final, não tem como não se empolgar pelas cenas de batalhas e pela "vibe" geral do filme. Não sei se vai ter o status de "clássico", mas é bastante bom. Nos cinemas.
Há 40 anos, em uma galáxia distante, um filme de ficção científica (uma fantasia espacial, na verdade) chamado "Star Wars" chegava aos cinemas americanos. O estúdio que pagou pelo filme (que custou menos que 10 milhões de dólares), a 20th Century Fox, achava que tinha uma bomba nas mãos. O filme era escrito e dirigido por um jovem chamado George Lucas, que tinha no currículo um grande fracasso (a distopia "THX 1138") e um grande sucesso (o filme juvenil "American Graffiti"). "Star Wars" havia sido rodado na Inglaterra e na Tunísia e os efeitos especiais haviam sido feitos por um bando de "maconheiros" na Califórnia, usando técnicas nunca antes testadas. Tinha tudo para dar errado.
"Star Wars", como todos sabem, se tornou não só um sucesso isolado como foi o início de uma saga cinematográfica que incluiria não só vários filmes mas milhares de produtos, bonecos, brinquedos, jogos, roupas e tudo o que se poderia imaginar com a marca.
George Lucas era um rapaz de uma pequena cidade americana chamada Modesto, na Califórnia. Até a adolescência, apesar de ler centenas de gibis e devorar histórias de aventuras, sua maior ambição era se tornar piloto de corridas. Um acidente de carro quase tirou sua vida e mudou o rumo da História. Lucas se tornou mais introspectivo e começou a se interessar por fotografia. Nos anos 1960 ele ingressou na University of Southern California (USC) e, aos poucos, começou a se interessar por cinema. Quem vê Lucas hoje, milionário por causa dos filmes "pipoca" que produziu, não imagina que ele tenha sido influenciado, quando jovem, por filmes experimentais como "21-87", de Arthur Lipsett, feito com sobras de imagens do National Film Board of Canada, em 1964.
O curioso é que o filme de Lipsett fala sobre uma "Força" que uniria os homens e a Natureza, algo que poderia ser confundido com "Deus". A edição não linear e o som fora de sincronia do filme influenciou não só os trabalhos que Lucas fez na faculdade como também seu primeiro longa metragem, a ficção científica "THX 1138" (1971), que foi produzida por Francis Ford Coppola. O número "2187" iria aparecer em "Star Wars" como o número da cela em que a Princesa Leia está presa na Estrela da Morte. "THX 1138" foi massacrado pelo estúdio e um fracasso de bilheteria, embora tenha se tornado um filme "cult" com o passar dos anos.
Deprimido com o fracasso de "THX 1138", Lucas começou a pensar em uma saga espacial baseada nos seriados de "Flash Gordon" que ele via quando criança. Ao revê-los novamente, já adulto, ele viu o quanto eles eram mal feitos e imaginou como seria um filme de aventura espacial produzido com mais dinheiro e efeitos especiais modernos, e começou a esboçar o que se tornaria "Star Wars".
Enquanto isso ele escreveu e dirigiu um filme que era uma homenagem a seus tempos de adolescência, quando passava noites guiando pelas ruas de Modesto, chamado "American Graffiti" (1973). O elenco tinha Richard Dreyfuss (que faria "Tubarão", "Contatos Imediatos do Terceiro Grau" e "Além da Eternidade" com Steven Spielberg), Ron Howard (antes de se tornar diretor) e um ator de 30 anos que também era carpinteiro nas horas vagas, Harrison Ford. "American Graffiti" foi um sucesso inesperado de bilheteria e colocou milhões de dólares no bolso de George Lucas, que ainda não tinha 30 anos.
Sem precisar se preocupar com dinheiro para sobreviver, Lucas embarcou na árdua jornada de transformar um monte de ideias desconexas e centenas de referências em um roteiro de cinema. Ao contrário da lenda que o próprio Lucas espalharia depois, ele não teve uma inspiração súbita que o fez criar uma grande saga de nove capítulos (ou três trilogias), das quais escolheu filmar primeiro a trilogia do meio. Ele escreveria quatro versões até chegar ao roteiro final, mas o começo era bem diferente do filme que chegou às telas em 1977. As fontes eram diversas; histórias de John Carter, Buck Rogers e Flash Gordon deram ao filme a figura do herói puro e inspirador, a heroína forte e dedicada e um vilão claramente delineado. Contos de fadas e o livro "O Herói de Mil Faces", de Joseph Campbell, serviram para estruturar a trama de acordo com mitos antigos e a Jornada do Herói. Filmes de Akira Kurosawa e Westerns de John Ford ajudaram também na estrutura. Munido da quarta versão do roteiro e auxiliado pelas pinturas do artista Ralph McQuarrie, Lucas conseguiu convencer a 20th Century Fox a produzir o filme.
O elenco era composto, na maioria, por atores desconhecidos ou estreantes. Harrison Ford ganhou o papel de Han Solo por sorte; ele estava instalando uma porta no estúdio em que Lucas estava fazendo testes de elenco e foi convidado a participar. Lucas conseguiu convencer uma verdadeira lenda do cinema britânico, Alec Guinness, a interpretar Obi-Wan Kenobi (claramente inspirado em Gandalf, de "O Senhor dos Anéis"). Guinness receberia 150 mil dólares (o mesmo que George Lucas estava ganhando) mais uma porcentagem da bilheteria, o que lhe renderia um bom dinheiro até o fim da vida.
O filme foi um sucesso e gerou duas sequências diretas, "O Império Contra-Ataca" (1980) e "O Retorno de Jedi" (1983), ainda sob supervisão de Lucas. Já no final do século XX, início do século XXI, Lucas voltou à saga escrevendo e dirigindo as famigeradas "prequels", ou os Episódios I, II e III, que receberam críticas mistas, para dizer o mínimo. Em 2012, os estúdios Disney compraram a "Lucasfilm" por mais de 4 bilhões de dólares e investiram pesado na marca Star Wars, lançando "Star Wars - O Despertar da Força" (2015) e "Rogue One" (2016).
O livro "How Star Wars Conquered the Universe", de Chris Taylor (que serviu de base para este artigo), fala sobre como Star Wars não só se tornou um campeão de bilheteria como se tornou parte da cultura mundial. Mesmo as poucas pessoas que nunca viram o filme já ouviram falar em Darth Vader, Han Solo, Princesa Leia, Luke Skywalker e Yoda. O sucesso do filme mudou a indústria do cinema, salvou a 20th Century Fox da falência e se tornou o modelo do blockbuster moderno. Curioso que o criador disso tudo, no início, queria apenas fazer filmes experimentais e tirar fotografias.
Primeiro, aviso de SPOILERS. MUITOS SPOILERS. ESTEJA AVISADO.
Segundo, assisti "Rogue One" no dia da estreia aqui no Brasil mas, curiosamente, não consegui escrever a respeito do filme. Eu o achei fantástico, mas teria sido apenas resultado da baixa expectativa? Resolvi que só escreveria quando o assistisse novamente, o que foi hoje. O que me leva a....
Terceiro: estava a caminho da sala de cinema para rever o filme quando chega uma mensagem enviada por um amigo: "Morreu Carrie Fisher". E lá vou eu rever "Rogue One" com mais esta informação na cabeça. De repente, a cena final toma um significado todo especial. De repente, todas as mortes neste filme (e são muitas) se tornam mais marcantes.
"Rogue One", sem exagero, é um dos melhores filmes já feitos da franquia "Star Wars". O diretor Gareth Edwards (do apenas razoável "Godzilla") e vários roteiristas (Chris Weitz, Tony Gilroy, John Knoll, Gary Whitta) conseguiram a façanha de transformar aqueles títulos iniciais de "Star Wars: Uma Nova Esperança" (1977) em um filmão de guerra e aventura. "É um período de guerra civil. Espaçonaves rebeldes, atacando de uma base escondida, obtiveram sua primeira vitória contra o malvado Império Galáctico", dizia o famoso texto inicial de "Guerra nas Estrelas" (como, por muitos anos, era conhecido o filme). Pois bem, "Rogue One" trata exatamente sobre este feito dos rebeldes em roubar os planos secretos para a famosa "Estrela da Morte", a "destruidora de planetas", como cita um dos personagens. O roteiro vai além, ao explicar até o que sempre foi considerada uma falha na história original de George Lucas, que era a famosa fraqueza na estação espacial, o duto em que (SPOILER, caso você não tenha crescido neste planeta) Luke Skywalker atira um torpedo e manda pelos ares a "arma final do Império". A fraqueza teria sido colocada lá de propósito pelo construtor da Estrela da Morte, Galen Erso (o grande Mads Mikkelsen), como uma vingança contra o Império que matou sua esposa Lyra e o afastou da filha, Jyn (Felicity Jones).
Não que o filme seja perfeito, veja bem. O começo, principalmente, quando os personagens estão sendo apresentados, patina bastante. É fato que o roteiro passou por grandes mudanças mesmo em estágios avançados da produção. O roteirista Tony Gilroy (dos filmes de Jason Bourne) teria recebido mais de 5 milhões de dólares para reescrever e refilmar grande parte da produção, fazendo mudanças que alteraram vários aspectos da trama, inclusive o final. Quem compara os trailers que foram lançados antes do lançamento com o filme final vai perceber que não só muitas falas foram cortadas como cenas inteiras estão diferentes.
O que importa, claro, é o produto final, e "Rogue One" faz a alegria não só dos novos fãs como dos antigos conhecedores da saga. Esqueça a lenga lenga política e conversas sobre "midichlorians" inventadas por George Lucas nos famigerados Episódios I, II e III. "Rogue One" resgata o ritmo acelerado da estonteante sequência final de "Uma Nova Esperança" e "O Retorno de Jedi" com o lado sombrio e trágico de "O Império Contra Ataca". É melhor até que o bom "Episódio VII", lançado ano passado por J.J. Abrams. Felicity Jones não é grande atriz mas ela está competente como Jyn Erso, uma personagem dividida cujo pai é, aparentemente, um colaborador do Império enquanto a Aliança Rebelde procura sua ajuda. Diego Luna interpreta um rebelde de moral também bastante duvidosa, como se vê em uma cena inicial em que ele mata a sangue frio um companheiro. Há também, claro, espaço para o humor; Alan Tudyk interpreta o robô K2SO, que pode não ser nenhum C3PO, mas tem algumas das falas mais engraçadas do filme. Há também dois atores chineses, Donnie Yen e Wen Jiang, que emprestam ao filme um lado oriental que já estava subliminar nos primeiros filmes de Lucas, fortemente influenciados pelos samurais de Arika Kurosawa. Há diversas sequências tiradas diretamente de filmes sobre o "Dia D", no final da 2ª Guerra Mundial; até o uniforme dos rebeldes lembram o desembarque dos Aliados na Normandia em 1944.
E temos que falar, claro, da volta de Darth Vader (com a poderosa voz de James Earl Jones); ele faz apenas algumas cenas neste filme, mas o cinema literalmente vem abaixo quando ele luta com os os rebeldes na espetacular sequência final. Quem também está de volta é Grand Moff Tarkin, interpretado além túmulo por um Peter Cushing digital que nem sempre funciona direito, mas impressiona. O compositor Michael Giachinno, que eu sempre considerei o sucessor de John Williams, usa e abusa dos temas originais do mestre mas vai além, criando novos temas em uma das melhores trilhas sonoras de toda saga.
Em suma, "Rogue One" é um grande filme, que serve tanto de homenagem a uma das franquias mais famosas do cinema como também funciona com méritos próprios. As cenas finais, quando testemunhamos o sacrifício dos personagens em prol de "uma nova esperança", são tocantes e muito bem feitas. Curioso que é com uma Carrie Fisher digital, jovem e sorridente, que o filme termina e nos joga em um mar de estrelas, prenunciando o que está por vir.
A Netflix está com "THX 1138" (1971) disponível no catálogo. É uma ficção científica distópica, claramente baseada em 1984, de George Orwell, e conta a história de um trabalhador chamado THX 1138 que vive em uma sociedade controlada por um Estado ditatorial em que as pessoas são mantidas na linha por calmantes e diversos outros tipos de drogas. Pode ser surpresa para alguns saber que este filme sério e depressivo foi escrito e dirigido por ninguém menos que George Lucas, que seis anos depois lançaria um dos filmes mais "pipoca" de todos os tempos, STAR WARS.
Lucas havia se formado em cinema pela USC e era protegido de Francis Ford Coppola, que estava fundando a própria companhia, a American Zoetrope. Há quem diga que Coppola usou Lucas para conseguir 300 mil dólares da Warner Brothers para fundar sua empresa em troca da promessa de um longa metragem, que seria THX 1138. A Warner teria odiado o filme, exigido o dinheiro de volta e editado o filme contra a vontade de Lucas.
A versão que está na Netflix é uma "edição especial" feita por Lucas em 2004. A imagem está maravilhosamente limpa, mas Lucas, como fez com Star Wars, modificou várias sequências com efeitos especiais digitais que aumentaram cenários, acrescentaram pessoas, trens, etc. Mas são mudanças menos invasivas do que as feitas em Star Wars e o resultado não muda tanto o filme original.
Engraçado notar que, apesar de THX e Star Wars serem tematicamente tão diferentes, há várias semelhanças técnicas entre os dois filmes. Note como as conversas ouvidas pelo rádio dos controladores da cidade em THX são quase idênticas às mensagens trocadas pelos rebeldes pelo rádio quando estão atacando a Estrela da Morte, por exemplo. Semelhante também o fato de que Lucas usou cenários reais de estúdios de televisão e processamento de dados para simular um ambiente futurista nos dois filmes (o controle da Estrela da Morte, que destrói planetas, nada mais é do que um manche de uma controladora de estúdio de TV).
Cerebral, lento e depressivo, THX 1138 não é para o gosto da maioria, mas é um filme bastante interessante. Robert Duvall está ótimo no papel principal. O elenco ainda conta com Donald Pleasense como um rival. O plano final deste filme é das coisas mais lindas já feitas no cinema. Disponível na Netflix.
Impossível falar sobre este filme sem comentar detalhes na trama. Assim, AVISO DE SPOILERS feito. Não leia o texto antes de ver o filme, esteja avisado.
"Além da Escuridão- Star Trek" é o segundo filme da nova fase da milionária franquia da Paramount. Star Trek é um fenômeno só comparável com Star Wars, de George Lucas, e tem uma legião de seguidores tão grande (e tão fanática) quanto. Após várias séries cultuadas na televisão e diversos filmes no cinema estrelados pelas tripulações originais da nave Enterprise (velha e nova gerações), a franquia ganhou sangue novo em 2009 com a vinda do diretor J.J. Abrams, menino prodígio da TV responsável pelas séries "Alias" e "Lost". O "Star Trek" de Abrams foi muito bem sucedido e, apesar da gritaria de alguns fanáticos, conseguiu recuperar muito bem a famosa "química" que fez o sucesso da série original, com atores novos representando os papéis do Capitão Kirk (Chris Pine), Sr. Spock (Zachary Quinto, de "Margin Call"), Dr. McCoy (Karl Urban), Uhura (Zoe Saldana), Scotty (Simon Pegg, de "Missão Impossível: Protocolo Fantasma"), Chekov (Anton Yelchin) e Sulu (John Cho). O filme contou até com a benção de Leonard Nimoy, o Sr. Spock original, que fez uma aparição especial.
Escrito e dirigido por Gustavo Taretto, "Medianeiras" é simpático e inteligente. É passado em Buenos Aires mas poderia facilmente ser ambientado em São Paulo, Nova York, Tóquio ou qualquer cidade grande do mundo. Econômico nos diálogos, o filme conta a história de Martín (Javier Drolas) e Mariana (Pilar Lópes de Ayala, de "Lope"), dois solitários cujo mundo interior é contado ao espectador através de narrações e colagens de imagens. O estilo lembra muito o usado pelo roteirista e diretor brasileiro Jorge Furtado em filmes como "Ilha das Flores" ou "O Homem que Copiava", embora em um ritmo mais lento.
Martín e Mariana moram a poucos metros de distância em Buenos Aires, mas não se conhecem. Eles compartilham as mesmas angústias de milhões de pessoas no mundo inteiro; solidão, isolamento, dependência de anti-depressivos e problemas de relacionamento. A namorada de Martín foi para os Estados Unidos para passar um mês e nunca mais voltou, deixando com ele a poodle de estimação. Mariana acabou um relacionamento de quatro anos e está morando no mesmo apartamento em que vivia antes do namoro. Martín é um web designer e não lhe falta serviço, mas vive enfurnado em uma kitnete entulhada de monitores, tabuleiros de xadrez, action figures e outras quinquilharias de um nerd solteiro. É hipocondríaco e está se recuperando de uma síndrome de pânico; o primeiro site que criou foi, não por acaso, para seu psiquiatra. Já Mariana é arquiteta mas nunca construiu nada, por falta de oportunidades. Ela ganha a vida criando vitrines para lojas; sozinha em casa, ela conversa com os manequins.
Há dezenas de referências "pop" que, nos dias de hoje, são reconhecíveis em qualquer lugar do mundo. Há citações a "Star Wars", "O Estranho Mundo de Jack" (Tim Burton), "Manhatan" (Woody Allen), "Feitiço do Tempo" (filme em que Bill Murray acorda todos os dias no mesmo dia, uma sutil comparação com a vida repetitiva dos personagens), jogos de videogame etc. E há uma referência importante tirada do livro infantil "Onde está Wally?", em que o famoso personagem tem que ser encontrado no meio de uma multidão de anônimos. É bastante inteligente o modo como o diretor/roteirista se utiliza destas referências para criar uma história bastante humana sobre a individualização da sociedade. Buenos Aires é também uma personagem e uma metáfora. Em um de seus monólogos, Mariana diz que a tecnologia prometeu poder controlar a temperatura de casa pelo celular, para encontrar o apartamento quentinho quando se chega em casa. "É porque não vai ter ninguém nos esperando", diz ela. O filme foi muito bem recebido no último Festival de Gramado, onde ganhou o prêmio de Melhor Filme Estrangeiro. Visto como cortesia no "Topázio Cinemas".
Por décadas, os grandes estúdios de Hollywood, Paramount, MGM, Universal, 20th Century Fox, entre outros, mandavam e desmandavam nos filmes criados sob seus domínios. Os diretores eram considerados apenas uma engrenagem na longa lista de técnicos responsáveis por uma produção, não mais importantes do que uma figurinista, e o produtor era a principal figura em um set. Com a chegada dos anos 60 tudo isso mudou. O público já estava cansado das fórmulas prontas dos estúdios, e fatos históricos como o festival de Woodstock e a Guerra do Vietnã pediam dos filmes uma visão mais realista do mundo. Os jovens cineastas americanos viam com inveja a liberdade desfrutada por diretores europeus como François Truffaut e Jean-Luc Goddard, e queriam fazer o mesmo nos Estados Unidos. Segundo o jornalista Peter Biskind, deste cenário teria nascido a última "era de ouro" do cinema americano. Jovens como Francis Ford Coppola, Brian de Palma, Peter Bogdanovich, Paul Schrader, George Lucas, Martin Scorsese e Steven Spielberg, entre outros, chegaram ao poder em Hollywood, mudaram as regras e produziram a última safra de filmes inteligentes e desafiadores do cinema americano, antes que a era dos "blockbusters" destruísse tudo novamente.
O livro é extremamente detalhista. Biskind se baseou em dezenas de entrevistas feitas por ele mesmo e coloca o leitor em contato direto com os bastidores de uma Hollywood distante do glamour costumeiro. A Hollywood de Biskind é habitada por pessoas talentosas mas extremamente egocêntricas, viciadas em vários tipos de drogas e capazes de tudo para ter seu nome nas telas. O título do livro faz menção a "Easy Riders", que no Brasil se chamou "Sem Destino", filme dirigido pelo ator Dennis Hopper, estrelando Peter Fonda, Jack Nicholson e o próprio Hopper. A produção foi uma bagunça. Hopper não tinha idéia de como se fazia um filme, era extremamente violento e egocêntrico e tão viciado que tinha marcado, no roteiro, que tipo de droga usaria para interpretar cada cena. Hopper não conseguia finalizar o filme e os financiadores tiveram que tirá-lo dele, cortando-o para uma duração apropriada. O filme acabou sendo um sucesso inesperado e deixou os estúdios sem saber o que fazer. Peter Fonda diz que os executivos antes pareciam confusos e faziam "não" com a cabeça. Depois do sucesso, eles passaram a fazer "sim" com a cabeça, mas continuavam confusos. Hopper se tornou cada vez mais viciado e fora de controle e nunca mais repetiu o sucesso.
"Ego" é uma palavra que aparece muito no livro. Peter Bogdanovich, que era um "nerd" viciado em cinema e crítico, dirigiu "A Última Sessão de Cinema" e foi chamado de "novo Orson Welles". Ele seguiu a carreira com outro sucesso, "Essa Pequena é uma Parada", com Barbra Streisend, e a fama lhe subiu à cabeça. Tornou-se igualmente odiado por toda a indústria, mas achava que era invencível. Acabou indo à falência após uma série de fracassos e por se envolver com uma coelhinha da Playboy que foi violentada e morta pelo ex-namorado.
Outros exemplos de cineastas destruídos pelo ego foram Francis Ford Coppola e William Friedkin. Coppola se achava um "artista", mas o diretor de fotografia Haskell Wexler o chama de "ladrão". Coppola é famoso por gastar muito o dinheiro dos outros, tendo como filosofia deixar os estúdios tão endividados que eles não poderiam mais cancelar seus filmes. Recusou fazer "O Poderoso Chefão" por diversas vezes, porque achava que estava "se vendendo" ao adaptar um livro comercial para o cinema. Fundou uma companhia chamada American Zoetrope e "emprestou" 300 mil dólares da Warner Brothers, dinheiro que nunca pagou de volta. Apesar de vários Oscars e filmes como a trilogia "O Poderoso Chefão" e "Apocalipse Now", Coppola acabou se tornando uma sombra de si mesmo. Hoje prefere fazer vinhos na Califórnia e assinar autógrafos para quem o visita na fazenda. Já William Friedkin ficou famoso com "Operação França" e teve como próximo projeto adaptar o livro "O Exorcista" para as telas. Friedkin era tão perfeccionista que passou dias e gastou milhares de dólares em uma cena em que tinha que filmar um pedaço de bacon fritando. Quando um padre de verdade, que estava atuando no filme, não conseguia transmitir a emoção que ele queria, Friedkin lhe perguntou: "Você confia em mim?". Quando o padre disse "sim", Friedkin lhe deu um tapa na rosto, conseguindo a interpretação que queria. "O Exorcista" foi um sucesso, mas Friedkin nunca mais conseguiu fazer nenhum filme bom.
Martin Scorsese era um garoto católico e asmático de Nova York que aprendeu com o professor a fazer filmes pessoais, sobre coisas que conhecia. "Caminhos Perigosos" deu ao mundo Robert DeNiro, com quem fez vários filmes juntos, como "Taxi Driver" e "Touro Indomável" (Raging Bull, também citado no título do livro). Scorsese se tornou viciado em cocaína e teve que ser internado vários dias em um hospital após ter um colapso nervoso. Está na ativa até hoje, talvez o melhor diretor americano das últimas décadas, mas longe da forma de outrora.
E há George Lucas e Steven Spielberg. É patente o esforço do autor em desacreditar estes dois cineastas e até em culpá-los pelos problemas do cinema americano dos anos 80. Pessoalmente, acho isso um pouco injusto. O caso é que Spielberg e Lucas não tinham tantas ambições "artísticas" quanto seus companheiros. Spielberg, especificamente, era um "nerd" que fazia filmes desde os 13 anos de idade, quando convocava os colegas da escola para fazer pequenos épicos em 8 mm. Um amigo emprestou dinheiro suficiente para que ele fizesse um curta em 35mm chamado "Amblin´", que impressionou tanto Sid Sheinberg, executivo na Universal, que ofereceu a Spielberg um inédito contrato de sete anos. "Encurralado", um filme feito para a televisão, era tão bom que foi exibido nos cinemas do mundo todo e levou Spielberg a fazer "Tubarão", o primeiro filme a arrecadar mais de 100 milhões de dólares na bilheteria. George Lucas até tinha idéias artísticas em seu primeiro longa, "THX 1138", uma ficção científica "cabeça" que poucos entenderam e o estúdio detestou. Lucas mudou de estratégia e fez "Loucuras de Verão", um filme leve sobre os anos 50 que rendeu muito dinheiro e agradou aos críticos. E foi então que Lucas fez um "pequeno" filme de ficção científica sobre um garoto que se junta a uma rebelião para lutar contra o Império, na figura de um vilão chamado Darth Vader. Quando Lucas apresentou um corte inicial para os amigos, Spielberg foi o único a lhe dizer que ele iria fazer muito dinheiro. Até a mulher de Lucas, Marcia, achava o filme bobo e infantil. Era "Guerra nas Estrelas", ou Star Wars, que quebrou todos os recordes de bilheteria. Quando foi relançado 20 anos depois, ainda arrecadou 250 milhões de dólares nos cinemas do mundo e já era parte da cultura popular.
O autor sugere que as obras de Lucas e Spielberg transformaram o cinema americano em uma fábrica de filmes infantilizados, sem nenhuma pretensão artística, focados apenas na bilheteria. Até certo ponto é verdade, mas é complicado culpar os dois por terem feito filmes tão bons e populares. É verdade que, depois, Lucas e Spielberg acabariam se tornando caricaturas deles mesmos. Lucas adulterou a própria obra nas "edições especiais" de Star Wars e cometeu três filmes anteriores da série que em nada lembravam os originais. Spielberg ainda fez bons filmes, mas tem a tendência a terminar todos com o inevitável final feliz hollywoodiano.
O fato é que o cinema dos anos 70 acabou sendo destruído por seus próprios criadores. O ego inflado e o acesso a grandes quantidades de dinheiro, sexo e drogas acabou com as idéias libertárias daqueles jovens e os transformaram em tiranos piores do que os estúdios contra os quais lutavam. Hoje, infelizmente, a maioria dos filmes americanos almeja apenas a bilheteria, baseando-se em histórias em quadrinhos ou antigas séries de televisão, sem se arriscar muito e lançados em milhares de salas ao mesmo tempo. Mas ainda há espaço para cineastas como Tarantino, os irmãos Coen, Soderbergh, Jason Reitman, entre outros.
Livro: "Easy Riders, Raging Bulls - Como a geração sexo-drogas-e-rock-´n-roll salvou Hollywood". Autor: Peter Biskind Editora: Intrínseca. 502 páginas. Tradução de Ana Maria Bahiana.
Abaixo, video realizado por mim em 2006 sobre Martin Scorsese e o cinema dos anos 70, similar ao tema do livro:
Ontem assisti ao bom e velho Guerra nas Estrelas (também conhecido como Star Wars, Episódio IV: Uma Nova Esperança) escutando os comentários de George Lucas (roteiro/direção), Carrie Fisher (atriz, Princesa Leia), Ben Burtt (criador dos efeitos sonoros) e Denis Murren (especialista em efeitos especiais).
De uns anos pra cá descobri que tenho pouca paciência com Lucas, que me soa cada vez mais falso. E no início do filme quase parei de escutá-lo, quando ele começou com aquela história de "estudar mitologia" para criar um "mito moderno" e blá blá blá que, cá entre nós, não cola muito. Sim, os personagens são arquétipos, são baseados em modelos pré-estabelecidos de heróis (Luke, Han Solo), figuras paternas (Obi-Wan Kenobi), princesas (Leia), vilões sombrios (Darth Vader), etc, mas não acho que as intenções de Lucas eram assim tão "nobres" quando fez o filme. Era uma grande aventura, sim, que com o tempo (e principalmente com os outros filmes, "O Império Contra-Ataca" e "O Retorno de Jedi") ganhou uma dimensão e uma profundidade maiores.
Mas ele disse coisas interessantes. Como a relação com Alec Guinnesss, que era uma figura que trazia mais calma ao set de filmagem. E que, originalmente, Obi-Wan Kenobi iria viver até o final do filme, mas que Lucas percebeu que ele não teria muita função depois da fuga da Estrela da Morte, e por isso decidiu "matá-lo". Guinness não teria ficado nada contente com a idéia e Lucas teve de convencê-lo.
Também achei interessante a "confissão" por parte de Lucas de que os três filmes anteriores a "Uma Nova Esperança" eram apenas idéias sobre o passado dos personagens, e não roteiros completos, como se dizia antes. Por muito tempo se difundiu a idéia de que Lucas teria escrito nove roteiros, que formariam três trilogias, mas Lucas diz que, na década de 70, quando ele estava preparando "Uma Nova Esperança", ele tinha apenas esboços das histórias de cada personagem. Ele também disse que o Universo de Star Wars é um universo "usado", que ele queria passar a impressão que pessoas realmente moravam ali, que os cenários eram sujos e gastos de propósito. Ele diz que o filme é muito mais uma fantasia do que um filme de ficção-científica. Segundo ele é muito ruim quando um filme tenta ficar se explicando o tempo todo. Star Wars é passado inteiro em planetas e em um Universo desconhecido, mas ele não queria ficar parando para explicar nem a parte técnica (como funciona um sabre de luz, por exemplo), ou do cotidiano daquelas pessoas. Irônico é que quando Lucas resolveu fazer as chamadas “prequels” (“A Ameaça Fantasma”, “O Ataque dos Clones” e “A Vingança dos Sith”, os três filmes que contavam a história anterior à trilogia original de Star Wars), um de seus maiores pecados foi justamente ficar explicando tudo. Lucas criou inclusive uma explicação biológica para a “Força” (produzida por seres simbiontes que viveriam no sangue das pessoas), o que contradiz tudo isso que ele disse sobre os filmes originais.
Lucas tinha formação de editor e diz que queria contar uma história da forma mais cinematográfica possível. As batalhas espaciais foram baseadas em filmes da Segunda Guerra Mundial, e Lucas chegou inclusive a editar o final do filme originalmente usando imagens de filmes e documentários da guerra para conseguir explicar aos técnicos em efeitos espaciais o visual que ele estava procurando. A revolução veio com uma técnica chamada de “motion control camera”, que permitia que uma câmera controlada por computador repetisse sempre os mesmos movimentos, filmando modelos em escala que eram compostos para criar os planos espetaculares da seqüência final do filme, o ataque contra a Estrela da Morte.
“Contradição” é uma boa palavra ao se falar em George Lucas. O “Guerra nas Estrelas” original é ao mesmo tempo clássico e de vanguarda. Clássico porque bebeu na fonte de cineastas como Akira Kurosawa e John Ford (pode-se descrever Star Wars como um faroeste passado no espaço, com samurais que lutam usando espadas de laser). Vanguarda, pois Lucas redefiniu os padrões técnicos do gênero e revolucionou a arte dos efeitos especiais. Mas é engraçado ver os belos efeitos mecânicos do filme, usando modelos e cenários reais (vindos do cinema clássico) e escutar Lucas reclamando que não podia, na época, criar digitalmente centenas de criaturas e monstros (como fez, repito, nos decepcionantes filmes recentes da saga).
De qualquer forma, o filme é um clássico inegável, que sobreviveu até às mutilações e transformações digitais que o próprio Lucas cometeu, em 1997 (na chamada “edição especial”). O DVD “Edição Limitada” trás também a versão original do filme, respondendo ao clamor de milhões de fãs mundo afora que sabem que, na verdade, Han sempre atirou primeiro.
Engraçado como o cinema americano está fatalista ultimamente. É filme atrás de filme mostrando a Terra (ou os Estados Unidos, o que para eles é a mesma coisa) destruída por alguma catástrofe natural, um vírus, um meteoro, ou o que seja. O exemplar mais novo deste "gênero" vem dos estúdios da PIXAR na forma de um robô que, aparentemente, é o último ser "vivo" do planeta (sem contar uma barata que lhe faz companhia). Falar bem da PIXAR é chover no molhado, mas vamos lá: que filme bem feito tecnicamente. Os artistas "nerds" do estúdio californiano enchem a tela (e os olhos dos espectadores) com literalmente milhares de pequenos detalhes impressionantes. Não há um frame sequer desleixado em um filme da PIXAR, e é por isso que eles se tornaram o estúdio de animação mais bem sucedido e criativo do mundo nos últimos anos.
O robô é chamado de Wall-e (que é a sigla para "alocador de lixo terrestre", ou algo assim), e sua única missão na vida é compactar o lixo em cubos e empilhá-lo em montanhas de dejetos. Estamos aproximadamente no ano de 2800, se minhas contas estiverem corretas, e a Terra se tornou, literalmente, um monte de lixo da superfície até a órbita, cheia de restos de satélites. O filme começa com uma surpresa, uma canção do musical "Hello Dolly", dirigido pelo gênio sapateador Gene Kelly, em 1969, com Barbara Streisend e Walter Matthau no elenco. Explica-se, a música é tocada pelo pequeno robô o tempo todo durante seu turno de trabalho, e ele guarda uma velha (muito velha) fita VHS do filme em sua "casa", um furgão cheio de bugigangas e peças de reposição. O cenário é impressionante e a trama vai sendo revelada aos poucos através de objetos de cena e outdoors animados que vão contando a história da humanidade: o mundo se tornou inabitável e os seres humanos fugiram para o espaço. Para trás ficaram robôs como Wall-e com a missão de limpar tudo e tornar o planeta habitável novamente. Mas 700 anos se passaram, o lixo se acumulou em pilhas maiores que os arranha-céus das metrópoles e os robôs foram parando um por um, com exceção de Wall-e que, fiel a seu propósito, continua trabalhando sem parar.
O filme é co-escrito e dirigido por Andrew Stanton, responsável por "Procurando Nemo", e ele comete algumas ousadias. Grande parte do animado é passado sem nenhum diálogo, apenas com imagens e expressões de Wall-e para passar a história. Há um sem número de referências, mas a principal (e que vai se tornando cada vez mais óbvia) é o clássico "2001 - Uma Odisséia no Espaço", de Stanley Kubrick, que também tinha uma longa primeira parte passada no "silêncio" de uma Terra sem seres humanos. O filme tem um visual espetacular e uma "câmera" quase sempre em movimento, com constantes mudanças de foco e pequenos movimentos que parecem sugerir o ponto de vista de outra máquina. A tecnologia da computação gráfica percorreu um longo caminho desde que Toy Story estreou nos cinemas em 1995.
A solidão do pequeno robô termina quando uma gigantesca nave desce dos céus e dela sai outro robô, muito mais avançado tecnicamente do que Wall-e. Na verdade é "uma" robô chamada EVA, que veio à Terra procurar por sinais de vida. Wall-e se "apaixona" perdidamente por ela e tenta conquistá-la seguindo as cenas que sempre viu no musical "Hello Dolly". EVA só quer saber de sua missão e, de fato, ela encontra uma pequena planta e entra em "hibernação". A nave volta e retorna ao espaço com EVA a bordo, e Wall-e vai de carona. As cenas da viagem espacial são de uma poesia tocante e servem de ponte para a segunda parte do filme, passada dentro de uma gigantesca nave espacial onde os descendentes da Humanidade vivem. E a visão não deixa de ser assustadora. A nave (ou o novo lar dos humanos) é mostrado como um gigantesco shopping center em que as pessoas, gordas e sedentárias, são conduzidas de um lado para o outro em cadeiras flutuantes, se comunicando apenas por programas de "chats" e seguindo a mesma moda. É obviamente uma crítica à sociedade de consumo que produziu todo aquele lixo que destruiu o planeta e um retrato do americano médio, consumista, gordo e infantilizado. Se não estivesse assistindo a uma animação "para crianças" feita por um grande estúdio americano, juro que acharia que estava vendo uma crítica ácida e adulta ao mundo em que vivemos.
Wall-e tem um pouco de E.T., um pouco de Star Wars, um pouco de 2001, e muito da cultura pop atual. Quando Wall-e liga, por exemplo, faz o mesmo som que meu iMac 600 da Apple fazia (e, creio, os Macs ainda fazem ao ligar). A mensagem ecológica está meio batida hoje em dia, mas o filme é maior do que isso. E a PIXAR impressiona novamente com sua mágica de conseguir misturar alta tecnologia na produção com um coração que bate em seus roteiros elaborados. E que venha o próximo Oscar.